
Cazuza, ícone da música brasileira e ex-vocalista do Barão Vermelho, deixou um legado artístico marcado pela coragem, autenticidade e poesia visceral. Nos anos 1980, em meio a uma das épocas mais difíceis da história da música e da saúde pública, ele enfrentou uma batalha pessoal contra o HIV, vírus causador da AIDS, que naquela década carregava consigo medo, preconceito e silêncio.
Apesar de toda sua intensidade criativa, o anúncio público da doença foi um processo complexo e cheio de nuances. Segundo o renomado jornalista Júlio Ettore, que compartilhou detalhes em um vídeo no YouTube, a decisão de Cazuza em revelar sua condição veio após uma reflexão profunda motivada por sua própria obra.
Em dezembro de 1988, durante uma emblemática entrevista com a jornalista Marília Gabriela, Cazuza foi confrontado com perguntas diretas sobre sua saúde. Embora a imprensa já desconfiava, ele ainda não estava pronto para falar abertamente. Marília chegou a dar pistas claras e questionou se ele estava enfrentando a AIDS, mas ele preferiu não confirmar, mantendo o mistério.
O ponto de virada, contudo, veio no momento em que as palavras de Marília Gabriela ficaram ecoando em sua mente: “Você não deve nada a ninguém”. Foi então que Cazuza decidiu ser coerente com sua música e seu posicionamento público. Ele, que havia escrito letras como “Brasil, mostra a tua cara”, sentiu que era hora de mostrar a sua, sem máscaras ou segredos.
A revelação oficial aconteceu meses depois, durante o Carnaval de 1989, em Boston, onde ele passou por exames médicos. Em Nova York, em uma entrevista com o então correspondente da Folha de S. Paulo, Zeca Camargo, Cazuza, já cansado de ocultar sua condição, não hesitou em dizer: “A maldita é a AIDS”, enquanto levantava uma taça de vinho — um gesto simbólico de resistência e sinceridade.
Cazuza será homenageado no Prêmio da Música Brasileira 2026
Cazuza é imortal. E, em 2026, será celebrado como merece: o Prêmio BTG Pactual da Música Brasileira acaba de anunciar que o cantor, compositor e poeta será o grande homenageado de sua 33ª edição.
A decisão foi tomada em junho, durante reunião do Conselho do Prêmio no Rio de Janeiro, e comunicada com entusiasmo à mãe do artista, Lucinha Araújo, em um telefonema coletivo dos conselheiros.
A escolha de Cazuza foi unânime e carrega a força de um reconhecimento que extrapola o legado musical. “Celebrar Cazuza é celebrar a coragem, a liberdade e a potência de uma obra que segue viva e necessária”, afirmou Zé Mauricio Machline, idealizador e diretor do prêmio.
Sua arte rebelde, sensível e inquieta permanece urgente, atravessando décadas com versos que ainda hoje parecem ter sido escritos ontem.
Estavam presentes nomes que, assim como Cazuza, ajudaram a construir a trilha sonora do Brasil: Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Karol Conká, Zélia Duncan (estreando no conselho), o jornalista Antônio Carlos Miguel e Giovanna Machline.
Segundo Gil, o encontro foi mais do que uma escolha; foi um gesto de amor à música e à memória cultural do país.
“É comovente fazer parte desse grupo. A música sempre esteve no centro da minha vida”, disse o artista.
Zélia Duncan também se emocionou com o processo. “É uma conversa democrática e sensível. A escolha do Cazuza me alegra demais. É um nome que precisa ser lembrado com o colo que ele merece.”
A proposta do prêmio, como em todas as suas edições, é celebrar não apenas os artistas do presente, mas também as vozes do passado que continuam reverberando no presente como a de Cazuza, cujas canções desafiam o tempo.
Um espetáculo para manter Cazuza em carne, osso e poesia
A cerimônia de 2026 deve seguir o formato já tradicional: uma grande celebração com apresentações de diferentes gerações de artistas, interpretando de forma inédita os clássicos do homenageado.
Clássicos esses que dispensam apresentações: Exagerado, O Tempo Não Para, Codinome Beija-Flor e Brasil são apenas alguns dos hinos de uma geração que soube sentir e gritar ao mesmo tempo.
Mais do que uma retrospectiva, o espetáculo será um reencontro com a arte que desafia, que emociona e que se recusa a ser esquecida.
A 33ª edição do prêmio promete ser um tributo à pluralidade da música brasileira, à ousadia criativa e ao direito de ser livre. E ninguém melhor do que Cazuza para traduzir isso tudo.
A homenagem é mais que merecida. É urgente. Porque enquanto houver alguém cantando Cazuza, o Brasil seguirá se perguntando: o tempo para para alguém? No palco do Prêmio da Música Brasileira, a resposta será um sonoro e emocionado não.