Crítica // Cartório das almas // ####
O esmero visual e a capacidade técnica desfilada no novo filme de Leo Bello fazem comunhão com uma densidade de roteiro (também do diretor) absolutamente original e detentora de marca. Nas entrelinhas, está uma crítica à apatia e ao "viver por viver" (como dito por personagem) — recado indispensável especialmente aos que não assimilaram os efeitos da pandemia.
Novo puxão de orelhas vem cravado no roteiro: "as pessoas estão vivendo mais, (mas) não sentem mais". E é, num cartório ermo, no meio do nada (registrado na fotografia impressionante de Pedro Maffei), que reina a individualidade da protagonista, Laura (Gabriela Correa, forte candidata ao Candango de melhor atriz). Sozinha, num não-lugar com ares de purgatório, Laura entrega a senha 0 a todos que não almejam a vida perpétua.
Conformados, os quase ex-viventes confidenciam e trazem inquietações ("me conheci pouco") derradeiras, que agitam os dilemas de Laura. A cada desligamento de vida, na precisa montagem (assinada por Joaquim Castro), se registra uma transmutação, numa câmara, em que se materializa um pássaro preto (Nego Drama).
Com esperta apropriação da arquitetura da capital, o filme brasiliense abraça um percurso em que ressonam toques de criadores como Darren Aronofsky e, por que não, José Eduardo Belmonte (de A concepção, vem ainda a coadjuvante Gabrielle Lopes, sempre competente). Modulando a unidade criativa, Maíra Carvalho assina ótima direção de arte. O futurista e árido western de Leo Bello ainda capta, de quebra, vestígios de regeneração (no contato de Laura com a natureza), além de debater a tolerância ao acesso a libertações e maiores desprendimentos.
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