Cinema

Estreia de Caio Blat na direção, 'O debate' fala sobre diálogo possível

Na estreia como diretor de cinema, Caio Blat instaura um clima de emoção, suspense e solidariedade, no longa O debate, que coloca a situação política do país no centro da polêmica

Ricardo Daehn
postado em 28/08/2022 06:00
 (crédito: Paris Filmes/Divulgação)
(crédito: Paris Filmes/Divulgação)

Numa piada, o ator e agora diretor estreante em cinema Caio Blat enfatiza o feito do recém-estreado filme O debate, com roteiro de Guel Arraes e Jorge Furtado. "Os candidatos ficaram tão impressionados com o nosso trailer; constrangidos com o nosso lançamento, que correram para confirmar a presença no debate de hoje. O filme realmente conseguiu, rapidamente, o objetivo de chamá-los para o debate", brinca. Feito em tempo recorde, O debate foi filmado em 20 dias. Os protagonistas, Paulo Betti e Debora Bloch, faziam novela, simultaneamente às filmagens, Paulo e Caio pegaram covid-19, e vieram muitas viradas de noite, na resolução da trilha e da montagem do longa. "Filmamos, montamos e lançamos o filme em 60 dias porque tínhamos essa urgência e necessidade de lançar o filme durante a campanha, nas eleições — queríamos participar do debate, e convocá-lo", explica o diretor.

Caio Blat acha que o sentimento é decisivo, na hora da definição do voto. Daí, no filme, entram memórias, crises de namorados e de ciúmes que envolvem um casal protagonista, formado por jornalistas de programas televisivos. "Projetamos o desafio de união. Tive o propósito de construir a história afetiva de um casal, em paralelo, com o debate político. A gente, como público, vai criando um afeto, e numa dada hora, começamos a torcer pelo casal. Quando a gente vê, estamos torcendo pelo país, para que tudo se reconcilie", avalia.

Entrevista/Caio Blat

Como vocês primaram por manter a ética, na realização do filme?

Acho que o grande tema do filme é a ética. Mais do que o debate: tem gente que vem esperando um debate político, achando que vai ter o debate entre os candidatos, na verdade é um debate ético o tempo inteiro. Sobre o que a gente na sociedade é capaz de ouvir, de aceitar o divergente. Esse é o grande tema no filme. A gente, enquanto sociedade, tem que sair desse lugar de ataque, de polarização, de agressão, de mentira e de calúnia, e passar a aceitar o divergente. Respeitar o divergente, ouvir o divergente, considerar o divergente, até para divergir com qualidade, divergir com propriedade.

Mas, há mais camadas...

Essa ética de aceitar o diferente é o tema central do filme. Principalmente quando ele trata também de uma trilha de amor de um casal que está se separando e pretende continuar próximo, continuar trabalhando junto e convivendo intimamente. Acho que ele fala muito sobre como discordar de quem a gente ama. Esse é o grande tema porque a gente vai continuar, assim como Marcos e Paula (os personagens),  convivendo com o nosso primo com quem a gente brigou por causa de política. Continuaremos convivendo com nossos vizinhos, e vai continuar sendo um país. Ainda teremos que tomar decisões importantes sobre temas importantes. A gente precisa retomar o diálogo, retomar o respeito e retomar o respeitar. O afeto nas discussões está na vontade de concordar. Precisamos que a ética seja o motor das discussões.

Qual a percepção dos personagens jornalistas, no filme?

Há o tema ética do jornalista. É muito bom que nossos protagonistas sejam dois jornalistas que têm que transmitir e narrar, recortar aquela realidade e decidir, já que o que eles dizem pode influenciar milhões de pessoas indecisas, como o nosso filme tem a pretensão de participar do debate do país e influenciar milhões de pessoas. Assim como nós, cineastas, os jornalistas também contam uma história: há personagens a serem escolhidos, há decisão de qual lado vão abordar. A questão absolutamente ética é qual é o papel da imprensa? O Marcos, como editor, reflete em nome de todos. E é isso que não tem acontecido: temos um presidente que prega, por exemplo, eliminar o outro lado, governar só para aqueles que concordam com ele, falar só com aqueles que concordam. O Paulo do filme, de alguma maneira, mostra que um jornalista e um editor têm a obrigação de falar com todos, de considerar todos os pontos de vista, de respeitar os leitores e assinantes que pensam diferente.

E como vê deslizes possíveis, na gangorra com desequilíbrios?

O jornalismo, às vezes, para ganhar audiência, é sensacionalista e acaba dando vitrine para políticos que gostam de aparecer, para denúncias e quanto que o jornalismo contribuiu nos últimos anos para esse clima de que todos as políticos são corruptos e que a resposta não virá por meio da política. Aí, aparecem, de repente, pessoas voltando a pedir ditadura. Aí, depois, inverte a situação: vem uma pandemia e um governo negacionista, e o jornalistas são os únicos de quem a gente depende agora para saber da verdade, saber quais são as estatísticas, saber quando vamos ter vacina. Os jornalistas assumiram o lugar do governo, do Ministério da Saúde, na hora de informar e de atualizar todos sobre os dados estatísticos da pandemia. Então, é sobre tudo isso o nosso filme.

