Monja Coen comenta a pandemia e as obras mais recentes

Ao Correio, Monja Coen Roshi compartilha início da trajetória budista, fala sobre livros recém-lançados e analisa o mundo pandêmico

Adriana Izel
postado em 21/03/2021 06:00 / atualizado em 22/03/2021 10:23
 (crédito: Editora Citadel/Divulgação)
(crédito: Editora Citadel/Divulgação)

A Monja Coen Roshi é conhecida no Brasil por disseminar a filosofia zen budista. No ano passado, ela ganhou ainda mais projeção ao compartilhar palavras de esperança em meio a um período de desilusão por causa da covid-19. “A pandemia nos facilita o processo de despertar o apreciar pela vida; de poder filosofar; escolher o que ler, que programas assistir; participar de aulas de meditação. Essas possibilidades se abriram para muitas pessoas, que puderam começar a amadurecer e iniciar o processo de despertar”, avalia.

Durante o período, a Monja aproveitou para tocar ainda mais projetos. O principal meio foi a escrita. A primeira obra lançada foi Vírus, um livro inspirado na literatura de cordel com histórias a partir da percepção da pandemia. A partir daí, escreveu outras publicações. Duas delas foram lançadas em 2021: O bom contágio, sobre como a tragédia social pode servir para uma reavaliação, e Despertar inspirado, escrito com o professor Clóvis de Barros Filho com reflexões positivas e motivacionais para o dia a dia.

Em entrevista ao Correio via aplicativo de vídeo, a líder budista zen, que está isolada na casa templo em São Paulo, compartilhou como se encontrou na filosofia de Buda na década de 1980, falou sobre as novas publicações e ainda comentou sobre como a sociedade ainda precisa se curar do egoísmo.

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Entrevista // Monja Coen Roshi

O que a levou ao budismo?
O que é a vida? O que é a morte? O que é Deus? Do que estão falando? Essas questões existenciais, que são de todos nós, eu tinha desde os 11 anos. Procurei ler muito sobre elas. Fui vagando de um lugar para o outro, à procura de alguma coisa que pudesse responder meus questionamentos. Quando encontrei o zen, percebi que isso está aqui, está em nós, não está fora. As pessoas que escreveram sobre experiências místicas passaram por um processo de autoconhecimento. Para mim, esse foi o caminho. Passei a fazer práticas meditativas, assistir a algumas palestras por dia. Cada vez mais falei: esse é o caminho que eu quero. Encontrei aquilo que responde às questões que continuam sendo levantadas.

Como foi o primeiro contato da senhora com a filosofia zen budista?
Eu me interessava por práticas meditativas. Tinha lido sobre ondas mentais alfa (responsáveis por um estado de relaxamento profundo) e depois assisti a uma reportagem sobre clínicas que levavam a esse estado por indução. A repórter foi entrevistar um monge zen para saber o que ele achava disso. Ele disse: “por que induzir um estado que a meditação leva? Por que entrar pela janela, se existe uma porta?” Fui procurar o zen. Encontrei o Zen Center de Los Angeles, na década de 1980. Lá, descobri como o zen budismo trazia autoconhecimento e como era importante. Pedi pra ser monja.

Como foi o processo para se tornar uma monja?
Venho de uma família cristã e acabei me ordenando monja em Los Angeles. Depois, fiquei 12 anos num mosteiro feminino no Japão. Fiz minha formação completa. Sou professora de soto zen (que une as tradições Rinzai e Soto, práticas de meditação japonesas). Voltei para o Brasil para trabalhar no Templo Budista da Liberdade (bairro japonês da capital paulista), onde fiquei durante sete anos. Saí para criar uma comunidade que não fosse tão ligada à colônia japonesa. Assim foi sendo minha caminhada para me tornar uma monja.

