A Constituição Federal garante o direito à inviolabilidade do domicílio como regra no ordenamento jurídico. Em regra, entrar na residência de alguém depende de autorização do morador, sob pena de responsabilização criminal por parte do invasor. Ainda assim, em situações excepcionais pode ocorrer a violação do domicílio em conformidade com a própria Constituição.
Com essa premissa, o debate político-social brasileiro no longa-metragem Mandado é um verdadeiro "dedo na ferida". Ocupação militar, política criminal e um panorama socioeconômico do Complexo da Maré formaram os pilares primordiais para colocar em voga a realidade durante o período da Copa do Mundo, em 2014, e os Jogos Olímpicos, em 2016. Nesta quinta-feira (17/11), às 20h30, o filme será exibido no 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, no Cine Brasília.
Antes desses eventos mundiais ocorrerem no país, o ponto de partida foi a notícia divulgada sobre a autorização judicial para que a polícia ingressasse em todas as casas. "Nossa intenção a princípio era ouvir juristas e pessoas que moram na favela, na área afetada pelos mandados, para explicar como deve funcionar um processo extraordinário de que o Estado entre na casa das pessoas. Como aquilo não se encaixa, de maneira geral, sobre como o Estado lida com as populações de favela", afirma João Paulo Reys, diretor e roteirista do longa.
Junto com Brenda Melo Moraes, que também assina a direção e produção executiva, Reys passou pelo Departamento de Audiovisual da UnB e pela EICTV, em Cuba, e trabalha como diretor, roteirista e montador na Luba Filmes, produtora que leva o crédito da obra. "Estar no festival é uma alegria enorme. Sou de Brasília, fiz cinema na UnB, estive no Festival na Mostra Brasília com um curta que fizemos na universidade. Aprendi a gostar de cinema no Cine Brasília. É uma alegria enorme estar no festival para isso e espero que a experiência seja fértil, que este filme esteja lá. Agora a expectativa da mostra é que o filme seja visto, seja comentado, ajude o público a refletir a partir do momento que vivemos e para além da mostra. A ideia é que o filme circule no universo cinematográfico, mas também do direito, da favela, da política e em demais festivais", reitera.
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O processo
Alguns meses antes da Copa do Mundo de 2014, um mandado de busca autoriza a polícia a entrar em todas as casas de duas favelas do Rio de Janeiro. O documentário mostra a radicalização do sistema penal brasileiro e os efeitos da crise democrática que o Brasil tem vivido nos últimos anos.
"Então, quando a gente sabia da existência desse documento, que é o mandado de busca e apreensão coletiva, não individual, no contexto de ocupação militar, de todas as invasões diárias e instantes de guerra, a Copa do Mundo estava chegando. Nós resolvemos solicitar o acesso a esse documento de forma jurídica na lei de acesso à informação e não conseguimos. Então, não era só a violação de direito que estava ocorrendo, mas não ter acesso a esse instrumento que autoriza ela", declara Brenda Melo.
Formada em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal Fluminense, Brenda Melo atua na área há 10 anos como produtora, diretora, fotógrafa e pesquisadora. Ao fazer bom uso da sua bagagem, Melo enfrentou junto à equipe as dificuldades de realizar as entrevistas. Marielle Franco, Nilo Batista, juristas, jornalistas e moradores do Complexo da Maré foram incluídos no longa para delinear a narrativa.
"Mesmo sabendo das dificuldades que seria colher depoimentos em um lugar onde o silêncio é cobrado à arma e as pessoas não se abrem com qualquer um, acreditamos no projeto e nunca pensamos em desistir. Para as pessoas reconhecerem e, a partir daí, terem confiança, estar no dia a dia era fundamental. E a expectativa no festival não poderia ser outra. Ir bem em um Festival onde o questionamento é colocado e a visibilidade é um retorno, já nos deixam muito orgulhosos."
Com 27 anos de existência da produtora, a importância de ter voz dentro de espaços como o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro vem de tempos sombrios como a ditadura militar. "Desde 1983, quando o filme O Mágico e o Delegado, de Fernando Coni Campos, foi escolhido o melhor filme do Festival de Brasília, em uma época em que o país viveu os últimos respingos da ditadura, me chama a atenção. Em 2014, mais uma vez, tive a alegria de reafirmar minha admiração pelo festival quando Branco Sai, Preto Fica, de Adirley Queirós, diretor que está participando comigo nessa mostra, coloca questionamentos não abordados como mais vezes deveriam ser. Isso me deixa muito honrada."
*Estagiária sob a supervisão
de Severino Francisco
55º FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
No Cine Brasília (EQS 106/107), e nos centros culturais de Samambaia e de Planaltina, a mostra competitiva com o longa Mandado (RJ), de João Paulo Reys e Brenda Melo, e os curtas Escasso (RJ), de Encruza - Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles, e San Marino SP, de Leide Jacob. Ingressos a partir de R$ 10, meia entrada. Também no Cine Brasília a partir das 18h a Mostra Brasília, com
entrada franca.
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