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Marília Mendonça rasgou o machismo e mudou o sertanejo para sempre

Marília Mendonça recusou rótulos, enfrentou o machismo e transformou sua dor em hinos para milhões de mulheres

Marília Mendonça rasgou o machismo e mudou o sertanejo para sempre -  (crédito: TMJBrazil)
Marília Mendonça rasgou o machismo e mudou o sertanejo para sempre - (crédito: TMJBrazil)

Em 2014, o sertanejo vivia uma era de ouro — para os homens. Nas rádios, o top 10 era dominado exclusivamente por vozes masculinas. Dois anos depois, o cenário começava a mudar. Quatro músicas cantadas por mulheres figuravam entre as mais tocadas. Entre elas, uma que daria início a um novo capítulo na história do gênero: “Infiel”, de Marília Mendonça.

Não era só mais uma canção de traição. Era uma reviravolta. Uma mulher, jovem e de voz firme, cantando sobre dor, desilusão e liberdade sem rodeios. Sem princesas, sem finais felizes — mas com uma verdade que até então era calada no sertanejo.

A mídia chamou de “feminejo”, mas Marília detestava o termo. “Existe rock feminino? Existe MPB feminina?”, questionava ela, indignada, durante uma reunião com a gravadora. Para Marília, criar uma categoria à parte era reduzir o seu trabalho — e o de tantas outras — a um nicho, como se as mulheres precisassem de permissão para existir na música sertaneja. “Sertanejo é sertanejo”, defendia. Sem adjetivos.

O terceiro episódio do podcast “Marília – o outro lado da sofrência”, do g1, mergulha nesse confronto entre a artista e um mercado que sempre tratou as cantoras como exceção. Antes de Marília, nomes como Roberta Miranda ou Paula Fernandes eram considerados casos isolados — e mesmo elas enfrentavam obstáculos para se manter no topo.

Quando Marília surgiu, muitos radialistas resistiram. Alegavam que “mulher não pede música de mulher” e que mais vozes femininas poderiam derrubar a audiência. Bastou uma semana para “Infiel” desmentir todos. A música explodiu nas paradas e, junto com ela, a demanda por novas vozes femininas disparou. Mas aquilo não era uma onda passageira — era o início de uma revolução.

Marília já vinha abrindo caminhos nos bastidores. Compositora prolífica, tinha mais de 150 músicas gravadas por outros artistas. Sua missão? Colocar nas letras aquilo que ela mesma gostaria de ouvir. “Ela queria que os cantores dissessem o que nós, mulheres, sentimos”, conta o compositor Vinicius Poeta. “A história de ‘Cuida Bem Dela’, por exemplo, nenhum homem teria coragem de escrever.”

Mas quando pegou o microfone, Marília fez mais do que compor. Cantava com dor, com ironia, com humanidade. Criou um estilo tão autêntico que virou referência: o “mariliônico”. Um jeito de interpretar que não cabia em fórmulas. “Ela era abraçada pela elite e pela massa. Porque os conflitos que ela cantava, todo mundo sente”, resume Poeta.

Marília Mendonça: de cética ao símbolo

No começo da fama, Marília afirmava não ser feminista. Dizia que o feminismo “diminuía a mulher” e que nunca havia sofrido machismo. O discurso causou ruído. Mas, com o tempo, a artista foi compreendendo o peso de ocupar um espaço que nunca foi oferecido a mulheres como ela — jovem, sertaneja, de corpo fora do padrão.

Na TV, reconheceu o machismo do mercado. Passou a defender o empoderamento por meio do exemplo. E esse exemplo vinha nas letras. Em “Troca de Calçada”, Marília canta a história de uma garota de programa marginalizada. Em “Você Não Manda Em Mim”, retrata a libertação de uma mulher presa a um relacionamento abusivo. Era real demais para ser ignorado. Por isso, ecoava tanto.

“Ela chegou com a voz, com a doçura, com a verdade dela e foi: ‘Eu vou tomar minha cachaça, eu vou usar a roupa que eu quiser, eu sou assim. Quem quiser gostar, que goste’”, resume Simone Mendes. “Acho que não haverá outra Marília Mendonça. O legado dela é único.”

Herdeiras de uma trilha aberta na raça

Hoje, o que antes era exceção virou regra. Cantoras como Simone Mendes, Lauana Prado, Mari Fernandez e Ana Castela lideram rankings de reprodução e público. Muitas delas têm plena consciência de quem pavimentou esse caminho.

Mari Fernandez lembra do impacto: “Quando a Marília chegou, tudo mudou. Ela trouxe uma nova leva de cantoras. Antes, não tinha tantas. Muito do que a gente vive hoje vem do que ela construiu com identidade e coragem.”

Simone Mendes, que seguiu carreira solo após o fim da dupla com Simaria, buscou justamente a equipe de Marília para iniciar sua nova fase — incluindo o produtor Eduardo Pepato. A primeira música juntos, “Erro Gostoso”, foi direto ao topo. A fórmula? Letra forte, emocional e com a marca da vulnerabilidade que Marília Mendonça consagrou. “Tudo que dá certo, a gente tenta repetir. Mas sempre com a alma do artista”, diz Pepato.

 

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postado em 08/08/2025 09:20
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