A senhora consegue levar o conhecimento do budismo ao público leigo. Como faz para ter uma linguagem tão acessível?
Acho muito importante que eu possa levar meu conhecimento a todas as pessoas, de todos os níveis. Têm vários caminhos para levar o conhecimento. Tenho livros, um podcast (Despertar zen), um programa na Rádio Vive Mundial de São Paulo, faço palestras para empresas, bancos, universidades... Falo para um público geral, procuro fazer uma fala que todos possam entender. Comecei a ler aos 9 anos. Meu primeiro livro foi O Mandarim, de Eça de Queirós. Minha família sempre foi ligada às letras. Minha mãe era poetisa. Formei esse raciocínio e sempre gostei de ler. No colégio, eu recebia prêmios de escrita. Aos 19 anos, trabalhei no Jornal da Tarde, num emprego de foca (nome dado para os repórteres iniciantes numa redação). Ali, realmente aprendi a escrever. Foi a minha grande escola. Uma maneira de escrever com frases curtas, pontuais e descritivas. Criei uma maneira de escrever um pouco jornalística, mas com a poesia da minha mãe. Sinto prazer em escrever.

A senhora acabou escrevendo mais ainda na pandemia, né?
Essa pandemia me deu essa oportunidade. Acho que foram de sete a oito livros em um ano. Foi uma provocação exatamente por ser algo que eu gosto e posso fazer. Também fiz muitas lives. Tem muita gente apresentando ansiedade, estresse, desespero e depressão. Eu quis levar um bom contágio à vida delas.

Acredita que sairemos melhor dessa pandemia, como muitos disseram no início da quarentena, em 2020?
A pandemia nos facilita o processo de despertar o apreciar pela vida; de poder filosofar; escolher o que ler, que programas assistir; participar de aulas de meditação. Essas possibilidades se abriram para muitas pessoas, que puderam começar a amadurecer e iniciar o processo de despertar. Mas alguns não pegaram. Se passar um cavalo arriado, monte e vá. Tem gente que não montou. Tem pessoas fazendo festinhas, aumentando o contágio, que não acreditam na ciência, só pensam em si. Está na hora de despertar, ver a realidade e atuar de forma adequada. Se eu nego a realidade, eu não me curo. E temos muitas coisas para curar. Dizem: “O Brasil é um país racista. Mas não é o país que é racista, são as pessoas”. Se eu não vejo a doença, não posso curá-la. A mesma coisa é o racismo, a xenofobia, a homofobia e tantas outras que existem, que são doenças estruturais. É uma negação do outro. Se eu vejo a doença, eu vou passar um remédio, vou me curar. Despertar é isso, é ver a realidade como ela é. E eu quero contagiar as pessoas com amor, paz, paciência, resiliência, compaixão, sabedoria (temas do livro O bom contágio).

Despertar é a palavra título do livro que a senhora escreveu com o professor Clóvis de Barros Filhos. Como se deu essa parceria para a obra?
Conheci o professor há alguns anos numa palestra em Uberlândia (MG). Ele era um dos palestrantes. Eu o conhecia pela televisão. Quando o conheci pessoalmente, me surpreendi. A palestra dele era antes da minha. Ele fala alto, vai se entusiasmando, é como se ele entrasse dentro da gente. Todos ficaram de pé aplaudindo. Eu sou o oposto dele. Sou tímida. Depois me convidaram para fazer o livro A monja e o professor: Reflexões sobre ética, preceitos e valores (2018) com ele. Ficamos amigos. Fomos criando um vínculo, uma ternura, uma amizade. Nessa jornada de fazermos coisas juntas e de termos encontros, ele apresentou o Despertar inspirado. Comecei a ouvir, escrevia textos budistas e mandava para ele (sobre os episódios). Na segunda vez que fiz um comentário, ele perguntou se eu não queria gravar e colocar no livro.

Como foi o processo de escrever a sua parte de Despertar inspirado?
Trago um outro olhar mais oriental e budista para o pensamento greco-romano que ele desenvolve sobre os temas do Despertar inspirado. São textos curtinhos que nasceram muito de ouvi-lo, de forma espontânea. O meu trabalho como monja zen budista é de mostrar que a vida é maravilhosa. Minha intenção é despertar a sabedoria que está em você e a compaixão que existe em nós, que elas venham para a superfície. A maioria de nós vive semiadormecida, não percebe a beleza da vida e toma medidas erradas. Temos que gostar da vida e de estarmos acordados.

