Um preocupante e latente exposed (fator que pode macular eternamente a imagem de um respeitado professor) consome muito da adaptação para cinema de um livro criado por Domenico Starnone: Segredos é a mais recente incursão do cineasta Daniele Luchetti, que defende um dos filmes mais sofisticados da 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, corrente na capital. "Felizmente, não sou um ator", pontua o mesmo cineasta de títulos como Meu irmão é filho único (2007), em entrevista ao Correio. O esforço de interpretação, em Segredos, cabe à Federica Rosellini e, particularmente, a Elio Germano, vencedor por cinco vezes do prêmio David di Donatello, e ainda destacado, na carreira, em premiações por A vida solitária de Antonio Ligabue (Festival de Berlim) e La nostra vita (no certame de Cannes). Respectivamente, ela interpreta Teresa, e ele, Pietro.
Atração, nesta sexta (28/6), às 19h, no Cinesystem Brasília, e no sábado (29/6), no Cine Cultura Liberty Mall, às 19h45, Segredos destrincha amor iniciado em Roma, e que extrapola limites físicos para Pietro, consumido por uma culpa, por um medo e pelo recolhimento em existência insignificante e vil, a cada cena. Tudo começa num jogo perigoso de confissões entre amantes em crise: quem pode se expôr mais, relatando intimidades. Eis que a arapuca está armada, caso o amor acabe. Na carreira, Luchetti, que já foi diretor assistente, de Nani Moretti, em Aprile (1998), e, aos 63 anos, já se viu valorizado em festivais de San Sebastián, Munique, Locarno e Cannes, desponta no Brasil, com um filme que fala de silenciamento, machismo e violência.
Entrevista // Daniele Luchetti, cineasta
Qual o peso do feminicídio, na sociedade italiana?
Certamente existe isso. E é exatamente disso que tratamos. Esse filme explora as causas da violência masculina contra o feminino e o conta de uma forma não no sentido criminoso, pois não é um caso extremo, mas explora pensamentos, desejos. Ele deseja matá-la a um certo ponto. No entanto, por que isso acontece? Acontece, e espero ter deixado isso claro no filme, porque ele não aceita a paridade. Nesta relação amorosa, ele não aceita, pelo contrário, não é que ele não aceite a paridade. Ele não aceita inferioridade. Não é que não aceita uma mulher como ele. Não aceita uma mulher melhor do que ele.
Na matemática do amor, como crê que a personagem Teresa equacione o espaço dela?
Não é uma questão de matemática. Pietro quer vencer, quer ser um deus. E uma mulher que conhece a fraqueza dele e que, portanto, o enxerga muito menor do que ele quer ser. É algo que o coloca em crise para toda a sua vida. O filme é o retrato de um homem tóxico. E também o fato de não falar de um criminoso, mas de um homem médio. Resumindo, isso o torna muito mais interessante. Mas porque é fácil falar de um criminoso. É mais difícil dizer o que há de criminoso num homem médio.
O cinema italiano em geral tem uma vocação para a nostalgia. Como você vê isso?
Eu vejo isso como uma coisa bastante perigosa. Por que isso significa, em suma, admitir que não temos futuro. Não ter paixão pelo presente, mas pela nostalgia do passado nos coloca em uma condição de não ver o que está na janela, na frente de nossos olhos. Neste sentido, eu acredito isso é uma forma de vício, de academicismo. A nostalgia é uma declinação do academicismo.
O costume da velocidade da internet arruína os espectadores de cinema?
Não tenho certeza disso. Porque importante é ser interessante. Eu tenho filhos adolescentes, uma filha adolescente em particular, que tem 16 anos e que já viu Segredos quatro vezes. Apesar de ela ser realmente uma que passa muito tempo na internet. O problema não é que tem que ser rápido, tem que ser interessante. Se uma coisa é interessante, eles estão disponíveis e têm também paciência. Hoje, por exemplo, eu estava na escola da minha filha, a mais nova, vi vinte crianças ligando uma TV, tinha um filme. E eles sentaram já frente da TV com a paciência de ver o filme, felizes por terem paciência. Portanto, acho que afirmar isso da velocidade é uma espécie de pequeno clichê. É verdade, há as notícias que a gente fica ‘scrolling”, no instagram, no facebook, nas redes sociais. Mas os jovens também são os maiores espectadores de série na TV. Veem sete temporadas em três dias. Então, o que é isso? Que eles estão acostumados com a velocidade? Não, mas que buscam coisas interessantes.
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