
Aos 21 anos, Alanis Morissette viu sua vida virar de cabeça para baixo. Com o estrondoso sucesso de Jagged Little Pill em 1995, a artista canadense conquistou o mundo e quatro prêmios Grammy — mas, como revelou em uma entrevista recente ao The Guardian, o preço da fama foi alto demais para uma jovem sensível em meio a uma indústria marcada pelo sexismo e pela crueldade emocional.
“Não havia ninguém atrás de quem se esconder”, desabafou Alanis, ao lembrar do início de sua trajetória internacional. “O que eu descobri em termos do adorável patriarcado foi que, naquela época, se os homens não pudessem transar, eles não sabiam o que fazer comigo.”
Antes de alcançar o estrelato, a cantora já havia lançado dois álbuns no Canadá. Mas foi com o terceiro — um disco raivoso, honesto e profundamente pessoal — que ela quebrou barreiras e se tornou voz de uma geração. Ainda assim, a escalada repentina à fama teve efeitos devastadores sobre sua saúde mental. “Tenho uma tendência ansiosa e depressiva”, contou. “Pessoas sensíveis absorvem tudo. Se você coloca uma delas em um ambiente hostil, ela simplesmente quer desaparecer. Mas em um ambiente de apoio, ela floresce.”
O retrato que Alanis pinta dos bastidores dos anos 90 é desolador, especialmente para mulheres na indústria musical. Ela relata sentir-se perdida diante de uma cultura que valorizava a hipersexualização e que celebrava comportamentos barulhentos e autoconfiantes — características que ela não reconhecia em si mesma. “Meus colegas pareciam tão seguros em suas vozes altas, no estilo Courtney Love. Isso era valorizado. Eu pensei: ‘Ok, vou fingir ser extrovertida pelos próximos 25 anos’.”
Para suportar o peso do personagem que criou para sobreviver, recorreu a substâncias. “Tequila — qualquer coisa que me permitisse ser a alma da festa — ou, se eu estivesse dando uma palestra, Xanax. Qualquer coisa que me ajudasse a fingir que não sou eu.”
Relembre a carreira de Alanis Morissette
Aos 50 anos, Alanis Morissette se prepara para um momento inédito em sua trajetória: sua estreia no Lollapalooza Brasil. A cantora canadense, ícone do pop rock dos anos 90, será uma das atrações principais do sábado (29) do festival. No domingo, ela leva seu show para Curitiba, dando continuidade a uma nova passagem pelo país.
A conexão de Alanis com o Brasil já foi comprovada em novembro de 2023, quando lotou o Allianz Parque, em São Paulo, em sua maior apresentação solo por aqui. O espetáculo, que comemorou os 25 anos do lendário álbum “Jagged Little Pill”, foi marcado por uma onda de nostalgia e pelo carinho dos fãs, que cantaram cada verso de sucessos como “Ironic”, “You Oughta Know” e “Hand in My Pocket”.
De popstar adolescente ao ícone do rock
Antes de se tornar a voz inconfundível de uma geração, Alanis começou sua carreira ainda jovem, trilhando um caminho voltado ao pop dançante entre 1987 e 1992. Tudo mudou quando, aos 21 anos, lançou “Jagged Little Pill” (1995), disco que vendeu mais de 33 milhões de cópias e redefiniu o pop rock com suas letras confessionais e intensas.
Um dos detalhes curiosos sobre o início de sua trajetória roqueira foi a colaboração com grandes nomes do cenário. O single “You Oughta Know”, por exemplo, contou com Flea (Red Hot Chili Peppers) no baixo e Dave Navarro (Jane’s Addiction) na guitarra. Já em suas turnês, Alanis teve a parceria do baterista Taylor Hawkins, que mais tarde integrou o Foo Fighters e faleceu em 2022.
Músicas como diário emocional
Com uma abordagem visceral e transparente, Alanis sempre tratou a música como uma extensão de seus sentimentos. “Escrever uma canção para mim é como escrever em um diário. Quando lanço, ela passa a ser do público, com significados próprios para cada pessoa”, explicou em entrevista ao g1.
Ao longo dos anos, a relação da artista com sua obra se transformou. Se nos tempos de “Jagged Little Pill” ela associava a fama a um impacto negativo em sua saúde mental, hoje ela vê a música como um canal de expressão separado do peso da indústria. “Meu marido foi uma inspiração”, contou, referindo-se ao rapper Mario “Souleye” Treadway, com quem está casada desde 2010 e tem três filhos.
Revisitando os sucessos no palco
Mesmo após quase três décadas, as canções de Alanis continuam impactantes ao vivo. Ela garante que cada apresentação resgata a mesma carga emocional de quando escreveu as músicas. “Seja medo, arrependimento ou alegria, eu me permito reviver essas sensações no palco”, afirmou.
A estrutura dos shows mantém a crueza do material original, com arranjos fiéis às versões de estúdio. Curiosamente, algumas das faixas icônicas do disco foram criadas de forma espontânea: “Hand in My Pocket” e “Perfect” foram compostas em pouco mais de uma hora.
O impacto cultural de Alanis Morissette
Além do legado musical, Alanis ajudou a consolidar expressões no vocabulário popular. Em “Head Over Feet”, ela popularizou o termo “friends with benefits” (amizade colorida). Já “Ironic” se tornou tema de debates linguísticos, uma vez que sua letra não contém ironias no sentido literal. “É irônico que essa seja a música pela qual sou mais conhecida”, brincou.
Nos anos 90, a artista foi rotulada como um símbolo da “raiva feminina”, algo que, para ela, foi tanto um rótulo limitador quanto um reconhecimento. “A raiva é uma emoção linda. Pode ser um combustível para mudanças e uma forma de expressar limites”, refletiu.
Além da música, Alanis tem investido em outras áreas criativas. No podcast “Conversation with Alanis Morissette”, ela conduz entrevistas profundas sobre psicologia, espiritualidade e desenvolvimento pessoal, sempre com uma abordagem reflexiva e acolhedora.
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