Entrevista

João Angelini celebra a Feira Brasília de Arte Contemporânea

Ele participará da 59ª Bienal de Veneza. "É ofício do artista também saber agenciar sua obra", afirma

Ricardo Daehn
postado em 29/06/2022 06:00
 (crédito: Fernando Bueno/ Divulgação)
(crédito: Fernando Bueno/ Divulgação)

A adesão das obras em NFT, num suporte em que a obra se apresenta também como o certificado, foi um dos fatores que levaram o artista João Angelini para a 59ª Bienal de Veneza, que transcorre até novembro. "Minha ida para a Bienal é resultado de compromisso absurdo na produção com pesquisa muito séria e sistematizada, que se associa a um trabalho de articulação. É ofício do artista também saber agenciar sua obra e botar ela para circular", destaca, em entrevista ao Correio.

Entre os atores do "sistema de arte" em que o artista é só uma das pontas, como explica, transitam agentes estruturantes do mercado. Com esta visão, a Feira Brasília de Arte Contemporânea (FBAC) agrega iniciativas fundamentais para estruturar o sistema que, "no Distrito Federal, tem se servido com coisas bem legais". Dinamizar é uma das metas do artista que, tendo transformado a série de fotografias Tudo que é Sólido em arte NFT, chegou a levar plantações do Planalto Central para visibilidade na Itália.

"A ação no ateliê e no estúdio para pesquisa de produção autoral poética é uma das dimensões de grande importância. Nisso, eu também tenho formado artistas, orientando alguns com mentoria. Com alguns, ajo na periferia do DF e, assim, a gente tem colhido bons resultados", destaca.

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Entrevista // João Angelini

Que importância tem a FBAC? Como ela altera o painel da cidade?

As feiras de arte têm pipocado não só no DF. Antes se tinha um monopólio da SP-Arte no calendário anual, a ArtRio. Acabou de rolar a Fargo (Goiás), em Goiânia. É um grande movimento de mercado, mas que promove outras coisas também. A feira disponibiliza oportunidade de se ver obras que a gente não veria se não fosse naqueles estandes. Ela acaba formando público e o artista. O mercado é uma das dimensões desse sistema de arte muito importante por permitir a remuneração e há interlocução também do que está sendo produzido pelos artistas (entre eles). Acho fundamental que o formato aconteça em Brasília. Faz lembrar as feiras da galera do impresso, dos quadrinhos, dos zines, entre elas a Dente. Acho também que a Valéria Pena-Costa tem uma iniciativa muito legal no ateliê dela, a Feira do fuga. Não tenha dúvida de que essa feira daqui de Brasília não seja coincidência: ela vem promovida pela galeria mais longeva da cidade — com muita coragem, dedicação e carinho —, há mais de 30 anos, há a iniciativa da Galeria Referência que, de fato, é a referência no mercado de Brasília e do Centro-Oeste.

O que nota de singular na arte contemporânea do DF?

Percebo a arte no DF é muito diversa. Somos como toda a arte de todas as regiões o são. Nós não temos ainda uma tradição, ou corrente que dê continuidade ou algo a se levantar contra, romper. Ainda construímos o que seria uma identidade, se um dia se vier a ter. Percebo uma produção bem diversa, enquanto gestos, linguagens, formatos e às questões em discussão. Temos amplitude boa: se você pega a Daiara Tucano, por exemplo, formada no DF, a produção dela é muito diferente da produção de uma Maria Eugênia, e que é muito diferente de uma produção da Íris Helena que é muito diferente da minha produção. Acho isso bem legal de se observar.

Por que essa diversidade?

O que faz o trabalho de Brasília ser bem legal é que vivemos sobre a precariedade de sistema artístico, tanto de mercado como de instituição: a gente não tem da abundância hegemônica de São Paulo e acho que os artistas ainda têm um acento um pouco mais comprometido com as questões do seu trabalho, independente se essas questões e o formato final vão facilitar algum venda, algum prêmio ou mesmo botar o trabalho para circular ou escoar para algum canto. São trabalhos com mais incisão autoral, no gesto e nas questões discutidas, têm mais singularidade.

Temos muitas ações diferentes entre si...

Acho que nem tudo se move por mercado. Brasília tem grupos se ajuntando, e é legal que não se tenha uma unidade. Acho bom sintoma que contemple iniciativas diferentes, de grupos diversos que dialogam e estabelecem redes. Como exemplo temos A Pilastra no Guará, ao mesmo tempo em que tem a Pé Vermelho (Planaltina). Periferias com trabalho inclusive de parceria, em iniciativas independentes. Cada uma delas reúne grupos de artistas e de agentes do sistema de arte. É legal porque estabelece outra lógica de formação que não passa pela formatação cientificista da Academia. Formação que se apoia em outros saberes, em outros formatos e que tem uma compreensão diferente, de fato, decolonial do que é o artista profissional.

Evoluiu a relação entre galerias, curadores e artistas, na cidade?

Vejo com muito bons olhos que Brasília esteja se profissionalizando, e ganhando força para ter autonomia em relação aos sistemas hegemônicos estabelecidos. É muito legal a gente ver artistas alcançarem inserção. Curadores estão conseguindo também furar algumas bolhas, e sair desse rincão regional que, de fato, é, quando você pensa o sistema de arte, e circular um pouco fora e receber gente também é muito importante para promover nossa própria formação.

 


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