Banda de punk rock formada em 1981, o Ratos de Porão foi pioneiro na cena brasileira do estilo musical. Com mais de 40 anos de estrada, o grupo paulistano conta com um extenso repertório de letras atemporais, que chamam atenção pelo tom de denúncia e crítica social. Mais recente disco do grupo, Necropolítica traz composições que condenam o governo Bolsonaro e as medidas tomadas pelo ex-presidente durante o período de pandemia. Alerta antifascista, Passa pano pra elite e Neonazi gratiluz são algumas das faixas do álbum.
Hoje, o quarteto desembarca em Brasília para apresentação única na Infinu Comunidade Criativa às 21h, com repertório que promete passar por todas as fases da banda, incluindo sucessos do início da carreira. Em antecipação ao show, o vocalista e compositor da banda, João Gordo, concedeu uma entrevista ao Correio sobre a cena punk brasileira, a carreira internacional, a ditadura e o momento político atual do país.
Entrevista // João Gordo
Algumas bandas que começaram na mesma época que o Ratos de Porão no meio punk se mostraram, ao longo dos anos, conservadoras de direita. Como você percebe
esse movimento?
Existem algumas bandas que os caras simplesmente não evoluíram. Eles pensam igualzinho ao que eles pensavam em 1982. Naquela época, todos nós éramos reacionários, entre os punks também. A gente não tinha muita informação. Era uma homofobia lascada, um tempo bem menos evoluído. Agora, passaram-se 40 anos e os caras continuam pensando igual. Conforme o passar do tempo, você vai viajando, estudando, aprendendo as coisas e, consequentemente, começa a se ligar no que é certo e no que é errado. Se o cara continua pensando do mesmo jeito que ele pensava em 1982, é porque ele é burro mesmo.
As músicas do Ratos escritas no início da carreira ainda são extremamente relevantes nos dias de hoje, após 40 anos. Como é cantar sobre os mesmos problemas há tanto tempo, sabendo que eles ainda se relacionam com os tempos atuais?
Não é nada agradável você perceber que nada mudou e que nossas músicas hoje fazem muito mais sentido do que antigamente. Antigamente, era só uma suposição, a gente cantava o que a gente achava que estava acontecendo, mas agora a gente tem certeza que é isso mesmo. É pior ainda, na verdade. A gente tem várias músicas como Amazônia nunca mais, Farsa nacionalista, Morte ao rei, que fazem sentido depois de 30, 35 anos. Isso é muito louco, ainda mais pra mim, que faço as letras. Eu não sou mãe Dinah. É que o país é assim mesmo. Aqui foi feito para os ladrões se darem muito bem e não serem presos. Leis que favorecem o banditismo.
Qual é a importância de bandas que, como o Ratos, tenham um posicionamento firme e façam denúncias por meio da música? O papel do punk é incomodar?
Se você está incomodando o inimigo, você está no caminho certo. Essa postura anti-fascista nossa é porque a gente vê e sente o que está acontecendo, e as pessoas que são dessa seita bolsonarista não enxergam nada. Esses caras acham, em nome do medo de um pseudocomunismo, que várias coisas irão acontecer, baseados em fake news. Os caras aceitam os maiores absurdos. Para eles, as maiores pilantragens são aceitáveis em nome do medo moral. Então uma banda como o Ratos se posicionar é muito importante. Se você ficou em cima do muro, você é de direita. Se você fala que odeia política, você votou 17 com força e fez arminha com a mão. Tem um monte de metaleiro, gente do meio do punk que você não espera, falando: 'Eu odeio o PT'. Eles preferem votar em nazista, porque odeiam o PT.
O Ratos é uma banda que sobreviveu à ditadura brasileira, mesmo com letras de denúncia e crítica social. Como foi esse período e como é ver pessoas vangloriando esses tempos e desejando a volta deles?
O Ratos sobreviveu à ditadura, porque pegamos só o final. Quando eu entrei na banda, em 1983, a gente não precisava mais mandar letra para a censura, então foi mais fácil, eu acho. A gente sentia um pouco dos resquícios pela rua e pela repressão policial. A gente era parado na rua, não podia usar coturno, não podia usar roupa do Exército, aquela história toda. Eles deixavam a gente de cueca na rua, descalço. Por isso, é muito importante a gente se posicionar. Banda em cima do muro com certeza é de direita, fascista. Quem fala que odeia política, é fascista. Quem fala que odeia o PT, é fascista. A gente sempre teve postura de punk mesmo, de anarquista. Eu não votava em ninguém, até que os fascistas começaram a chegar. Aí, já mudou o assunto. Eu voto até no meu cachorro se for para ser contra o Bolsonaro e o bando de bandidos dele.
É comum para o Ratos tocar em grandes festivais internacionais, mas, aqui no Brasil, por exemplo, a banda estreou no Rock in Rio na edição mais recente do evento. Vocês se sentem mais valorizados lá fora do que aqui?
Cara, para certos nichos do rock, é como se o Ratos não existisse. É como se o Ratos fosse só uma barulheira, sem história nenhuma. A gente não faz parte do rock nacional, esse rock nacional do tipo Planet Hemp, Pitty, Ira. Disso a gente não faz parte, a gente faz parte do underground. E em outros países isso é muito mais valorizado do que aqui. Temos muitos fãs no Brasil, mas a cena rock nacional não respeita o Ratos.
Como você vê a recepção do punk no Brasil atualmente? O espaço para esse tipo de música diminuiu ou aumentou?
O que eu vejo, pelo menos nos shows do Ratos, é um crescimento brutal de uma nova geração, pai levando filho e por aí vai. Não é algo que acontece com algumas bandas de punk mais antigas, que você vai aos shows e só têm cabeça branca. No nosso, acho que pelo fato da gente misturar sons, metal, punk, dá uma mesclada melhor. A banda também é grande e um monte de gente conhece, então atrai a curiosidade da molecada.
Ratos de Porão em Brasília
Hoje, na Infinu Comunidade Criativa, às 21h. Ingressos podem ser adquiridos por meio da plataforma on-line Sympla, a partir de R$ 50. Não recomendado para menores de 16 anos.
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