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Cazuza e um clássico: os segredos por trás de “Exagerado”

Versos icônicos escondem referências veladas de Cazuza ao uso de drogas

Cazuza e um clássico: os segredos por trás de “Exagerado” -  (crédito: TMJBrazil)
Cazuza e um clássico: os segredos por trás de “Exagerado” - (crédito: TMJBrazil)

Quando Cazuza lançou seu primeiro disco solo, em novembro de 1985, o país ainda respirava os ares incertos da redemocratização. Longe do Barão Vermelho, o cantor carioca revelava ao público um projeto ousado, batizado simplesmente com seu nome. Mas bastou o estrondo de um single para que o disco ganhasse uma nova identidade: Exagerado, título herdado da faixa de maior sucesso do álbum.

Quase quatro décadas depois, a canção ainda provoca. E não apenas pela entrega emocional de Cazuza ou pelo arranjo marcante que fez dela um hino atemporal da MPB. Um novo olhar sobre a letra, defendido pelo youtuber e pesquisador de rock nacional Júlio Ettore, sugere que os versos escondem mais do que declarações de amor: seriam também códigos — ou pistas — sobre o universo das drogas.

“E por você eu largo tudo / Carreira, dinheiro, canudo…” — o trecho, que até hoje ecoa em corações apaixonados, ganha uma leitura mais crua. Segundo Ettore, “carreira” pode não ser apenas a trajetória profissional, mas também o nome dado a uma fileira de cocaína. “Dinheiro”, nesse contexto, faria alusão às cédulas usadas para inalar o pó. E “canudo” — o mais ambíguo dos três — tanto pode significar um diploma universitário quanto o objeto utilizado no consumo da droga.

A teoria não soa absurda quando se considera o histórico dos autores. Cazuza, notoriamente adepto dos excessos, compôs a faixa com Ezequiel Neves (o lendário “Zeca Jagger”, apelido ganho por sua devoção aos Rolling Stones) e Leoni, então integrante do Kid Abelha. Curiosamente, foi este último quem reconheceu, anos depois, que não havia percebido o duplo sentido de suas próprias palavras. “Ele [Cazuza] misturou o vocabulário do cotidiano com o submundo das drogas”, afirmou Leoni em participação no canal de Ettore.

O personagem-título, o tal “exagerado”, teria sido inspirado em Ezequiel. Mas na boca e no corpo de Cazuza, a persona se fundiu ao cantor — e ao mito. No palco, nos clipes e nas entrevistas, ele se apropriou da alcunha como uma espécie de alter ego lírico: excessivo, romântico, inconsequente.

O álbum Exagerado ainda carrega outras pérolas, como “Codinome Beija-Flor” e “Mal Nenhum”, e contou com participações ilustres. Frejat — parceiro e amigo, apesar do rompimento recente com o Barão — colaborou no repertório. Já Lobão assinou composições ao lado de Cazuza, num momento em que o rock brasileiro assumia papel de protagonista cultural. Mesmo sem grande investimento em divulgação, o disco vendeu cerca de 50 mil cópias e cravou seu espaço no panteão da música nacional.

Frejat revelou, em entrevistas posteriores, que parte das faixas presentes em Exagerado seriam originalmente destinadas ao quarto disco do Barão com Cazuza, que acabou nunca sendo gravado. O fim da parceria, porém, abriu caminho para que o artista explorasse uma identidade ainda mais provocadora e poética.

Como Cazuza tomou a decisão de revelar sua luta contra a AIDS

Cazuza, ícone da música brasileira e ex-vocalista do Barão Vermelho, deixou um legado artístico marcado pela coragem, autenticidade e poesia visceral. Nos anos 1980, em meio a uma das épocas mais difíceis da história da música e da saúde pública, ele enfrentou uma batalha pessoal contra o HIV, vírus causador da AIDS, que naquela década carregava consigo medo, preconceito e silêncio.

Apesar de toda sua intensidade criativa, o anúncio público da doença foi um processo complexo e cheio de nuances. Segundo o renomado jornalista Júlio Ettore, que compartilhou detalhes em um vídeo no YouTube, a decisão de Cazuza em revelar sua condição veio após uma reflexão profunda motivada por sua própria obra.

Em dezembro de 1988, durante uma emblemática entrevista com a jornalista Marília Gabriela, Cazuza foi confrontado com perguntas diretas sobre sua saúde. Embora a imprensa já desconfiava, ele ainda não estava pronto para falar abertamente. Marília chegou a dar pistas claras e questionou se ele estava enfrentando a AIDS, mas ele preferiu não confirmar, mantendo o mistério.

O ponto de virada, contudo, veio no momento em que as palavras de Marília Gabriela ficaram ecoando em sua mente: “Você não deve nada a ninguém”. Foi então que Cazuza decidiu ser coerente com sua música e seu posicionamento público. Ele, que havia escrito letras como “Brasil, mostra a tua cara”, sentiu que era hora de mostrar a sua, sem máscaras ou segredos.

A revelação oficial aconteceu meses depois, durante o Carnaval de 1989, em Boston, onde ele passou por exames médicos. Em Nova York, em uma entrevista com o então correspondente da Folha de S. Paulo, Zeca Camargo, Cazuza, já cansado de ocultar sua condição, não hesitou em dizer: “A maldita é a AIDS”, enquanto levantava uma taça de vinho — um gesto simbólico de resistência e sinceridade.

LS
postado em 26/06/2025 16:46
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