Artes visuais

Siron Franco instala escultura sobre a água na Praça Zumbi dos Palmares

Escultura de Siron Franco celebra o Dia Mundial da Água com uma reflexão sobre a escassez do líquido mais vital para a vida na Terra

Nahima Maciel
postado em 22/03/2023 06:00 / atualizado em 22/03/2023 10:29
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Quando era garoto, o artista goiano Siron Franco ficou impressionado com uma frase dita pelo pai. Corriam os anos 1960 e Siron ficava intrigado com as notícias de milhares de pessoas em busca de ouro no Norte do país, mas a sabedoria paterna chamou a atenção do menino para um outro aspecto do comércio na região: "Filho, nunca se esqueça disso, o negócio não é ouro, é a água". Hoje, Siron entende perfeitamente o que o pai quis dizer e parte desse entendimento está na escultura Santo Graal, que ele instala hoje na Praça Zumbi dos Palmares, entre o Sesi LAB e o Conic, para celebrar o Dia Mundial da Água, comemorado neste 22 de março.

A peça consiste em uma jaula gigantesca, de quase uma tonelada, dentro da qual repousa uma enorme garrafa com água mineral. No entanto, a jaula tem tantas colunas que sequer é possível tocar no recipiente. "A frase do meu pai ficou na minha cabeça e eu achava estranho porque, na época, as águas não eram tão poluídas quanto hoje", conta o artista. "Quando fui pesquisar como era a situação da água no mundo, fiquei chocado: 2 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável. Então, fiz a escultura falando da inacessibilidade da água potável."

Santo Graal faz referência à lenda medieval da busca pelo cálice sagrado, supostamente usado por Jesus Cristo na última ceia. O objeto nunca teria sido encontrado, embora fosse alvo de buscas incessantes durante séculos. "Por isso, você não consegue pegar, não alcança a garrafa", explica Siron. Foi preciso um caminhão e um guincho para trazer a escultura do ateliê do artista, em Aparecida de Goiânia, para Brasília. Siron tomou o cuidado de programar a chegada à capital por volta de 5h para não atrapalhar o trânsito.

  • Siron Franco: preocupação com o futuro das novas gerações Fotos: Arquivo Pessoal
  • Siron Franco produziu a escultura Santo Graal para celebrar o Dia Mundial da Água Arquivo Pessoal
  • A peça vai ficar entre o Sesi Lab e o Conic Arquivo Pessoal

O engajamento do artista sempre esteve presente em suas obras. Quando a contaminação radioativa com Césio 137 matou quatro pessoas e vitimou dezenas de outras, após um aparelho radiológico ser abandonado em Goiânia, Siron fez uma série de pinturas e esculturas dedicadas ao tema. O artista é o autor da escultura em homenagem ao índio Galdino, queimado vivo por jovens de Brasília na W3 Sul em 1997. A covid-19 também sensibilizou Siron, que criou a escultura Renascimento, instalada na Casa das Rosas, em São Paulo, em homenagem às vítimas da doença.

O meio ambiente é alvo da preocupação de Siron há muitos anos. Em 2018, para comemorar o Dia Mundial da Água e como parte da programação do 8º Fórum Mundial da Água, ele criou uma série de projeções de uma cachoeira para a cúpula do Museu Nacional da República. "Sem água não há vida, não há nada mais importante que a água", diz o artista, que não se conforma com a disposição humana para louvar deuses nos céus e não reverenciar nem cuidar do planeta no qual vive. "Eu sempre fiquei perplexo como nós sujamos muito o mundo, acho que com essa história das religiões que pediam pra gente só olhar para cima, esquecemos que a terra na verdade é nossa grande mãe. Não há nada que a gente use que não venha da terra. Estamos transformando a terra num grande lixão, o que é um absurdo porque não vem nada do céu a não ser a chuva, que é o próprio Santo Graal", lamenta.

Siron conta que sempre sentiu enorme perplexidade com a capacidade humana de sujar o ambiente no qual vive, mas tem esperanças. "Tem várias ações de formiguinhas sendo feitas por aí e é importante que haja para que as próximas gerações possam sobreviver. Estamos deixando um filme de terror para eles. Eles vão ter uma visão da gente como pessoas porcas, violentas e sujas", acredita. "Eu tenho esperança porque sem esperança, acaba tudo. Pena que a maioria dos políticos não perceba esse caos. Eles ficam tão pequenos, brigando por cotas, por empregos. Não entendo isso. Eles têm filhos, netos, eles não percebem isso? Tenho amigos fazendeiros que não acreditam em nada disso", conta.

Para Siron, a arte tem um papel no percurso da luta contra a devastação ambiental e contra a degradação das sociedades humanas. É uma linguagem, segundo ele, capaz de permear todas as camadas e tudo que se faz. Em agosto, ele vai inaugurar uma grande instalação na Universidade de São Paulo (USP) chamada O carvão e o ouro. A obra está pronta e foi confeccionada com 700 m² de carvão, além de 300 m² de carvão com folha de ouro. Um espelho utilizado para reproduzir o que seria uma poça d'água faz parte da instalação, cuja referência é o garimpo e sua inesgotável capacidade destrutiva. "O garimpo detona a terra e vai detonando as árvores. Curiosamente é também esteticamente lindo o ouro e o carvão, mas é uma beleza destruidora"', explica Siron.

Santo Graal

Escultura de Siron Franco. Inauguração hoje, às 9h, na Praça Zumbi dos Palmares (Setor de Diversões Sul, entre o SESI LAB e o CONIC). Visitação até 21 de abril

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