Literatura

Maria Lúcia Verdi lança o livro de poesias Radiância nesta quarta

A poeta brasiliense Maria Lúcia Verdi autografa, nesta quarta-feira (15/3), no Beirute da Asa Sul, Radiância, livro em que lança um olhar de espanto sobre o amor, o espaço, o tempo e a finitude

Severino Francisco
postado em 15/03/2023 00:01 / atualizado em 15/03/2023 16:33
 (crédito: Leticia Verdi/Divulgação)
(crédito: Leticia Verdi/Divulgação)

Há cinco anos, a poeta brasiliense Maria Lúcia Verdi escrevia poemas esparsos, aparentemente desconexos. Mas, durante o isolamento da pandemia, ela percebeu as conexões secretos entre os fragmentos e eles ganharam a unidade de livro em Radiância (Ed. Bestiário), que Verdi lança, nesta quarta-feira (15/3), a partir das 18h, no Beirute 109 Sul. Em linguagem livre, entre o verso, a crônica e o conto, mas com a mira na poesia, Verdi faz uma colagem desconcertante, em montagem de choque, entre a história da faxineira com o filho diabético, o reencontro da floresta de Angkor Wat (Camboja) no Taquari, a perplexidade com a velocidade da tecnologia ou o espanto ante a experiência da morte banalizada durante a pandemia.

É uma espécie de diário da alma, em que a vivência prosaica e os objetos cotidianos são transfigurados pelo olhar da poesia.  Nascida em Porto Alegre, Maria Lúcia aterrissou em Brasília aos 16 anos. Mas é uma gaúcha brasiliense e cidadã do mundo. Em razão do trabalho de oficial de chancelaria do Itamaraty, viveu em Roma, em Pequim e em Buenos Aires. Sempre atenta, sempre fazendo conexões e promovendo encontros.

Essa errância multinacional marcou a poesia de Maria Lúcia Verdi, mesmo quando ela fala de acontecimentos cotidianos e situados em Brasília, cidade que escolheu para morar, depois que se aposentou do Itamaraty. E, nesta entrevista, ela fala sobre a gênese da poesia, a poesia como uma maneira de existir, o impacto dos tempos de pandemia e dos desafios de Brasília.


Entrevista /Maria Lúcia Verdi

Como é que você se tornou poeta e o que marcou a sua formação de poeta?

Acho que nem me "tornei" poeta, no sentido mais preciso do termo "tornar-se". O meu modo de olhar, escutar, interagir com o mundo sempre foi a partir da sensibilidade, da atenção às minha falas interiores e às falas dos outros, a partir da qualidade sublime do belo e isso tem a ver com o ser poeta. O que mais me marcou foram as vivências intensas, desafiadoras, as perdas e os ganhos que a vida me trouxe. Elas, sempre acompanhadas de leituras de poesia, romances, algo de filosofia e muito cinema…

Como foi o processo de criação desse livro e que peso o isolamento e a angústia da pandemia teve em sua construção?

Radiância começou a ser escrito quando eu principiei a intuir que iria deixar a casa que havia comprado em Brasília, há cinco anos. A melancolia de perceber meus limites, perceber que não seria capaz de continuar por lá, vivendo isolada, fez com que começasse a olhar para toda a propriedade, para os objetos, como cenas objetivadas da minha vida. Durante a pandemia, como todos, mexi muito com fotografias, li e reli muito e comecei a escrever outros textos. Até que um dia entendi que eles se relacionavam, tendo os temas centrais (da vida) que os uniam: o espaço-tempo, o amor, a finitude.

Por que a sua poesia saiu fora do verso e se abriu para a liberdade híbrida de um quase verso, quase crônica ou quase conto? Isso tem a ver com a observação que você faz na apresentação do livro sobre a pergunta que não cessa: o que é a poesia?

Sou muito ligada à prosa, tenho um livro de contos que vem sendo escrito há 15 anos, escrevo crônicas… E nunca tive a capacidade de fazer a poesia tradicional, métrica, sigo apenas um ritmo. Gosto dessa coisa híbrida, a mistura das falas, dos relatos, com a pontuação poética. Corresponde a mim essa mistura, se assim posso dizer.

Em sua poesia você fala de amor, de Deus, de morte e de iluminações cotidianas. Para você, a poesia é uma maneira existir?

Sem dúvida, a poesia para mim é uma maneira de existir, o que causa estranhamento, o que não é nada fácil. Existir poeticamente é praticamente incompatível com o mundo de hoje. Como Höelderlin, que cito em meu livro, creio que "poeticamente o homem habita o mundo", embora ele/ela, na maior parte das vezes, não se dê conta disso, das possibilidades disso. Uma pena.

Por que os espaços e os tempos se entrelaçam em sua poesia? Por que encontra a floresta e as ruínas de Angkor Wat, do Camboja, no Taquari? É algo que reflete a sua experiência de errância pelo mundo?

Primeiramente porque espaço e tempo estão sempre entrelaçados, não? Minhas longas estadas em distintos países e algumas viagens me provaram ocorrer esse reencontro do já visto, já vivido, no presente. Os espaços podem dialogar entre si, as imagens se reproduzem como em intermináveis espelhos.

Em livro anterior, você falou em "diário da alma". Radiância seria a sequência de um diário da alma, de dentro para fora e de fora para dentro?

Sim, o livro tem muito de diário, um diário sem tempo preciso. Alma é algo tão bonito como ideia que até temo em falar disso, embora tente falar.

Qual o lugar você vislumbra em um mundo dominado pela velocidade, o narcisismo e o culto à tecnologia?

Sinceramente, não sei. Fico às vezes muito sem esperança em relação ao futuro, considerando as guerras intermináveis e o descuido com o meio ambiente. Acho o narcisismo contemporâneo quase hilário de tão patético. A tecnologia, que é genial, é um grande desafio para a humanidade, é preciso usá-la a favor da vida, das culturas, da proteção deste planeta maravilhoso e único.

Você morou em Brasília, habitou cidades muito diferentes de vários pontos do mundo e voltou. Qual a sua visão de Brasília hoje? O que mudou e quais são os desafios que você imagina que a cidade tem de enfrentar?

Gosto muito de viver em Brasília. Preciso de ar, de céu, de jardins, espaços abertos e silencio. Não conheço outra capital assim. A cidade, hoje, está mais vulgar, mais cafona, é certo, mas ainda resiste. O maior desafio, me parece, seria resolver a questão de transporte urbano, convencer as pessoas a usarem um bom transporte público e bicicletas, bem como caminhar mais. Não entendo porque não se constrói trem ao aberto no Eixão, em vez de metrô para o lado norte — tão mais barato seria. Mais ciclovias, mais e melhores ônibus unindo nossa bela ilha às desatendidas cidades satélites, maior comunicação com segurança e rapidez. Isso mudaria tudo, estimularia maior interação entre as pessoas de distintos níveis sociais, daria uma outra dinâmica do DF.

Como você percebe a produção de poesia das mulheres neste momento? Em que medida elas estão lançando um novo olhar sobre o cotidiano, as questões sociais ou sobre o amor?

Pergunta difícil. Do que conheço, e conheço pouco da nova poesia, me parece que ela está unida pela vontade de afirmação dessa subjetividade feminina desvelada a partir das últimas décadas. Um novo olhar que, na verdade, já não é mais novo, comprometido há algumas décadas com as questões sociais, com o direto de ser-se o que se é. 

 

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