Comédia

Afonso Padilha estreia especial de comédia ‘Alma de pobre’ na Netflix

O artista conversou com o Correio e deu detalhes sobre o show e últimos lançamentos da carreira

A Netflix lançou, nesta quinta-feira (3/9), o especial de comédia Alma de pobre do humorista Afonso Padilha. No show, que foi escrito em 2018 e rodou pelo Brasil em 2019, Afonso conta momentos de infância, relembra histórias com a mãe e fala sobre a virada econômica que teve na vida.

“Se chama Alma de pobre porque acho que é o que mais representa tudo que virou para mim. Consegui conquistar bastante com a comédia, dar bens materiais para minha mãe, mas percebi que mesmo a gente tendo as coisas, continuávamos sendo pobres. Sempre escutei da minha mãe que ‘você sai da pobreza, mas ela não sai de você’ e consegui entender isso na prática, a partir do momento que comecei a ganhar dinheiro. Mesmo tendo dinheiro, tinha atitudes de pobre, é aquela alma de pobre, aquilo que está em você e não sai, são coisas que a gente faz sem perceber. Por exemplo, café da manhã de hotel, todos nós temos uma gana a mais por isso, que o rico não tem”, explica o comediante em entrevista ao Correio.

Afonso ressalta que não buscou fazer comparações entre ricos e pobres no show, mas mostra, a partir do que vivenciou, algumas alegrias e histórias particulares, que trazem identificação para o público. “Com as piadas sobre o pobre, você escancara ali uma coisa que existe, mas que não necessariamente é ruim. Mostro como a criação no meio social de pessoas de baixa renda, faz com que as pessoas tenham certas atitudes, pensamentos, que a gente carrega para vida. Ter uma alma de pobre não é ruim, o pobre se tornou um termo pejorativo, com o rico se tornando a pessoa que “venceu na vida”, mas por que o pobre não pode vencer?”, questiona.

Para o comediante, a expressão “vencer na vida” não está relacionada a números na conta bancária. “Mesmo se o pobre não ganhar muito dinheiro, ele também pode vencer na vida. O pobre tem mais possibilidade de ser feliz, porque a régua de felicidade do rico é muito alta, o pobre precisa de pouca coisa para ser feliz. Pequenas coisas nos deixam felizes, tipo abrir a geladeira e ter um pote de iogurte, o pobre é muito mais divertido. Já foi em churrasco de pobre e em de rico? Prefiro mil vezes o churrasco de pobre que tem uma carninha, do que um de rico”.

Não é a primeira vez que Afonso Padilha figura na Netflix. Em 2019, ele, Thiago Ventura e Mhel Marrer representaram o Brasil na série de especiais de comédia da plataforma: Comediantes no mundo. Na produção, humoristas de 13 países se apresentaram em shows, totalizando 47 comediantes.

“Nós fizemos essa participação no Comediantes do mundo, que já é uma grande representatividade, mas nós sabemos a diferença entre participar dentro de um produto com mais 40 comediantes, que é importante, e ter o próprio especial original da Netflix, porque é uma coisa mais sua, pontual e para o mundo todo. Tenho noção que quem vai assistir são os brasileiros pelo mundo, que terão a chance de ver o show completo. A parte mais legal é furar a bolha das pessoas que já nos conhecem, também existe aquela coisa de ‘caramba, você está na Netflix’, que mesmo se você já estivesse fazendo um grande trabalho, quando entra para plataforma é como se estivesse na Globo antigamente, que falavam “nossa, você está na Globo”, a Netflix tem esse respeito para as pessoas”, avalia.

Mesmo com tantas conquistas, o comediante segue com a ambição que tinha no início de carreira: fazer o público rir. “Minha mãe disse que eu sou muito sem ambição por causa disso. Mas é uma ambição também, porque você trabalhar com o que gosta, ganhando um dinheiro suficiente para sobreviver daquilo e não ter algum tipo de dor de cabeça, já é uma grande ambição. Quantas pessoas conhecemos que conseguem fazer isso? Ter uma vida feliz trabalhando com o que gosta. Sou ambicioso mas dentro desse foco, quando as coisas acontecem eu fico muito feliz, mas é como a Dory do Procurando Nemo diz: ‘continue a nadar’”, pontua.

Livros

O ano 2020 tem sido de lançamentos para Afonso Padilha. Além do Alma de pobre, o humorista lançou dois livros, o infantil Papai, cadê o vovô?, em versão física e digital, em março, e o e-book Não tá compensando ficar isolado!, em julho.

