Cinema

Bethânia abre o coração no documentário 'Maria — Ninguém sabe quem sou eu'

Cantora fala de artistas que admira e da família no filme de Carlos Jardim, que tem sessão de pré-estreia hoje (30/8) e chega ao circuito na quinta (1/9)

Mariana Peixoto/Estado de Minas
postado em 30/08/2022 13:57 / atualizado em 30/08/2022 14:28
 (crédito: Arteplex/divulgação )
(crédito: Arteplex/divulgação )

Aproximar-se de um ídolo nem sempre é fácil. Além da questão do acesso, o fã também pode quebrar a cara – descobrir que, de perto, aquele que idealizou não é bem quem pensava. “Nunca tive receio, pois escolhi meu ídolo muito bem. Ela é de uma integridade absoluta, inteligência rara, embora tenha fama de difícil, mas só porque faz o que quer e gosta. Isso é o que faz dela uma pessoa legítima”, afirma o jornalista Carlos Jardim.

Ela é Maria Bethânia. Ele, um fã como milhares de outros que a maior cantora brasileira em atividade vem semeando em 76 anos de vida e 57 de carreira. Antes de ser jornalista, Jardim é fanático por Maria Bethânia. São 42 anos desde o primeiro show a que o então garoto de 17 assistiu no finado Canecão, no Rio de Janeiro (era o início de 1980 e ela estreava a turnê do álbum Mel).


Dupla missão


Jardim uniu o jornalista e o fã em dois projetos lançados simultaneamente. O primeiro é o documentário Maria — Ninguém sabe quem sou eu, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (1º/9). O longa-metragem, que marca a estreia dele na direção, terá uma série de pré-estreias pelo país. Nesta terça (30/8), será exibido às 20h30 no UNA Cine Belas Artes, na capital mineira. O cinema de rua, vale lembrar, completa hoje seus 30 anos. Até amanhã, haverá 17 sessões em todo o país – dois mil ingressos já foram vendidos.


O outro projeto, mais pessoal, é Ninguém sabe quem sou eu (a Bethânia agora sabe!), lançado pela Editora Máquina de Livros. Em primeira pessoa — e com relatos com sabor de crônica bem-humorada —, o autor conta as loucuras que já fez para se aproximar (e se fazer notar) pela cantora.

Jardim não tem a menor ideia de a quantos shows já assistiu em quatro décadas de dedicação — mas se lembra das inúmeras vezes em que foi para a fila do teatro às cinco da manhã para ser o primeiro a comprar ingressos. Detalhe: a bilheteria só abria às 14h.

A partir do mesmo título — tirado da letra de Imitação, de Batatinha, sambista baiano muito gravado pela cantora —, que muda de sentido em cada um dos projetos, o autor tenta, ao mesmo tempo, decifrar Bethânia e se aproximar dela.

No filme, Jardim é uma presença ausente, pois o documentário traz a cantora falando de si e de sua trajetória por meio de uma entrevista que concedeu a ele. Já no livro, ele é o protagonista.


Jardim encarou desafios


O projeto do longa veio primeiro. Chefe de redação da Globonews, Jardim havia assinado alguns projetos no canal pago sobre Bethânia, o mais importante deles o especial sobre os 70 anos da intérprete. Já com alguma proximidade com ela — e o aval da Globo Filmes para ir em frente —, conseguiu o OK da artista para o documentário.

“Era um desafio muito grande, pois há filmes muito bons sobre Bethânia (como Fevereiros, de Márcio Debellian, de 2017, e Maria Bethânia — Música é perfume, de Georges Gachot, de 2005). Queria fazer diferente, um filme sem pessoas falando sobre ela, em que só ela falasse. Seria Bethânia por Bethânia”, comenta Jardim.

Até chegar à entrevista, houve grande pesquisa de imagens. Toda a fala da cantora na atualidade é colorida por sequências de arquivo — a maior delas no palco, dos acervos da Globo e da TV Bahia, afiliada da emissora carioca. “Como conheço bem o acervo, orientei os pesquisadores a procurar por determinadas músicas e shows. Priorizei imagens de ensaios, pois são menos conhecidas.”

