
Há muito contexto envolvido, político e familiar, e as peças do filme Ainda estou aqui têm coordenação bem encadeada num roteiro que condensa dados sem didatismo da trajetória do ex-parlamentar Rubens Paiva, dado como "sumido" no auge da ditadura.
A sensibilidade interna do personagem de Fernanda Torres, que enterra a dor para dar espaço de vida para os filhos. Atenta e afetuosa, ela zela por aplicar a cordialidade, mesmo com a percepção dos riscos iminentes.
O alerta de para onde um mundo que assimile e encoraje ditaduras pode se encaminhar. Rubens Paiva é encaminhado para a morte por ser "ligado aos comunistas", numa ação do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações — Centro de Operações de Defesa).
Nem tudo é dureza: um berço de felicidade e empatia é apresentado na tela. Há arejamento: com animadas idas à praia e muita integração entre entre os familiares de Paiva, rodeados de amigos e de livros.
O drama não é rasgado, tudo vem engasgado: em cena, Fernanda Torres, com um olhar afetuoso, vasculha e tem a grandeza de compactuar com a felicidade alheia.
Selton Mello, em cena, doce e generoso, interpreta Rubens Paiva como uma ausência a ser sentida.
Não existe embate, nítido e panfletário, entre bem e mal.
Há denúncia visual, nunca apelativa, do aprisionamento de Eunice Paiva, um dado nem sempre lembrado pelas pessoas.
Prepondera o registro da barbárie, que vem à tona, com registros de prisão e certidão de óbito. O filme formaliza a organização das memórias de uma família que é estendida para a sociedade.
Fernanda Montenegro se confirma gigante, num papel introspectivo e crível.