Música

Frevo do tradicional ao moderno garante alegria, mesmo sem aglomeração

Desfrutando dos seus 115 anos, o gênero pernambucano com sólidas raízes na capital federal se mistura aos novos ritmos e mantém sua atualidade como manifestação popular

Patrimônio Imaterial da Humanidade, o frevo tem lugar cativo na cultura de Brasília. A forte presença e influência nordestina na formação da população é um traço que torna a capital federal solo fértil para experimentações com o gênero. E é justamente o que o compositor mineiro radicado em Brasília Ale Corrêa faz ao dar uma nova potência e suingue às músicas Frevo de Chico e Frevo de Capiba, do EP Toquem o frevo mais alto, que ganharam ritmo dub, em um projeto intitulado Frevosdub. Os singles estão disponíveis em diferentes plataformas de streaming e, em breve, serão lançadas em um vinil compacto para os colecionadores deste tipo de mídia.

Lançadas, originalmente, em fevereiro de 2021, as composições homenageiam Chico Science, do movimento Manguebeat, e o artista Capiba, um dos mais conhecidos compositores de frevos do Brasil. O trabalho é uma parceria com o compositor Celso Araújo — que ficou conhecido como vocalista da banda de rock Akneton, contemporânea da banda Legião Urbana na década de 1980 — e tem a produção de Buguinha DUB, referência musical pernambucana que, ao longo de sua carreira, trabalhou em álbuns do Mundo Livre S/A, Nação Zumbi, Natiruts e Baiana System.

Buguinha imprime em suas produções técnicas de mixagem de dub — estilo desenvolvido na década de 1970, que possui fortes influências jamaicanas e explora trechos musicais com algumas distorções e batidas mais fortes. Para ele, manter a memória do frevo e permitir inovações é uma forma de resistência de uma cultura secular, que já foi marginalizada e hoje é símbolo da diversidade brasileira. "Nada melhor do que lançar essas músicas, que têm essa energia e promovem a conexão com o espírito do carnaval. O Frevo dub vem trazendo irreverência, o improviso dessa coisa que é típica do carnaval, a faixa adubada traz essa coisa alegre para os corações, essas faixas vêm com o amor ao frevo e ao carnaval", explica.

Ale Corrêa, que está nos vocais e guitarra, antecipa que as duas faixas são o início desse projeto de experimentações. "Em 2021, homenageamos importantes artistas pernambucanos e essa parceria com o Buguinha Dub garante esse trabalho forte, mas que não descaracteriza o gênero". Participam do projeto os instrumentistas Marcus Moraes (guitarra), Vavá Afiouni (baixo), Thiago Cunha (bateria) — da banda Passo Largo — e Fernando Jatobá na mixagem.

Vivo e dinâmico

Para uma das figuras mais conhecidas do frevo no DF, o maestro Fabiano, que rege a orquestra Marafreboi, de Sobradinho, o processo de evolução e as releituras são um processo natural, embora o formato tradicional de orquestra, com a energia que arrasta multidões, permaneça viva e como fonte de estilizações. "Além das experimentações por artistas e nas próprias bandas acontecem. Nas orquestras, é possível ver algumas mudanças nos arranjos e até a formação instrumental também sofreu algumas alterações", afirma.

Apesar das adaptações, no geral, predomina a formação das orquestras nos grupos tradicionais, com quatro saxofones, quatro trompetes, quatro trombones e as tubas, quando as apresentações acontecem no chão, como acontece no Suvaco da Asa e no Galinho de Brasília. "No palco, há uma mudança comportamental e estética, passando pela forma dos arranjos, à liberdade dos músicos no improviso", explica.

Embora o maestro não veja conflito entre o frevo tradicional e as modernizações, ele ressalta a importância do trabalho de resgate. "A tradição do frevo é muito forte aqui. O primeiro bloco que tivemos foi o Vassourinhas, de 1967, que parou em 1990. Depois de algumas conversas, a fundadora do bloco transmitiu a missão de retomada do bloco para o maestro e o Instituto janela das artes. Além disso, temos projetos para novos blocos com orquestras", enumera.

Os planos são para um momento em que as aglomerações possam ser retomadas, já que a essência do frevo é arrastar multidões. Fabiano adianta que Brasília está em articulação com o movimento de criação do Instituto de Frevo do Brasil e que a capital federal será sede de um dos clubes do gênero no país.

Break no passo

A pesquisadora Luciene dos Santos Velez, do Instituto Cultura Menino de Ceilândia, entidade que se dedica à promoção do frevo na região, destaca a relação da dança típica com outras linguagens, como o break. A especialista lembra que o passo do frevo nasceu justamente da capoeira e segue evoluindo e incorporando novos elementos. "Os capoeiristas acompanhavam as bandas marciais e desfiles de carnaval e foi a estilização do passo que originou o gingado do frevo". A origem ficou impressa nos nomes dos movimentos, muitos fazendo referência às ferramentas de trabalho, como o parafuso, tesoura, dobradiça, ferrolho, caindo nas molas, entre outros.

O instituto, inclusive, produziu um vídeo intitulado O frevo o break e a capoeira, em que bailarinos locais, como o passista Heitor Velez, do Balé do Menino de Ceilândia, o Mancha, do grupo Ginga Ativa, e Fabi Grel, do BSB Grel. "É um trabalho empírico, de acompanhar. Eles demonstram, durante ensaios e apresentações, as relações de evolução", conclui.

 

Para saber mais e ouvir

Conheça mais sobre o Toque o Frevo Mais Alto Dub no Instagram @toquemfrevodub e ouça em bfan.link/toquem-o-frevo-mais-alto-dub 

A Orquestra Marafreboi tem muitas histórias para contar: orquestramarafreboi.com.br e no YouTube há várias playlists.

Saiba Mais

 

 

Sergio Moraes URUTAO - Maestro Fabiano, da orquestra Marafreboi
Vanessa Campos - Ale Corrêa: releitura inovadora do frevo
Divulgação - Arte Toque um frevo mais alto
Sergio Moraes/Divulgação - Orquestra de frevo Marafreboi: ritmo pulsante no planalto