Jardim queria que o filme mostrasse a dimensão que Bethânia tem para os outros, e não somente para ele próprio. Selecionou cinco textos — de Caio Fernando Abreu, Ferreira Gullar, Nelson Motta, Reinaldo Jardim e Fauzi Arap —, que foram lidos por Fernanda Montenegro.

A entrevista foi gravada em 24 de novembro de 2021, no teatro do Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. A equipe de Bethânia havia sugerido um lugar com o mar ao fundo. Com o tempo instável na época, Jardim escolheu o teatro do histórico hotel, que há pouco havia sido reinaugurado.

No palco, de sapatos


Durante duas horas, em cima do palco, ela fala sobre música, sobre as pessoas importantes — os pais, dona Canô e seu Zeca Veloso, o irmão Caetano, Chico Buarque, Nara Leão, Fauzi Arap —, além de Fernando Pessoa, Santo Amaro da Purificação e da Bahia.

“Ela não chegou ali nada preparada. Elaborou as respostas, estava ali por inteiro”, relembra Jardim. Isso fica claro na maneira como a entrevista é conduzida. Há tempo para Bethânia elaborar o pensamento, que surge de forma sempre coerente e também espontânea. Ela se diz incomodada por estar em cima de um palco de sapatos — apresentar-se descalça, marca registrada da cantora, é sinal de respeito por estar naquele lugar.

Bethânia comenta que subir em um palco já a faz se sentir diferente. Fala com a voz embargada da saudade que sente da mãe — coisas simples, como conversar com dona Canô sobre o que iria comer, lhe fazem falta. Também não vê sentido em se submeter a plásticas ou pintar o cabelo — gosta que o tempo se reflita sobre quem ela é.

Comenta a importância que o diretor Fauzi Arap teve para sua carreira. Foi ele quem a levou a se apresentar em teatros, e não mais em casas de show. E lamenta não tê-lo escolhido para dirigir o espetáculo baseado em A hora da estrela (1984), inspirado no livro de Clarice Lispector, que hoje considera um trabalho problemático.

O filme traz à tona imagens raras, como os ensaios do show que ela e Chico Buarque fizeram em 1975. Ainda destaca o encontro com Caetano (“mestre do meu barco desde que nasci”) em show em 1978. Há também imagens atuais, de bastidores, realizadas pelo próprio Jardim na apresentação de dezembro do ano passado, no Teatro Castro Alves, em Salvador.

Como são projetos complementares, Jardim acabou revelando no livro o que passou para fazer o documentário. Mesmo já conhecendo Bethânia — o convite para o filme foi cravado durante encontro na casa dela, em Salvador, em que os dois conversaram por quatro horas tomando cerveja —, Jardim ficou extremamente nervoso no dia da entrevista.

“Estava tudo ligado, estávamos prontos para começar. Eu, nervoso, e ela muito carinhosa e educada, como sempre. Passou a gravação olhando para mim, e aquele olhar da Bethânia é muito expressivo, firme e forte. Levei uns bons minutos para me acalmar. Quando terminou, ela se virou para mim e perguntou: ‘Ficou bom, do jeito que você queria?’. Isso foi de uma grandeza... Então, não tem como não amar Bethânia”, finaliza Jardim.

Maria — Ninguém sabe quem sou eu
(Brasil, 2022, 100min, de Carlos Jardim) – Nesta terça-feira (30/8), pré-estreia às 20h30 no UNA Cine Belas Artes. Ingressos: R$ 10. Na quinta-feira (1º/9), o filme estreia no circuito.

Ninguém sabe quem sou eu (A Bethânia agora sabe!)
De Carlos Jardim. Máquina de Livros, 128 páginas. R$ 49 (livro) e R$ 35 (e-book)

 

 

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