"Quem rouba menos" é nivelar muito por baixo as escolhas de voto? Precisamente, nesse momento, em que fato parece fake, e vice-versa, o que mais te surpreende na atualidade? Existe uma dose de letargia nos eleitores?

A nossa democracia é muito recente: ela é mais jovem do que eu, que nasci ainda nos anos do começo da abertura política. Como todo jovem, nossa democracia é um pouco imatura. Temos ainda um certo paternalismo, por exemplo, a gente acha que, numa herança do colonialismo, do coronelismo, que uma força política virá para resolver o destino do país. Então, chega um Salvador da Pátria, a mãe PAC ou um messias, um mito. Não existe mito. O país é uma construção diária, de cada um de nós. Temos que participar, no micro, em cada decisão, na nossa rua, na nossas escolhas, no nosso voto. Não virá um governo que resolverá tudo, trazendo a grande resposta. Somos ainda muito assim de ter uma visão paternalista da política, pouco engajados. A gente não participa realmente de questões importantes, e delega um pouco isso, a cada quatro anos. Achamos que virá um grande Messias que vai resolver tudo, e é claro que não vai se resolver tudo, assim.

No filme, vocês comparam uma construção de vilões por vezes admirados pelo público. Na arte, o público tende a gostar do vilão. Há como neutralizar esse gosto, na política?

(Risos) Exatamente, essa é uma pergunta que a gente tenta levantar com o filme: como é que vamos retomar o diálogo? O filme, infelizmente, mais do que falar de questões de política que deviam estar num debate presidencial, propriamente dito, como a fome, que voltou, de forma avassaladora, a inflação, o desemprego gigantesco, o feminicídio, do qual nosso país é recordista, estamos tendo que defender as urnas, defender a ciência, defender o jornalismo, defender a liberdade de expressão. Então, tivemos que voltar muitas casas, num certo sentido, no debate político para para primeiro defender a regra do jogo, para, depois, tentar falar do que realmente importa. Realmente, a situação é de muita exceção. Fomos muito além do racional: temos o único presidente do mundo que não tomou vacina. Tem gente que está em manifestação, pedindo a volta da ditadura — como uma pessoa vai pedir e se manifestar por ditadura, se, na ditadura, não pode manifestar?! É uma coisa uma coisa que não fecha com a outra. Não faz o menor sentido!

Você fez curso de retórica ou de direção? Vemos influências do Cláudio Assis, Babenco e do Domingos Oliveira... Quem te municiou? E qual a estratégia para o timing perfeito da chegada do filme aos cinemas?

Domingos Oliveira está ali, totalmente em primeiro plano, no filme, no que fizemos quase uma homenagem ao longa dele Separações. Há uma discussão de relação do casal e há a proposta de um amor que não termina na separação. Em parte, é totalmente inspirada no Domingos. O filme foi realmente um feito excepcional, porque todos os profissionais que se envolveram, aderiram a um manifesto coletivo. Eu estava cercado de vários diretores hiper experientes, para poder estrear. Havia o Guel Arraes e o Jorge Furtado, o tempo inteiro, reescrevendo os diálogos, junto comigo. A Flávia Lacerda (produtora artística) o tempo inteiro me orientou. O Paulo Betti e a Debora Bloch, que são dois atores-diretores, vieram com sugestões, cheios de opinião.

Quais elementos faltam a debates? 

Há falta de conversa sobre a urgência da fome, sobre algum rumo para a economia, porque acho que o governo optou por medidas extremamente populistas como congelar e baixar o preço da gasolina, jogou precatórios para pagar no ano que vem. No fim do ano, virá uma contra enorme. Não estão respeitando teto de gastos nenhum, e que era uma bandeira deles mesmos. Não tem ética nenhuma com orçamento. Tem um orçamento secreto que legalizou a corrupção. Então é um governo corrupto tanto quanto qualquer outro — e legalizou a corrupção. É um governo obscurantista, que coloca sigilo sobre reuniões no Palácio, reuniões com pastores que decidiram verbas de educação. É um governo contra a democracia e que questiona resultados de eleições. Este é o momento de fazermos um filme contra tudo isso.

Como localiza o filme na nossa cinematografia? 

O filme O debate vem logo depois de Medida provisória, do Lázaro Ramos, e que é um filme extremamente político e atual, e vem depois de Marighella, do Wagner Moura. É a minha geração de atores assumindo a direção e a rédea para dar uma resposta, com arte, com cinema, com o que sabemos fazer, para o que estão fazendo com o país. Me enche de esperança, me enche de orgulho e fico feliz de estrear junto com esses caras, com esse filme tão importante e tão urgente. Nos filmes que fiz (Alemão, Carandiru, Batismo de sangue), havia reflexo de um país e de coisas que aconteceram recentemente. Pela primeira vez, com O debate fizemos um filme sobre o que vai acontecer dentro de um mês. É um fato muito notável do cinema. Todos se superaram. Todos se posicionando artisticamente a favor de um debate racional e a favor da democracia.

 


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