O que é o Despertar inspirado?

 (crédito: Editora Citadel/Divulgação)
crédito: Editora Citadel/Divulgação

Há quase um ano, o professor e jornalista Clóvis de Barros Filho criou o Despertar inspirado — projeto em que, diariamente, às 6h, compartilhava os primeiros pensamentos que viam na mente dele no canal da Revista Inspire-C. Ao todo, foram 40 episódios. Até que, neste ano, a iniciativa se estendeu ganhando as páginas dos livros, em uma obra escrita em parceria com a Monja Coen Roshi, lançada pela editora Citadel.

A ideia surgiu de manter um canal de comunicação com o público levando uma mensagem positiva. “Peguei a ideia do despertar, que é cheia de significados e metáforas e de coisas positivas. E como sempre dizem que eu trago inspirações para as pessoas, juntei as duas ideias. Todo dia, às 6h, eu compartilhava o que passava na minha cabeça ao amanhecer. A monja começou a me mandar comentários sobre aquilo que tinha dito e a editora teve a ideia de fazer um livro dando conta desse nosso diálogo, num Despertar inspirado mais verbal com o conteúdo da monja ali no calor do impacto da mensagem”, explica Clóvis. Dos 40 conteúdos, foram escolhidos 15 para serem publicados no livro.

Três perguntas // Clóvis de Barros Filho

Como foi o processo de escolher os temas que iria tratar a cada Despertar inspirado?
A ideia era que fosse muito espontâneo, tanto que os temas não têm uma coerência interna. O critério mesmo era a espontaneidade. A primeira coisa que me vinha à cabeça, procurava me articular naquele tema. Acordava 10 para 6h, punha a roupa e já ia gravar. Sempre com a ideia da sexta badalada do mosteiro, de criar uma rotina. No final das contas, a pandemia foi marcada muito por ter mudado a rotina das pessoas. Era uma ideia de que era possível criar uma nova, com novas preocupações, um novo jeito de organizar o tempo e o dia a dia. Fiz questão de fazer sempre no mesmo horário, respeitando rigorosamente a simbologia do despertar, falando do nascer do sol e dando conta da possibilidade de começar o dia de maneira inspirada através da reflexão de uma atividade da alma.

Como o senhor acha que a pandemia impactou na vida das pessoas?
Acredito que a pandemia representou uma ruptura com o cotidiano e de uma certa maneira ainda não acabou. Suas consequências mais trágicas ainda estão sendo vividas. Ela é, sem dúvidas, uma ruptura com o cotidiano, que é sempre marcado por uma certa mediocridade, de fazer tudo de maneira dividida, fragmentada. A possibilidade da quarentena responde ao cotidiano como um tempo de reflexão mais maduro, um pouco mais profundo e, claro, espero com alguns benefícios para a própria vida no sentido de uma avaliação segura de como estamos administrando o tempo da vida. Quais são os seus reais valores, o que realmente importa para que tenha valor, para que valha as suas dores e dificuldades? A oportunidade foi dada para uma reflexão profunda ante a presença gritante da finitude com os números expressivos de óbitos diários.

Esse foi um período de muito trabalho para o senhor, né?
Talvez eu nunca tenha trabalhado tanto. Só com a editora Citadel são quatro livros. Escrevi um sobre Sócrates com a Ciranda Cultural. Estou escrevendo um sobre liberdade. Há uma produção frenética. Porque a oportunidade é dada justamente para esse tipo de reflexão. O próximo livro tem como título Moral da história. Está pronto, com o projeto editorial feito. São 10 histórias da minha vida apresentadas como crônicas. Cada capítulo tem três partes: a minha história, a moral da história e a história do outro, com situações análogas na literatura brasileira. O outro livro que está pronto é Cooperar, destinado a uma reflexão filosófica do significado de cooperação como uma estratégia conjunta de somatórios para alcançar um fim comum. O último livro é uma transcrição do meu podcast Inédita pamonha, que traz toda quinta-feira uma reflexão sobre a vida.

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