ENTREVISTA

Ator e diretor Wagner Moura fala sobre Marighella, que estreia em novembro

O ator Wagner Moura, que estreia como diretor do filme Marighella, falou ao Correio sobre a produção e como vê o atual momento do país

Ricardo Daehn
postado em 31/10/2021 06:00
 (crédito:  Ariela Bueno)
(crédito: Ariela Bueno)

Longe de retratar o personagem central do longa Marighella como herói absoluto ou de tachá-lo como mero terrorista, o ator e, agora, diretor Wagner Moura traça, nas telas de cinema, um perfil de imperfeição para o ex-político e guerrilheiro que ele tanto admira, e que foi morto, em 1969, durante a Operação Bandeirante, do famigerado Dops, em meio ao regime da ditadura militar brasileira. Moura toma por exemplo a trajetória como ator para a sua análise: "Desde heróis como Sérgio Vieira de Mello ou os malvados como o papel do Pablo Escobar (em Narcos), todos meus personagens continham a complexidade que é própria a qualquer ser humano", resume.

Marighella aproxima Wagner Moura da arena eleitoral de 2022. Sem fugir do tema, aquele que deu vida ao icônico personagem capitão Nascimento, se posiciona: "Acho que, para o bem do Brasil, ele precisa sair. Acho que ele sairá, não passará de 2022", sentencia. Para ele, o atual momento político fez eclodir um lado sombrio do país. "A eleição do Bolsonaro nos reconectou com o Brasil profundo, racista, que tem história de autoritarismo e traços golpistas e elitistas. Este Brasil está aí: se materializou neste furúnculo chamado Bolsonaro."

De passagem pelo Brasil, depois de longa temporada nos Estados Unidos, Wagner traz na bagagem a experiência de ter filmado com os irmãos Joe e Anthony Russo (de Vingadores: Ultimato), o longa The gray man (ainda inédito), além de ter participado da série The shining girl. Sobre os trabalhos futuros, ele cita uma nova parceria ao lado do diretor Karim Aïnouz (o mesmo de Praia do Futuro) e um novo filme com o também diretor Kleber Mendonça Filho. Em outro projeto, Wagner atuará como produtor em uma série sobre Maria Bonita.

Entre a agenda de compromissos que antecede a estreia do filme Marighella, que será lançado no dia 4 de novembro, Wagner Moura conversou com o Correio sobre a pandemia, música, mazelas sociais e até sobre as consequências do episódio envolvendo o ator Alec Baldwin, em que a diretora de fotografia Halyna Hutchins foi morta durante as gravações do filme Rust, em um tiroteio acidental no centro da indústria de Hollywood.

 

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    Globo Filmes Foto: Ariela Bueno
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    Descrição:Wagner moura diretor de marighella Foto: Ariela Bueno
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    Descrição:Wagner moura diretor de marighella Foto: Ali Ghandtschi

Entrevista // Wagner Moura

Como é retornar a um país com um quê de distópico, em que um presidente não sustenta as declarações dadas?

Eu estou conectado com o Brasil, com tudo o que está acontecendo. Tô sempre conectado. Leio jornais brasileiros, converso com os meus amigos, e não há como negar: a situação está muito trágica, está muito ruim. O Brasil tem 19 milhões de pessoas passando fome outra vez; tem 605 mil mortos pela pandemia. Um país que atravessa uma crise jamais vista. Talvez, desde a época da ditadura militar, a gente não encontra um governo desses. Um desgoverno, aliás. Não é um governo de construção, é de destruição, apenas. Não construiu nada, apenas destruiu. Destruiu o que tinha de bom, os pequenos progressos que havia no país. É grave, é muito grave mesmo isso.

Há um ponto no filme em que Marighella assume a condição de terrorista...

Sempre me impressiona muito que quem é acusado de terrorismo seja o pobre. O MST é terrorista, o pessoal que se revolta e taca fogo na estátua do Borba Gato é terrorista, os levantes populares todos são tratados, pelo poder, como terrorismo. No filme, há uma fala que traz o sentido de que, terrorismo é o ministro da economia ter uma conta offshore, terrorismo é não pagar imposto no próprio país; são 600 mil mortos, são 19 milhões de pessoas passando fome; é metade da população brasileira em insegurança alimentar. Terrorismo é o racismo estrutural que dita o que este país é até agora. Não gosto de explicar uma cena, mas quem for assistir ao filme, terá a sabedoria de entender que ninguém está fazendo uma ode ao terrorismo. Mas há, sim, uma fala forte, em um momento forte do filme.

Na trilha, as músicas tiveram muitas escolhas suas?

