Prêmio

Vozes negras e de ouro: D Smoke e Luedji Luna falam sobre música e racismo

Indicados respectivamente ao Grammy e Grammy Latino, D Smoke e Luedji Luna falam sobre o racismo estrutural e sobre o desejo por um mundo mais justo na música

Pedro Ibarra
postado em 20/11/2021 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

A música atrai todos os gostos, tipos, pessoas, corpos e interesses. Contudo nem todos recebem oportunidades iguais nesse vasto e diverso mundo cultural. São incontáveis as histórias de superação entre artistas que, após uma infância difícil, encontram na música um refúgio e uma forma de superar as dificuldades impostas pela realidade.

O rapper norte-americano D Smoke é um desses casos. Nascido e crescido no município de Inglewood, local da zona metropolitana de Los Angeles, conhecido pelo domínio das gangues, ele teve que lidar,  ainda muito jovem, com a prisão do pai e viver em uma família em que a mãe, cantora amadora e professora, era a única a prover a casa. O artista encontrou na música uma forma de se expressar e de entender a própria identidade.

"A música te dá uma voz e espaço para entender todas essas coisas difíceis. Também quando você está escrevendo e encontra um lugar de honestidade e profundidade, isso te dá a possibilidade de processar muitas coisas que, se você estivesse em outra situações, ficariam inacabadas", reflete D Smoke em entrevista exclusiva ao Correio.

O rapper sempre esteve inserido no meio da música. Quando pequeno, tocava piano. Posteriormente, se formou em espanhol, lecionava a língua, e fazia iniciação musical para crianças e jovens. Porém, em 2019, se sagrou vencedor do reality show da Netflix Ritmo Flow, e viu a própria música tomar uma proporção muito maior. "Eu sempre fiz música, e sempre me senti bom nisso, desde que era criança, mas tinha que achar ou criar minha audiência e o programa foi parte importante para isso", avalia.

Após o sucesso na Netflix com rimas que misturavam inglês e espanhol, D lançou dois álbuns, Black habits em 2020 e War & Wonders em 2021, e buscou misturar temas dos quais era familiar. Falando da própria família, das dificuldades e ensinamentos que encontrou durante a vida e o elemento da guerra racial, que foi próxima durante toda juventude do artista, que diz se sentir abençoado de ter tido oportunidades de não se envolver nas guerras urbanas de Inglewood. "Música força a gente a sentir e lidar com as situações e induz a gente a ser mais humano", afirma o rapper.

Com a fama e os novos trabalhos, veio o reconhecimento. Black habits foi indicado ao Grammy de 2021 na categoria de Melhor álbum rap e D Smoke como Artista revelação. "Para mim, isso só confirma o que eu achava de mim mesmo. Eu sabia que tinha algo a contribuir para esse mundo, que precisava só de trabalho para aperfeiçoar o que eu era bom, sabia que tinha algo a falar para as pessoas", destaca o artista, que, infelizmente, não levou nenhum dos dois prêmios. "Um Grammy é irado, e eu espero que na próxima eu possa levá-lo para casa. Mas, além disso, queremos a longevidade e perpetuação da minha música", complementa.

Também estreante no Grammy, a cantora baiana Luedji Luna disputou a categoria de Melhor álbum de música popular brasileira. Natural de Salvador, a artista lançou o aclamado Bom mesmo é estar debaixo d'água, e estava em Los Angeles na última quinta-feira. Ela tentava ser a primeira mulher negra vencedora desta categoria. "Quantos anos, trabalhos e histórias se passaram esses anos todos para que apenas em 2021 eu talvez conseguisse trazer um Grammy", analisa a artista que acreditava muito na vitória. "Eu quis fazer o melhor disco e se esperava isso de mim também", acrescenta.

Com um passado diferente de D Smoke, a artista encontrou na música a própria voz e uma forma de se afirmar no mundo. Filha de funcionários públicos, ela já relatou ter sofrido racismo desde a infância na escola. Luedji entende a música como expressão e a cor da pele como política. "Eu faço parte de um tempo e de uma geração que surgiu na internet e possibilitou que outras vozes, outros corpos, outros discursos pudessem ser ouvidos e terem visibilidade. A prova é essa, essas indicações, os prêmios, a presença desses corpos nos festivais", comenta. "O que essa geração está colhendo é fruto de uma brecha que a gente encontrou na internet, na autonomia de não depender de uma gravadora. É a mudança do jogo, para que esses novos corpos pudessem ressoar", adiciona.

Mulher negra, mãe e artista, Luedji Luna tem muita consciência do lugar que ocupa como musicista de relevância no contexto brasileiro. "O nosso corpo é político. A gente, que nasce preto, já nasce militando ainda que inconscientemente, ainda que só existindo, permanecendo vivo, em plenitude, fazendo o que ama , se realizando e realizando os nossos sonhos", aponta Luedji. "Existir, competir, trilhar e ganhar prêmios nesse mercado isso já é político", completa.

Sobre o mercado, a compositora acredita que há uma desigualdade latente. "Ainda não há paridade entre artistas negros e brancos, mas acho que estamos avançando sim", comenta a cantora. "Porém, a gente ainda precisa avançar mais, o mercado da música é muito desleal com os corpos negros, mesmo no mainstream", rebate a si mesma.

Luedji aponta que ela só está recebendo visibilidade porque outras mulheres negras vieram antes dela. "É resultado de uma luta histórica. Muitas cantoras, que muitas vezes eram únicas na música brasileira, permaneceram firmes e fortes quase como uma cota. A gente é continuidade disso e tem muito o que crescer", acredita a cantora. "Por mais que tenha muito o que melhorar, a gente precisa celebrar o que é nosso, nossas conquistas, quem a gente é, o que a gente tem conseguido fazer e ser", afirma.

Futuro Melhor

"Música é uma das nossas mais importantes ferramentas para mudar", crê D Smoke. O rapper, que também é professor, faz uma metáfora bíblica para explicar a importância da arte para as pessoas. "Professores plantam sementes, mas tem uma parábola na Bíblia que diz que, se você plantar sementes em terrenos ruins elas não dão certo. Porém a música é a semente, a água, o ambiente. A música pode resolver qualquer solo ruim. Música pode amolecer qualquer coração para que seja plantada uma semente. É poderosa, conversa com a gente imediatamente", explica.

"Eu quero ser responsável por uma cantora daqui há 10 anos ter um terreno bastante frutífero e adubado para ela, que vai vir, possa crescer ", acrescenta Luedji. A artista acredita que com a música pode aumentar as chances de suas sucessoras encontrarem mais espaço e facilidade para desenvolver a carreira. "O futuro há de ser mais igual, mais justo, mais abundante e próspero para as cantoras negras", prevê.

Para ambos os músicos, é uma tarefa fazer parte da geração que tenta mudar a forma como as dinâmicas de poder na música estão dispostas. "Tenho a responsabilidade de mudar paradigmas, eu não só quero fazer apenas parte do movimento das cantoras pretas e trans que surgiram na internet", opina Luedji Luna. "Adoraria fazer parte de uma mudança, uma revolução", adiciona. Entretanto, eles já conseguem ver que podem sim fazer a diferença. "Eu recebo mensagens de pessoas falando que eu as inspirei, ou despertei algo que elas não tinham e esse é meu objetivo como músico e professor", conclui D Smoke.

 

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