
Era ironia, claro. Mas notei que pertenço a um clube restrito, o mesmo que vai a certos lançamentos de livros ou sessões de cinema repletos de gente querida de cabelos brancos e um e outro sinal de intervenção estética, quando ouvi, da psicanalista — e amiga - Luciana Salum: "uai, e ainda existe Facebook?"
Verdade é que internautas novos emigraram em massa, e restaram nessa rede social poucos adeptos que não tenham visto, ainda crianças, Pelé jogar na Copa do Mundo, ou mesmo alguma apresentação ao vivo do Cazuza. E muitos dos que ficaram nem sempre somam a farta experiência de vida com muita sabedoria.
Pode ser apenas impressão, fruto dos caprichos do algoritmo, mas, para este cronista que vos escreve, parece ser, essa rede, um refúgio para inventores de histórias falsas e edificantes, que se espalham como as figurinhas de "bom-dia" enviadas por senhorinhas bem-intencionadas nos grupos de zap da família.
Houve um tempo em que era impossível abrir a página da rede sem esbarrar em criancinhas africanas sorridentes ao lado de esculturas impressionantes feitas com garrafas pet. E, com as imagens, em geral, um apelo por compartilhamentos e "likes", para fazer justiça a esses pobres artistas mirins tão subestimados...
Estranhas formações nos dedos e membros dos africaninhos, porém, denunciavam serem imagens fictícias, criadas por inteligência artificial. E haja amigo reproduzindo emocionado as figuras edulcorantes e falsas, talvez para expiar o sentimento de culpa por não fazer nada concreto pela humanidade.
Em maio e junho, entrou em cena algo mais pesado. Muito pesado: o elefante.
A imagem, claramente uma interpretação artística, mostrava um paquiderme rodeado de pintinhos, dentro do que parece um bagageiro de avião. A legenda informava: ao transportar elefantes, as empresas os cercam de pintinhos para que os bichões, que são extremamente cuidadosos, evitem se mexer no voo e prejudicar o equilíbrio da aeronave. O texto ainda cita a frase de um filósofo que nunca foi escrita ou dita por ele e reproduz a lenda de que os elefantes, ao pressentir a morte, afastam-se da manada para morrer sozinhos. Que amor.
Um site especializado em fake news, boatos.com, desmentiu a farsa; bastava o Google para ver que elefantes viajam em containers especiais, onde, se houvessem pintinhos, seriam, em qualquer turbulência, esmagados paquidermicamente. O desmentido não impediu que, em meu perfil, aparecessem, em menos de duas semanas, mais de dez reproduções do post do elefante babá de galináceos, seguidos de comentários emocionados dos amigos.
Sinal dos tempos. Ao ver, na família e no noticiário, tantas afrontas ao bom senso e empatia, as pessoas se deixam guiar sem malícia até pela tromba de simpáticas lendas urbanas. Se o empenho em reproduzir falsas histórias exemplares fosse dirigido a identificar e promover verdadeiras demonstrações de bom caráter e espírito público, quem sabe, teríamos mais exemplos humanos para nos guiar.
Basta olhar em volta, com cuidado. Não faltam histórias. Só não atraem, não viralizam. Pena, ainda ser mais cômodo buscar humanidade em elefante.