Papai, cadê o vovô? trata sobre abandono paterno. O livro foi ilustrado por Guilherme Bandeira e a ideia surgiu na Comic Con (CCXP) do ano passado. “Em 2019, a gente bateu muito na tecla de abandono paterno, o Dihh Lopes do meu grupo (4 amigos) fazia bastante piada com isso, eu escrevia algumas para ele fazer, a gente sempre zoava. Todo fim de ano vou na Comic Con (em São Paulo), encontrei um amigo chargista que se chama Guilherme Bandeira, ele estava lançando um livro infantil, ai quando fui cumprimentá-lo falei “pensei em um livro infantil”, ai ele disse “você escreve?”, eu retruquei “se eu escrever você ilustra?’”, ele respondeu “ilustro”. Então comecei a escrever durante o mês de dezembro para ele ilustrar em janeiro”

“Como era uma coisa que eu passei e já tinha falado bastante, tive facilidade para escrever. Então traz uma história de um filho perguntando para o pai onde estava o avô dele, que é um assunto sério, pois são mais de 11,5 milhões de mães solo no Brasil, então dá para imaginar o tanto de criança que foi criada só pela mãe e quantos não entendem o que aconteceu”.

Já o Não tá compensando ficar isolado! é um livro de crônicas, escritas durante o período de distanciamento social. “No início da quarentena, comecei a escrever uma crônica por dia. Minha ideia era escrever uma por dia, durante quarenta dias, porque achei que a quarentena não passaria disso, mas me enganei. Então escrevi, não acabou a quarentena, e decidi fazer um e-book. Quis lançar um livro de fácil acesso e metade da arrecadação está sendo revertida para pessoas que estão passando por dificuldades financeiras”, explica.

As crônicas tiveram inspiração na escrita do autor Luís Fernando Veríssimo. Afonso é fã de longa data do autor, que serviu de influência até para os textos de shows de stand-up. No início da carreira, o comediante se aprimorou por meio de vídeos no YouTube e muita leitura nas horas vagas. “Comecei a ter um hábito de leitura tarde, depois dos 19 anos, porque eu trabalhava em um lugar que se você lesse um livro completo, ganhava um dia de folga. Eu gostava mais de ler do que de trabalhar. Então em paralelo aos vídeos, eu lia Luís Fernando Veríssimo, e o que eu sou hoje tem influência dele. Tentava mesclar o que ele fazia na escrita, levando para o palco”.

A leitura e escrita foram os grandes diferenciais que alavancaram a carreira do artista. “Nunca fui uma pessoa naturalmente engraçada, como Thiago Ventura, ou o Murilo Couto. Então pensei que teria que trabalhar muito mais. Desde novo na comédia, sempre tive o hábito de escrever e foi uma coisa que me deu destaque no meio, então acredito que se eu não tivesse feito tanto, criado tanto, não teria o mesmo reconhecimento que tenho hoje”, completa.

Mãe como grande heroína

Assim como abordado no livro Papai, cadê o vovô?, o abandono paterno é tema recorrente nos shows e vídeos do artista. Afonso conseguiu reverter o tema delicado em piadas, abordando sempre o tema de forma leve. “Para o comediante, a piada é uma espécie de terapia. Eu falo sobre mim, sei que muita gente sofre com isso, mas eu faço piada sobre a minha pessoa, a minha vivência e história. Talvez tenha sido mais fácil para mim porque não chegou a ser um trauma. Via meu pai no Natal, era tipo um Papai Noel, só o via no fim do ano. Mas era um Papai Noel pobre que aparecia sem presente. Não tive uma interação com ele que fosse tumultuada”.

Grande parte do que o humorista tem hoje se deve à garra que a mãe teve no passado. “Minha mãe nunca deixou faltar nada de amor e carinho e sempre deixou claro que a culpa não era dela e nem minha, era dele. Não tinha porque eu sentir culpa por ele ser ausente. Então nunca cheguei a sofrer por isso”, diz.

“Minha mãe é a coisa mais importante para mim, por tudo que ela fez e passou. Se eu for um terço do que ela é, serei uma pessoa maravilhosa. Ela literalmente tirava comida da boca para dar para os filhos, deixava de comer para nos alimentar. Ela se sacrificou muito pela gente. Minha meta para a comédia era sobreviver e dar as coisas para ela. Hoje ela tem um carro que nunca imaginou que teria, uma casa na praia com piscina, então temos uma vida que nunca imaginamos e hoje ela descansa, porque ela merece”.

Confira o trailer do especial Alma de pobre:

*Estagiário sob supervisão de Adriana Izel