Crítica

Graça ácida e leve em filme de Céline Devaux

Com muita crise existencial, a protagonista Jeanne tem múltiplos pensamentos exóticos, em jornada bem singular

Todo mundo ama Jeanne: comédia francesa em cartaz -  (crédito:   Imovision)
Todo mundo ama Jeanne: comédia francesa em cartaz - (crédito: Imovision)

Crítica // Todo mundo ama Jeanne // ###

É na base da velocidade que o humor diferenciado da cineasta Céline Devaux, também ilustradora (com esta habilidade destacada na estrutura do filme), se afirma na comédia Todo mundo ama Jeanne, fita que integrou a Semana da Crítica no Festival de Cannes. "Meio doidinha", como é vista por alguns, Jeanne (Blanche Gardin, de Apagar o histórico) vive um pouco revoltada com o instinto de procriação das pessoas, mesmo porque isso em muito interfere nas caçadas para o "rala e rola" (como ela destaca), improdutivo, quando avança atrás dos homens casados. 

Entre os pretendentes de Jeanne estará o espertalhão Jean (Laurent Laffite, lembrado por filmes como Elle) incapaz de dar bons exemplos na criação da sobrinha Théo e discretamente orgulhoso do passado instável com direito a episódio psicótico. No fundo, ao lado do irmão de Jeanne, Simon (Maxence Tual), Jean pretende dar um empurrão na antiga companheira de colégio, algo depressiva.

Procrastinadora nata, Jeanne até cultivou um projeto (chamado Nausicaa), que colocou à prova o potencial dela de engenheira: grosso modo, pretendia, sem sucesso, filtrar o plástico depositado no mar. Autocrítica, e pronta a depreciar de si mesma, a protagonista tem por alter-ego um desenho que interfere a todo momento no já caótico dia a dia dela.

O recurso da diretora (Céline Devaux) não se desgasta, até porque, constantemente, Jeanne divaga em torno de tudo. O desenho (mental) incita ações como "fingir interesse" por pessoas e temas, além de externar preocupações cotidianas, problematizando até mesmo a depilação de Jeanne. São lampejos que duram segundos na tela, mas criam ruidosos efeitos.

O longa-metragem, com abordagens, de pronto, cínicas e mordazes (Jeanne cultua a utilidade das caixas, e até celebra, sem filtros, existirem "caixões"), tem uma verve algo sentimental: a mãe deixou por herança um apartamento em Portugal, fato que predispõe a engenheira (que vira meme de internet) à viagem de negócios. Com bela direção de arte do português Artur Pinheiro (integrante do filme brasileiro O grande circo místico) o filme traz interessante registro de Portugal, apinhado de turistas, e coloca Jeanne num dilema frente a Victor (Nuno Lopes). Seria ele mais interessante do que o esperto Jean, presente para enfatizar pérolas como a da origem da palavra trabalho, que, em latim, poderia ser  algo como "tortura"?

 

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postado em 09/02/2024 14:42 / atualizado em 09/02/2024 14:44
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