Alguns nomes mudaram a história da área onde atuavam, e foi literalmente atuando que Robson Graia mudou a cena teatral do Distrito Federal. O artista largou o atletismo para se dedicar à atuação e criou o próprio grupo, no qual fez sucesso com jogos de cena e palco-novelas no Teatro Galpão no Espaço Cultural Renato Russo. Agora, 23 anos após sua morte, ganha as homenagens necessárias pela importância que teve no cenário local. Robson Graia é tema de uma exposição no espaço cultural que fez história e ganha o livro Conte-me tudo, não me esconda nada! Ou RG — A identidade de Robson Graia: seus atores e atrizes.
Autor do livro, Marcelo Pelucio foi pupilo de Graia e transmite, em 294 páginas, a relevância do ator, diretor, dramaturgo, produtor e apresentador pessoalmente e para o teatro de Brasília. "Graia definiu, em grande parte, o formato da comédia brasiliense", afirma o autor, que também é ator. "Se, por um lado, no início dos anos 1980, temos nomes como Alexandre Ribondi e Marcos Bagno no teatro, Paletó e Gravata na música, Graia foi o megafone, o porta-voz e transmutador do besteirol escrachado para uma comédia com a identidade do quadradinho para uma grande plateia", acrescenta Marcelo, que não deixa de apontar o tamanho que teve o colega. "Lotava o teatro Galpão, hoje conhecido como Espaço Cultural Renato Russo. Ele deu voz, deu espaço em suas criações ao que estava acontecendo na cidade e disseminava isso aos quatro ventos", conclui.
Robson Graia morreu em 2000, mas o legado que deixou perdura até hoje. Seja pela forma como profissionalizou o próprio teatro, seja pela crítica por meio da do cômico, ou até pela causa racial, da qual tratou nos últimos dos curtos 35 anos de vida. Ao Correio, Marcelo Pelucio fala sobre o livro, a exposição e dá a própria visão sobre o amigo que está sendo homenageado.
Entrevista // Marcelo Pelucio
Qual era sua relação com o Robson Graia?
Robson foi um amigo, um mestre, um colega de trabalho, um guia. Conheci Graia na Escola de Música, em 1990. Em 1992, entrei no grupo, pela seleção que ele costumava fazer, como relato no livro. Meu engajamento no grupo foi tamanho que minha proximidade com ele chegou ao nível familiar. Vivia na casa dele, conheci Daniela e Delaine, as irmãs, dona Lúcia, a mãe, e seu padrasto. Minha relação com ele era de admiração e de sede de aprender tudo o que ele sabia e como ele fazia.
Como foi o processo de escrever o livro?
Ah, isso foi a dor e a delícia. Por um lado, acho que comecei até meio de forma egóica. Queria dizer para todos que conhecia, que trabalhei e que, por isso, minha formação era maravilhosa (risos). Então, em 2011/2012, quando estava pra retornar a Brasília, comecei a escrever sobre meu processo de seleção para o grupo do Graia em 1992. Como aconteceu, quem estava lá, onde foi, quanto durou etc... esses detalhes que nos fazem reviver o momento. Mas aí enquanto escrevia e as pessoas surgiam: o Graia, os membros da Palco Cia. que eram os selecionadores: Murilo Grossi, André Deca, Luciane Franco, Sonia Bonna, Zena Muccini, Flama Mossri todos ele foram povoando minha cabeça e senti que precisava conversar com eles. A gente começa a escrever e, num dado momento, parece que a gente tá inventando demais, floreando demais nossa história. Foi quando surgiu a ideia de ter os relatos desses artistas, que pudessem reconstruir a história comigo. Disso, veio a vontade de saber mais da pessoa do Graia, quem ele era antes de eu o conhecê-lo. Fui atrás da Palco, fui atrás da dona Lúcia, na fonte, buscar mais. Não considero que o livro seja uma biografia, mas a riqueza de histórias, dados, informações e conteúdo os quais tive acesso trouxe para o livro um tesouro de um ser humano valioso.
Na sua opinião, qual a importância de Robson Graia para o teatro do DF? Como você acredita que ele mudou a cena e em cena?
Se eu conseguisse explicar por aqui a minha opinião para essa resposta, eu tentaria apenas mudar essa pergunta no seu estilo: Em que importa Graia ter existido no teatro do DF? E, para mim, pelo pouco que conheço da história do teatro do DF, eu diria que ele tem uma gigantesca fatia. Não se trata apenas da pessoa, da figura, do ser humano Robson Graia. É também o jeito de fazer, o que fazer, como conectar as pessoas, como escavar, mergulhar, invadir e se aventurar na alma humana, que é o que ele fazia pra buscar lá de dentro "a sua estrela e te dar" usando as palavras do relato de Luciane Franco. Com seu famoso bordão "Conte-me tudo não me esconda nada", Graia era um cirurgião da alma. E, alma aqui, pode ser vista como essência, sua busca, sua missão, sua vontade de fazer algo no mundo. Ele sabia te mostrar que você tinha uma, que você podia ter uma e perseguir esse caminho. Para o fazer artístico, isso é o primeiro passo na minha opinião. Com isso ele formava artistas nas suas dezenas de atividades no teatro. Ele incendiou o jogo de cena nos anos 1980, com suas participações no quadro Desafio da Noite como ator e depois foi um vulcão com as palco-novelas, uma invenção original graiana, que consistia em apresentar peças teatrais em capítulos, fazendo com que o público retornasse a cada Jogo de Cena para continuar assistindo. Graia bebeu da fonte da comédia besteirol brasiliense pelas mãos de Alexandre Ribondi, que recentemente também partiu e tantos outros que naquele início dos anos 80 começava a despontar no centro da cidade e espalhou isso aos quatro cantos para todos os públicos. Formou plateias mil. Formou público de teatro. A importância de Robson Graia é basilar para o teatro do DF. Ao lado dos mestres e mestras que criaram e fazem o teatro da nossa cidade, Graia tem uma cadeira e merece este olhar atento.
Qual o legado de Graia?
O visionário Graia, aquele ser que ultrapassou os palcos e as plateias, como se lê em vários trechos do livro, fez um sem número de contribuições para os artistas, a arte, o teatro, a política. Ele palpitou nas campanhas sobre a faixa de pedestre, quando foi assessor do ex-deputado e artista Miqueias Paz. Deu aulas de teatralização para centena de crianças, jovens e adultos, dirigiu e coreografou diversos grupos de teatro e dança. Em outras palavras, Robson Graia tocou o coração e a alma de muitas muitas pessoas e deixou como legado sua sensibilidade. Concretamente, Graia criou o prêmio Apac, da Associação de Produtores de Artes Cênicas, criou uma revista. Quando partiu, aos 36 anos, havia escrito, produzido e encenado 36 peças teatrais de comédia, drama e melodrama, além de cerca de 10 palco-novelas. Três obras nunca foram terminadas ou encenadas e permanecem inéditas. Mas acredito que sua maior obra foi a sede da Palco no Varjão, terminada por sua mãe e os parceiros e responsáveis pelo instituto hoje: Chiquinho Pessanha, Roberto Pessanha e seu pai Francisco Pessanha, Marcela Coelho e tantos outros, com Daniela, irmã de Graia também à frente. O Instituto Palco Cultura, hoje, é um centro de disseminação cultural para aquela região, com diversas atividades, como capoeira, arte de rua, aulas de skate, grafite, e muitas outras.
O que caracterizou o teatro de Robson Graia?
O Graia era múltiplo. Seu teatro não podia ser diferente. Multitarefas que se fala hoje, né? Multidisciplinar, integrado e borrando fronteiras. O teatro Graiano tinha até teatro (risos), artes plásticas, música, videotape que era que traduzia a ideia do uso de audiovisual em cena. Ele percorreu a maior parte de sua carreira na linha da comédia, mas nos oito anos finais de sua trajetória começou a transitar para outras temáticas como a negritude, o preconceito e a religiosidade.
Qual a importância de uma nova geração com outra cabeça ter acesso ao trabalho de Graia?
Para começar e terminar, eu arrisco a dizer que se Robson Graia estivesse com a gente hoje, estaríamos assistindo suas criações no Tik Tok, no Kwai, no Instagram. O que quero dizer é que ele não parava nunca, era vanguardista, estaria à frente do nosso tempo e enquanto estaríamos como a maioria da juventude assistindo e olhando passivamente os influncers digitais, os criadores de conteúdo, Graia seria um post em nosso feed, nos alegrando com sua inventividade. Então acho que a nova geração ao acessar o Graia, pelo livro, pela exposição, pelas redes sociais, vai ter a chance de não apenas ver passivamente, mas aprender com um grande mestre como fazer algo e fazer algo bonito, artístico, criativo, político, provocador e com intenção de mudar e revolucionar o modus operandi da vida!
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