Música

Artistas boicotam plataformas de streaming contra disseminação de fake news

Nas últimas semanas, o cantor canadense Neil Young tem travado uma batalha contra o Spotify e a disseminação das fake news sobre a covid-19

Desde janeiro, o Spotify, uma das maiores plataformas de streaming do mundo, vem enfrentando uma das maiores polêmicas da história da empresa. A crise foi desencadeada pela atitude do cantor canadense Neil Young, conhecido por sucessos como Harvest moon e Heart of gold, ao solicitar à plataforma a remoção do podcast The Joe Rogan experience, um dos programas de maior audiência do Spotify. Segundo Young, o apresentador Joe Rogan é responsável por disseminar, na atração, informações falsas sobre a covid-19 e a vacinação, além de receber convidados negacionistas. Com o pedido, veio um ultimato do artista: ou o programa sai do ar ou sua discografia seria retirada da plataforma.

Apesar de Neil Young contar com mais de 2 milhões de seguidores e 6 milhões de ouvintes mensais, o Spotify decidiu manter o podcast, que divide um contrato de exclusividade com a plataforma de cerca de US$ 100 milhões há quase dois anos. Após a decisão, o streaming publicou uma carta aberta dizendo que, ao longo da pandemia,  havia excluído mais de 20 mil episódios de podcasts no intuito de evitar a desinformação sobre o vírus.

Ainda no comunicado, assinado pelo CEO Daniel Ek, a plataforma anunciou uma série de novas iniciativas em relação a conteúdos sobre a covid-19. O Spotify afirmou que pretende inserir, em breve, avisos nas mídias que envolvam informações sobre o vírus, levando os ouvintes a um rol de referências confiáveis sobre o assunto. O mecanismo deverá ser semelhante aos que já são atualmente adotados pelo Facebook, Instagram e YouTube.

No entanto, as novas medidas não foram suficientes para os artistas da plataforma. Liderados por Young, músicos como Joni Mitchell, David Crosby, Stephen Stills, Graham Nash, Nils Lofgren, India Arie e Failure também anunciaram que iriam cortar os laços com o Spotify. A autora de bestsellers Brené Brown, que divide um contrato de exclusividade com o streaming para a produção de dois programas, tem se recusado a continuar os trabalhos até que um novo comunicado seja feito pela plataforma. Além de Brené, Wendy Zukerman e Blythe Terrell, apresentadoras de um podcast científico, interromperam a produção de novos episódios, divulgando apenas aqueles que tenham como intuito combater as fake news relacionadas à covid-19.

Após o anúncio do cantor canadense, o Spotify chegou a perder US$ 2 bilhões de valor de mercado em apenas um dia na Nasdaq, bolsa de valores norte-americana de empresas de tecnologia. Na última semana de janeiro, a plataforma totalizou uma perda de US$ 4 bilhões. Já a empresa de pesquisas Forrester Research divulgou um estudo que mostra que cerca de 19% dos usuários do Spotify decidiram cancelar as assinaturas ou têm intenção de fazer isso em um futuro próximo, motivados pelas polêmicas recentes.

Ainda assim, o boicote dos músicos e dos assinantes não foi o suficiente para tirar o programa do ar. The Joe Rogan experience é um dos podcasts líderes de audiência do Spotify, mantendo uma média de 11 milhões de reproduções por episódio. "Só a saída do Neil Young e da Joni Mitchell, acompanhada de um movimento um pouco maior de cancelamento de usuários, já fez a empresa cair em ações. São artistas grandes, mas não são os que mais movimentam o Spotify hoje em dia. Imagina o impacto da saída de alguém feito a Taylor Swift", opina Dora Guerra, pesquisadora musical, em entrevista ao Correio. A estrela pop chegou a retirar sua discografia da plataforma por quase três anos, após uma divergência com o streaming em relação à estreia do álbum 1989, lançado em 2014.

Já em 2022, quem não realizará lançamentos no Spotify é Kanye 'Ye' West, um dos maiores rappers da atualidade. Hoje, o músico estreia o álbum Donda 2 fora das plataformas de streaming e exclusivamente no Stem Player, dispositivo musical criado pelo próprio artista e que custa cerca de US$ 200. "Atualmente, os artistas ganham apenas 12% do dinheiro que a indústria ganha. É hora de libertar a música desse sistema opressivo", publicou Ye via Instagram. Em 2016, o cantor já havia deixado o Spotify de fora do lançamento de The life of Pablo, disco lançado apenas na plataforma Tidal.

Até então, Neil Young também permanece firme na decisão, que, segundo publicação feita por ele nas redes sociais, foi tomada "em nome da verdade". "É um respiro ver que o Neil usou esse alcance, essa posição de artista, celebridade, ídolo de muitos, para contribuir ao esforço coletivo contra a desinformação que custa vidas todos os dias", pontua o músico Gabriel Pasqua. Apesar de ter perdido 60% da receita que fazia com as plataformas de streaming com a saída do Spotify, Young teve um aumento de 38% nos demais aplicativos e acima de 100% de vendas em alguns de seus álbuns, segundo a Bloomberg, empresa de tecnologia e dados.

*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco

 

DON EMMERT - (FILES) In this file photo taken on May 20, 2015 Daniel Ek, CEO of Spotify, speaks to reporters at a news conferenc in New York. Spotify will go public on April 3, 2018, as the world's largest streaming company lists on the New York Stock Exchange. / AFP / Don EMMERT
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