Crítica

Kendrick Lamar apresenta novo álbum, do fundo da alma para público

Kendrick Lamar vai na própria intimidade mas toca em questões coletivas em 'Mr. Morale & the big steppers', quinto trabalho de estúdio da carreira

Pedro Ibarra
postado em 13/05/2022 19:27
 (crédito: Reprodução do Instagram)
(crédito: Reprodução do Instagram)

Um dos mais cultuados rappers da atualidade lançou um dos mais aguardados álbuns dos últimos cinco anos. Kendrick Lamar apresentou ao mundo o álbum Mr. Morale & the big steppers, o primeiro disco desde o aclamado e vencedor do Pulitzer Damn., de 2017, e a quinta produção de estúdio da carreira. Um novo trabalho em que Kendrick encontra uma forma de falar sobre o mundo, enquanto destrincha detalhes sobre si mesmo.


Reconhecido no meio hip-hop pelo lirismo, o rapper de 34 anos é relevante não só pela música mas pela forma como a usa para contar histórias. Os discos do rapper tem um caráter cinematográfico. Pois, tal qual um filme, conduzem o ouvinte para uma viagem criada por Lamar para levantar pontos que ele quer que sejam ouvidos.

Com as histórias de Compton, bairro de Los Angeles em que foi criado, em To pimp a Butterfly (2015) e good kid, m.A.A.d city (2012), por exemplo, o músico fez reflexões sobre negritude, masculinidade, referências e violência policial. Tudo que sai da boca de Kendrick tem uma finalidade e um porquê de ser e ponto final geralmente é uma crítica bem fundada de grande importância social. O mais recente exemplo antes do álbum foi a faixa The heart part. 5, que utilizou de um clipe em que ele assumia o rosto pde pessoas negras famosas para mostrar que ele sente a dor de toda a própria comunidade.

Em Mr. Morale & the big steppers, mais uma vez o artista vai levando o ouvinte em um caminho lírico. A imersão dessa vez é na vida do Kendrick Lamar distante do microfone. Ele passa do bloqueio criativo que teve durante o hiato entre o último álbum e o atual lançamento, até um episódio triste de assédio sexual que sofreu na infância. Kenny, como é chamado, usa de histórias da própria vida para conversar sobre causa que vão muito além dele, mas que ele sabe que a voz relevante que ele conquistou pode chegar.

A ausência do próprio pai é uma reflexão sobre a forma como o povo negro se porta em Father time. A covid e o negacionismo quanto a vacina são alfinetados de forma afiada em Saviour. Os próprios deslizes com homofobia e masculinidade frágil são revistos em Auntie Diaries. Durante 18 faixas e quase 1h e 15 minutos de álbum é possível acompanhar uma série de reflexões que parecem sair do âmago de uma sessão de terapia para o mundo. Lamar consegue se colocar em um local frágil e inquebrável ao mesmo tempo, um deus mortal.

Musicalmente o disco é uma experimentação impressionante e imprevisível. Passa do jazz ao trap em um pulo de faixa e entrega lugares inovadores em ambas as áreas. Como artifício da história que Kendrick pretende contar, um piano permeia boa parte das faixas como um lembrete de que tudo faz parte de um todo musical e conceitual.

O fator experimental faz deste um dos mais rebuscados trabalhos do artista, algo sem a cara do mercado, mas ao mesmo tempo muito alinhado esteticamente. É como se Kendrick estivesse vislumbrando o que faz sucesso e abrindo novas portas alinhadas com isso, porém mais complexas. Existem discos que seguem tendências, Mr. Morale & the big steppers tem intenção de criá-las.

Tudo parece pensado em um conceito singular. Desde o piano, às menções claras a elementos presentes na capa do disco, chegando às participações especiais, que não só adicionam melodicamente, mas também a história que o disco quer contar. Baby Keem é o caso claro, já que é primo de Lamar, mas artistas como Kodak Black, Sampha, Beth Gibbons, da banda Portishead, e Tanna Leone foram escolhidos a dedo para unir música e conceito.

Mais uma vez Kendrick Lamar não deu um ponto sem o nó. Teve a audácia de fazer um disco longo, que toca em assuntos sensíveis e experimenta muito musicalmente. É inevitável sempre olhar para carreira impecável de pouco mais de 12 anos que ele vai criando e ver o quanto ele amadureceu como músico e principalmente como figura pública, exemplo para as próximas gerações, as mesmas que ele carrega no colo na capa do disco.

Kendrick como artista encontrou no rap uma forma de fazer algo novo e empolgante, que reinventa o gênero e principalmente passa uma mensagem relevante e duradoura para o ouvinte. Ele não inventou o hip-hop, mas desde de 2010 falar do estilo é falar de Kendrick Lamar e depois de Mr. Morale & the big steppers isso é, mais do que nunca, confirmado.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação