Quando Francisco Pizarro desembarcou na costa do Peru em 1531, uma civilização extremamente desenvolvida e sofisticada ocupava a região. Entre esses povos, o ouro era um metal nobre, utilizado como marcador de status, mas estava longe de ser usado com valor monetário. Os espanhóis não entenderam. E os incas ficaram bestificados com toda aquela avidez pelo ouro. É em torno desse metal que se estrutura boa parte da exposição Tesouros Ancestrais do Peru, em cartaz a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Com 162 peças datadas entre 900 a.C. e 1600 d.C, todas cedidas pelo Museu do Ouro do Peru e Armas do Mundo, a exposição quer levar o público a mergulhar nos modos de vida de uma das civilizações mais míticas da América Latina. Há muito ouro em Tesouros Ancestrais do Peru, mas também cerâmicas extremamente elaboradas, objetos em cobre e prata e peças têxteis, especialmente de vestuário. "Inicialmente, tínhamos uma ideia centrada na questão do ouro, mas achamos conveniente que a exposição abrisse um pouco mais para outras peças, outras partes dessas culturas andinas", avisa Rodolfo de Athayde, um dos curadores da exposição. "É muito difícil o vocabulário, porque nem tudo andino é, necessariamente, peruano. Estamos falando dessas culturas que dominaram durante o império inca, mas que são diversas e vão em uma direção muito ampla."
Há cerca de 2.900 anos, não havia Colômbia, Chile nem Peru. Numa região que abarcava boa parte do que hoje são essas nações, o equivalente a 4 mil quilômetros medidos de norte a sul, viviam dezenas de civilizações. Muitas delas foram incorporadas ao império inca em batalhas, conquistas e negociações ao longo de séculos. Cada uma carregava suas particularidades e características sociais e econômicas. E todas habitavam uma região conhecida como Tahuantinsuyo, a Terra de Quatro Regiões. No auge, essa população pode ter chegado a 12 milhões de pessoas. Cuzco era a capital, o centro político do qual emanava um império teocrático militar poderoso, mas que, por não ter desenvolvido armas de fogo, não conseguiu sobreviver às investidas espanholas.
Todas as peças presentes na exposição são fruto de escavações arqueológicas realizadas no Peru. Boa parte delas vem da região de Cusco, mas também há objetos de culturas que se desenvolveram nas regiões costeiras do Oceano Pacífico. A maior parte das peças de ouro são Lambayeques, região na qual a extração de minérios era muito intensa. E muitas foram encontradas em túmulos dos homens da elite: pessoas que possuíam mais riquezas eram enterradas com os bens. "No enterro, todo o ritual da vestimenta e das peças que acompanhavam o morto era extremamente rico. Dois dos atuais sítios arqueológicos mais importantes do Peru são túmulos onde foram encontradas peças muito bem conservadas", explica Athayde.
Esses túmulos são hoje sítios arqueológicos profundamente documentados e permitiram a reconstrução quase total de como viviam essas civilizações. No entanto, quando se trata de ouro, pouca coisa sobreviveu ao tempo e as peças encontradas nas escavações mais recentes são consideradas raridades. Uma grande quantidade delas foi saqueada, destruída ou roubada para ser derretida. Para facilitar o circuito, a exposição foi dividida em núcleos temáticos. "A exposição conta a história das antigas civilizações peruanas por meio de 162 objetos. A história do Peru é complexa, por isso organizamos seis eixos temáticos de forma que pudesse ser melhor compreendida. Começamos com a cronologia, para que possamos conhecer mais de 10 mil anos de história andina com informações sobre os primeiros habitantes e o surgimento da agricultura e da irrigação, depois fazemos um passeio por diversas culturas peruanas até chegar na época inca", explica a arqueóloga Patricia Arana, também curadora da exposição.
Uma Linha do tempo ajuda o visitante a situar o período explorado pela exposição na história das civilizações humanas. Presentes na região há mais de 10 mil anos, os primeiros povos andinos eram coletores e caçadores antes de desenvolverem a agricultura e a pecuária. Em Mineração, fica claro o impacto da capacidade de extrair minérios no desenvolvimento desses povos. Além do ouro, o cobre e a prata ocupavam lugar importante. "A questão do ouro é muito importante. Eles usavam de forma sempre relacionada com o status da pessoa. Não há, na história dessas civilizações, o uso do ouro como dinheiro, acúmulo de riquezas em sentido monetário", explica Rodolfo de Athayde. Esse detalhe espantou os colonizadores, que logo trataram de drenar toda a extração em direção à Europa. "Nos primeiros séculos da conquista, a quantidade de ouro que se repassa à Europa é enorme, de tal forma que se cria um processo inflacionário e a riqueza dos principados triplicam com a entrada do ouro do Peru", diz o curador.
Em Divindades e rituais, as relações com os deuses, já que eram povos politeístas, ganha evidência em peças de vestimentas e nos metais, importantes para confeccionar objetos de adoração. Cerâmica é um mundo à parte, com técnicas datadas de 1800 a.C. Nesses objetos, eram contadas as histórias dessas civilizações. Colonização encerra a mostra e a história dos incas, dizimados pelos espanhóis.
Conexão contemporânea
Faz parte ainda da exposição uma reunião de obras contemporâneas que ajudam a trazer para o presente, de uma maneira poética, detalhes importantes das civilizações antigas. Obras de Alejo Rojas e Alexandra Grau retomam o Quipu de Nasca, um instrumento milenar de cordas e cordões feitos com pelo de lhama e utilizados na comunicação. Uma obra do peruano Iván Sikic faz referência à extração do ouro durante o período colonial e uma videoarte das brasileiras Bete Esteves e Beth Franco relaciona a mineração com a violência.
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