O frevo é um patrimônio imaterial da cultura de Pernambuco e, consequentemente, do Brasil. Porém, a popularização do frevo como ritmo não se deve a um pernambucano, mas, sim, a um baiano, um novo baiano. Moraes Moreira foi um dos principais nomes do gênero e uma das figuras responsáveis pelo fato de não ser um ritmo exclusivo do carnaval e único no Brasil. Por esse motivo, Davi Moraes, filho do artista, e Pupillo, ex-baterista da banda Nação Zumbi, decidiram convidar artistas do calibre de Lenine, Otto, Uana, Céu, Agnes Nunes, Maria Rita, Moreno Veloso, Luiz Caldas e Criolo para fazer um disco com um nome significativo: Moraes é frevo.
Davi e Pupillo trabalharam juntos na turnê Portas, da cantora Marisa Monte. Nesse período, o assunto em comum era Moraes Moreira. A ideia era justamente fazer o movimento que Moraes fez nos anos 1970, trazer o frevo para o público mais amplo por meio da voz de quem conversa com a nova geração. Assim como o grande artista parte eterna da banda Novos Baianos, eles querem que o frevo ultrapasse barreiras. "Moraes quebrou uma barreira do regionalismo. Ele foi responsável por lançar frevos que se tornaram clássicos e são tocados para além da época de carnaval", afirma Pupillo em entrevista ao Correio.
Mesmo sendo baiano, foi a música de Pernambuco que decidiu mudar para sempre. "Como é que pode o cara baiano fazer frevo com essa qualidade com com esse domínio da linguagem do frevo que ele tinha, não é?", questiona Davi Moraes. Na análise do filho, o pai teve papel crucial para uma retomada do frevo pelo entendimento que tinha sobre o gênero. "Não eram adaptações, ele tinha um domínio do estilo e deu a contribuição para que o frevo se renovasse. Isso está marcado para sempre"
"Ele foi responsável pela transformação do frevo que fez o gênero chegar às grandes emissoras de rádios do Brasil", explica Davi, que acredita que o disco que estão lançando é a continuação de um legado importante deixado pelo pai. "Esse disco, para além de tantas outras coisas, também faz jus ao trabalho que Moraes começou lá quando, na carreira solo, decidiu transformar o frevo numa coisa nacional", pontua. "É, de fato, uma retribuição", finaliza.
O sonho de Moraes se mistura com sonhos de músicos como Pupillo, que fez parte do movimento manguebeat e acreditou que existia uma pérola no cenário musical nordestino desde sempre. Com o frevo não é diferente, as canções seguem para além do carnaval. "A importância do que Moraes criou é meu compromisso até hoje. Quero fazer com que essas músicas sejam tocadas durante o ano inteiro", diz Pupillo.
No entanto, para que esse sonho continue vivo, é necessário não desistir, o trabalho será para sempre contínuo. "É preciso ter uma preocupação com a cultura de Pernambuco, com o frevo e com a cultura nordestina como um todo. Nós abrimos as portas para todo mundo entrar, mas não podemos descaracterizar o que é nosso", comenta o ex-baterista da Nação Zumbi. "Sempre existe um esforço a mais por parte do artista nordestino em divulgar seu trabalho. Tem que sair da sua terra natal e batalhar no Sudeste, para poder abrir espaço", avalia. "A manutenção chega junto com chamar atenção, para que o frevo seja a música do ano inteiro", completa.
Esse trabalho tem que exceder a figura de um gênero musical e se estender para as noções culturais, afinal de contas, começou de uma pessoa que sempre teve um foco no horizonte. "Independentemente do estilo musical que Moraes estava fazendo, existia esse compromisso quase que intuitivo da parte dele de colocar o Nordeste na rota da indústria fonográfica", conta Pupillo. "É preciso ter a cabeça voltada para utilizar a riqueza da cultura brasileira para construir algo que vá além desse ambiente regionalista que, às vezes, a imprensa fora do Nordeste impõe para a música que é feita no Nordeste", cobra.
Gênero seminal
O álbum tem como foco a popularização de um gênero seminal para a cultura popular do país. Porém, para chegar a uma prateleira mais alta no que diz respeito a alcance, foram escolhidos artistas que representam não só Pernambuco ou a história de Moraes Moreira, mas, sim, os quatro cantos do Brasil. "Um dos pontos que eu acho que salutar é que se tivesse essas presenças todas em conversa com a gente", acredita o filho Davi. "Ele, com certeza, está lá feliz da vida com com esse disco", brinca.
Entretanto, essa não é uma apresentação de Moraes Moreira a um novo público. É uma retificação da relevância desse músico especial. "Para mim, ele é um dos arquitetos da música brasileira. Fez parte e uma das bandas mais importantes da história do Brasil, ele ajudou a construir a identidade brasileira", crava Pupillo. "É uma linda coincidência desse disco sair e a gente ver a obra dele inteira nas plataformas digitais. Se os jovens quiserem conhecer a história do Brasil por meio da música, é obrigatória essa passagem pela obra de Moraes. Seja com os Novos Baianos, seja com a sua carreira solo", complementa.
Moraes Moreira se foi em 2020, mas está vivo na cultura porque nunca viveu de passado, portanto nunca será o passado. "Está ali na enciclopédia da história do Brasil, ele está lá como um personagem importantíssimo nessa constituição, não é? Tanto que se perpetuou e eu acho que esse disco cumpre essa função de olhar para frente e fazer essa manutenção", diz Pupillo. Com músicas em várias vozes distintas, ele permanece no cancioneiro popular de forma atemporal e irreversível. "Ele vem com esse poder de ultrapassar gerações, sendo descoberto a cada época por novas gerações. Esse é um ponto de muita alegria para nós", conclui o filho, orgulhoso.
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