
Por Sérgio Leo—Há pouco mais de um ano, esteve no Brasil uma missão de especialistas de organizações não governamentais ucranianas, com ligações no governo de Vladimir Zelensky. Vieram para uma ofensiva de charme, com projetos culturais e de proteção ao meio ambiente; chegaram a discutir um acordo de cooperação com a Orquesta Sinfônica de São Paulo; a guerra adiou tudo. Muito à margem da agenda oficial, porém, um aspecto curioso em Brasília chamou atenção do grupo: o forte tom de vermelho da terra do Cerrado, que só começava a ganhar áreas esparsas de vegetação, com as chuvas que voltavam.
Os ucranianos, volta e meia, comentavam a impressão causada pela cor intensa dos grandes espaços em torno das avenidas da capital. Não faltava assunto, mas esse tema fora da pauta entrou com frequência na conversa.
Já em dezembro passado, quem veio à cidade, entre tantos visitantes, muitos deles em visita para as festas de fim de ano, foi uma carioca especial, minha mãe. E ela falava, a cada passeio, da beleza espantosa das amplas áreas de verde, vibrantes com as águas que deram fim ao longo período de seca em 2024.
Serve de metáfora para a vida cotidiana, esse ciclo que impressiona as visitas e influencia o lazer e as condições de trabalho dos brasilienses. Quando o desconforto já parece insuportável, vêm as tempestades que trazem a bonança, o tempo úmido comemorado na capital. Quando os inconvenientes dessa água toda passam a ser motivo de reclamações, as nuvens dão um tempo. Tempo seco, até bem agradável nos primeiros meses. Essa regularidade climática traz a confiança de que não há mal que sempre dure, nem bem que não se acabe.
Mas vivemos tempos estranhos. Em que a crise ambiental, de tão evidente, já é reconhecida até por crentes da terra plana; eventos extremos são rotina no noticiário; as chuvas tão esperadas, hoje trazem dilúvios, e a seca do ano passado em Brasília bateu todos os recordes históricos. Com um olho no céu outro nas previsões da meteorologia, fica a dúvida: será que, neste ano, será pior que antes?
A degradação do clima se soma à deterioração da política. Os nascidos em meados do século passado cresceram em um ambiente de moderado otimismo, de confiança no avanço civilizatório, na contenção das grandes potências pelo avanço das decisões multilaterais, na expansão do conhecimento pela tecnologia. Hoje, assistimos com horror a tecnologia servir de arma ideológica e propagação de mentiras; líderes de grandes potências comportarem-se como valentões da escola secundária sem ter quem os detenha; e, por todo lado, a dança triunfal de crendices, preconceitos e propaganda da violência.
Viver é muito perigoso, como dizia Guimarães Rosa — embora, em algum lugar na internet, você corra o risco de ver essa frase atribuída à Clarice Lispector, com aval de Mark Zuckerberg.
E o perigo parece estar aumentando. Mas, assim como a alternância verde-rubra dos jardins de Brasília entra de penetra em todo tipo de conversas dos visitantes da capital, é começo de ano: vale a pena deixar de lado o pessimismo, e, sem esquecer o mundo conturbado, buscar motivo para o espanto com a beleza, a arte, as boas causas e a alegria. Por falar nisso, e a Fernanda Torres, hein?