
Uma celebração e uma retomada impulsionada por inovações: é assim que a data de abertura do Festival Internacional Cinema e Transcendência pode ser vista, a partir de hoje, na programação do CCBB. Na edição de uma década, com acesso à programação gratuita, o espectador vê um festival já consolidado, mesmo que a mais recente edição date de 2022. "Ouvíamos muito do nosso público: 'quando vai ser o festival?'. Com a pandemia, tivemos um público sensacional de mais de 60 mil pessoas acessando os nossos filmes, ao longo de duas edições. Houve sessões com 1000 pessoas, on-line, assistindo ao vivo", conta uma das curadoras da mostra (ao lado de André Luiz Oliveira), Carina Bini. Com o evento, ela quer contribuir para inspirar espectadores. "Pretendemos impulsionar a fortaleza, dentro de cada espectador, para que ele seguir em frente, com maturidade, firme e forte nessa vida tão caótica contemporânea", pontua Bini. O evento trará 13 longas e oito curtas-metragens, além de diversificadas atividades paralelas.
Descolada de padrões, a seleção de filmes navega no amplo espectro que ultrapassa a experiência da tradição. "O avanço no conteúdo se dá na própria forma (dos filmes) — quando você tem um filme que é completamente livre, irreverente, ousado, há ligação que agrega na palavrinha transcendência", comenta Carina. A exemplo do longa Ecos do silêncio (de autoria própria, e que integra o evento), o diretor e curador André Luiz Oliveira destaca o tipo de filme ajustado à proposta de Cinema e Transcendência: "Criei o festival para filmes que não costumam frequentar festivais que priorizam conteúdos distópicos, identitários e modismos estéticos".
Carina Bini destaca que o apanhado de filmes sobrepassa temas de espiritualidade, com acolhimento de enorme universo de linguagens. Liberdade na criação (do filme) capaz de gerar um processo de aprendizagem no próprio cineasta, irreverência e do questionamento do fazer cinema entram como elementos de interesse no radar dos curadores. Noutro campo de conhecimentos e debates, o festival acopla shows musicais, práticas de yoga e meditação, master class (uma delas com Walter Carvalho, diretor de fotografia e cineasta) e discussões em torno de autismo e temas variados. Tudo terá início hoje, com a exibição do filme Eletromagnética — Os caminhos de uma aprendiz, às 18h30.
Na comemoração dos 10 anos, o festival estende o alcance, on-line, acoplado às atrações do streaming IMA Play, plataforma atestada pela escola da baiana Halu Gamashe (presente em palestra, hoje, às 20h), terapeuta e escritora. "Há filmes (lá) sobre cultura, história, saúde mental, bem-estar, espiritualidade — não é algo de religião. Na parceria, abrimos uma janela, com obras que conseguimos licenciar das edições passadas, basta acessar e colocar no canal do Cinema e Transcendência", conta Carina Bini.
Três perguntas // André Luiz Oliveira, curador, músico e cineasta
Desde quando se dedica a sitar, bansuri e dilruba, e em que isso fortalece a sua visão como espectador de cinema?
Estudo sitar desde 1980; dilruba e bansuri, a partir dos anos 2000. Como músico e ser humano, sim, existe uma influência enorme na forma de ouvir música, de compor e de viver. Como você colocou, não deixa de ser um fortalecimento.
A capacidade extra sensorial foi tema de alguma conversa com o ator e produtor Guilherme Reis (falecido, e homenageado no festival)?
Para mim, a "capacidade extra sensorial" é apenas um tipo de sensibilidade que todos temos, em maior ou menor grau, e acessamos muito menos do que deveríamos. Guilherme era um grande artista e figura humana muito criativa e, exatamente por isso, dialoga permanentemente com a transcendência que em última instância inclui as questões sociais, estéticas, políticas, filosóficas, espirituais — sem essa limitação de temas que separam as pessoas.
Qual a expressão primária que um não iniciado terá ao deparar com universos de Fernando Pessoa e Luna Alkalay, com ideais presentes no festival?
Considerando que você esteja se referindo ao universo da poesia — que une esses dois artistas — e que "um não iniciado" seja uma pessoa que desconhece as suas respectivas obras, acho que a expressão primária de cada um pode variar entre a "morte súbita”, como foi no meu caso ao primeiro contato com a poesia de Fernando Pessoa e, ou, o apaixonamento instantâneo pelas imagens do filme Cristais de sangue, de Luna Alkalay, quando o assisti pela primeira vez em 1974. Estar diante de uma obra de arte é sempre um risco necessário que se deve procurar experimentar.
Três perguntas // Carina Bini, curadora e cineasta
De que forma você foi iniciada pelo binômio cinema e yoga?
Fui pra Índia no final das décadas de 1990, recém-formada, fazer pós-graduação em cinema. Lá me deparei com a rica cultura espiritual e de autoconhecimento que é a tradição indiana. Foi como cheguei ao yoga, que é uma das ferramentas dessa tradição. A yoga é um preparo, a gente usa o Rata Yoga, o yoga físico, para um preparo da mente, para você realmente adquirir o autoconhecimento. Depois, realizei várias mostras de cinema indiano no Brasil; conheço profundamente o cinema daquele país, e a yoga sempre me acompanhou. Mais tarde, fui morar na Índia por uma questão familiar, tenho dois filhos indianos brasileiros. E hoje o meu cinema, e o cinema que eu gosto de assistir e criar, é um cinema que traz também, como pano de fundo, uma cultura, tanto a cultura ancestral brasileira, como culturas ancestrais e espirituais também de outros países.
Quais são as esferas mais imediatas para reflexões em torno de cinema e saúde mental?
O Festival Cinema e Transcendência cai muito como uma luva porque revela o fato de um filme impactar o nosso universo interior, e há uma vastidão nele e o conhecimento disso é bem eficaz nas questões da própria saúde mental. Conhecer o funcionamento da sua mente é uma das coisas essenciais hoje para a gente ter uma saúde. O sistema capitalista nos exige uma aceleração. Hoje tudo é instantâneo, há enxurrada de comunicação. Então chega um momento em que a mente está tão estressada, adoecida! Como fazemos essa mente acalmar? O cinema contribui para que essa mente atinja um estado mais reflexivo, meditativo, contemplativo — tópicos em que há carências. Por aí, vejo o cinema como algo ligado à saúde mental.
O que pode adiantar sobre os filmes baseados no mestre Thich Nhat Hanh (morto em 2022) e no médico húngaro Gabor Maté?
Thich Nhat é um grande mestre do Zen Budismo e com uma vida toda voltada para a meditação, para práticas que chamam o ser humano para a presença, para o aqui ou agora, para a observação da mente. O filme exibido é baseado num diário dele. Já o Gabor Maté é esse psicanalista mundialmente conhecido por ter essa profundidade nas questões do trauma. E no uso sábio deles, em busca de caminhos de amadurecimento bem distintos, com exploração de mundos internos. Traumas podem gerar insights para nos descobrirmos e entendermos.
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Festival Internacional Cinema e Transcendência
De hoje a 16 de novembro, no CCBB (SCES, Tr. 2, 3108-7600), com ingressos (de graça), mediante retirada no site https://ccbb.com.br/brasilia