Aquela música do Chico Science sempre quis ter no filme, não sabia onde colocar, mas sempre gostei daquela música, que diz: "banditismo por necessidade, banditismo por uma questão de classe". Amo Chico Science & Nação Zumbi. Achei que aquela música tinha a ver com o filme, antes mesmo de escrever o roteiro, pensava que era uma música para ter num filme sobre o Marighella. A música do Gonzaguinha (Pequena memória para um tempo sem memória) apareceu depois, se não me engano foi uma sugestão do Mário Magalhães (autor de Marighella — O guerrilheiro que incendiou o mundo). Fiquei com aquela música na cabeça e achei que era bonito ela entrar no momento final do filme.

Com o ocorrido em relação ao caso do Alec Baldwin, com aquela tragédia em set, vem o questionamento sobre a segurança nas produções. Como você lidou com essa no seu filme que tem várias cenas de tiroteio?

Fiquei muito impressionado. Muito trágico o que aconteceu lá. Em todos os filmes que eu fiz, tanto aqui quanto nos Estados Unidos, que envolviam armas, sempre houve um cuidado muito grande. O armeiro chega, mostra a arma para o ator, desmonta a arma, pede para você ver. Em todos os trabalhos que eu fiz, as pessoas me mostravam que a arma estava "fria" (segura para as filmagens). Não entendo como uma coisa daquelas aconteceu. No meu filme, tinha profissionais que trabalhavam com armas, eu mesmo ia lá e, pessoalmente, junto com os atores, checava as armas. Antes de qualquer cena, eu ia junto com os armeiros e checamos todas as armas. É incrível, nunca pensei que pudesse ter uma bala de verdade dentro de uma arma de algum filme. Sempre tive cuidado porque até festim, se é disparado em uma distância próxima, pode ferir, pode queimar. Minha preocupação era, quem precisasse ter festim, que não eram todos, que atirasse de uma distância mais longa.

É convincente lidar apenas com a tecnologia da imagem manipulada?

Para mim, como ator, e sou um diretor que pensa como ator, eu gosto de ter o festim na arma, porque, quando você atira, você tem a sensação daquilo. É diferente do efeito com a pós-produção (um artifício que trapaceia a realidade filmada). Quando você finge que está atirando, aquilo não te dá o estouro, a energia que a arma tem. Mas eu acho que, a partir do que aconteceu, agora os protocolos nos cinemas vão mudar. Acho que tudo vai ser feito em pós-produção, acredito.

Você vê o Marighella como personagem do filme, como uma figura heróica?

Marighella é imperfeito. Qualquer personagem que eu fiz, que eu desenhei, que eu fiz como ator, são personagens imperfeitos. Desde os heróis como Sérgio Vieira de Mello ou os malvados como o papel do Pablo Escobar, todos continham a complexidade que acho que todo ser humano tem. No meu interesse por um filme, um filme como Marighella, por exemplo, primeiro, é centrado nas pessoas. Depois, a partir daquelas relações, da complexidade daqueles personagens, das relações deles, é que você começa a ter uma ideia do contexto em que ele vive, do que ele quer, do que ele diz. Meu interesse principal é por eles.

Mas há defeitos no personagem central?

No filme, você vê que Marighella é colocado em xeque a todo momento. Não fiz uma hagiografia (descrição de um santo, servo de Deus), embora o filme tenha nascido de uma admiração pelo Marighella, meu trabalho como artista é entregar personagens complexos. Não consigo defini-lo como herói. Tenho muita admiração por ele, acho que é um personagem muito importante na história do Brasil. Um cara que dedicou sua vida, literalmente, à luta contra uma ditadura militar, pela liberdade, pela democracia, pelos direitos dos mais pobres, pelos trabalhadores, pelos direitos civis, isso está na história de vida de Marighella, e inclusive, não está nem no filme. Mas ele é um personagem complexo, com falhas e imperfeições.

Você já viveu, na tela, o papel de um ex-capitão que chora no espelho. Daria algum conselho para o presidente que chora no Alvorada? Aliás, como o ex-capitão Nascimento, pediria para ele sair?

Eu peço para ele sair; gostaria muito que ele saísse. Não sei se eu tenho conselho para dar para Bolsonaro. Mas acho que, para o bem do Brasil, ele precisa sair. Acho que ele sairá, não passará de 2022. Se ele não vier com uma aventura golpista de tomar as coisas na marra, como é natural deste tipo de governo que ele admira. Nas urnas, não tenho a menor dúvida de que vai perder. O Brasil já entendeu, viu. Já disse isso: acho que a eleição do Bolsonaro foi pedagógica para o país. Nos reconectou com um Brasil, que é o Brasil também. Este Brasil profundo, racista, que tem história de autoritarismo, traços golpistas e elitistas. Este Brasil está aí: se materializou neste furúnculo chamado Bolsonaro. Mas nós somos muito mais do que isso. Somos muito mais complexos do que isso. Entendemos, olhamos: este Brasil estava camuflado pelo pós-ditadura, pela Constituição de 1988. Vai ser um trabalho difícil o de reconstruir um caminho. Destruíram muita coisa. Mas vamos voltar e reconstruir; de 2022 ele não vai passar.

 

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