Crítica

Nada vago: retrato denso de cinema, em apaixonado filme de Linklater

Truffaut, Godard e toda a trupe sessentista francesa é celebrada em Nouvelle Vague, longa realizado pelo americano Richard Linklater

Crítica// Nouvelle vague ★★★★

Um filme que volta ao passado — sob os charmosos acordes de música sessentista — para reverenciar uma energia colossal no cinema: a obra inaugural do universo do diretor Jean-Luc Godard, Acossado (1959), que inspirou a avalanche de 150 cineastas a atiraram-se na produção de filmes, na França, em três anos.

Em busca de uma "produção normal", na trama, Georges de Beauregard (Bruno Dreyfürst) arrebata o grupo Godard (Guillaume Marbeck), cineasta, e os atores Jean-Paul Belmondo (Aubry Dullin) e Jean Seberg (Zoey Deutch). O problema é que Godard assume: fizesse ele, em cinema, algo sobre Jesus, filmaria na tal adaptação, "o que ficou de fora da Bíblia". No set, Godard imprime parâmetros, a maquiadora ficará sem função; a continuísta, desprezada; o produtor será digno de rasteira e, os atores, falarão qualquer coisa, em cenas a serem dubladas.

Desprendido de modelos, Richard Linklater, o diretor de Nouvelle Vague, que já respondeu por O homem duplo, Assassino por acaso, Boyhood e Antes do anoitecer (e outros dois títulos da trilogia), investe, em estilo documental, no meio godardiano: capta o clima da importante publicação Cahiers du Cinéma, quebra regras, ostensivamente, das expectativas da montagem, fometa a linha conceitual das fitas celebradas depois do marco de Os incompreendidos (1959), no Festival de Cannes que celebrou François Truffaut.

Algo hermético para o público em geral, Nouvelle vague (indicado ao Globo de Ouro de melhor musical ou comédia) se assemelha ao monumental Babilônia, de 2022, mas em tom discreto e em preto e branco. Na narrativa o cinema rima com libertação (como ressaltado no roteiro) de terrores: as sessões de cinema representam a fuga do "terror da escola" e do "terror da vida real" (na visão do personagem de Truffaut) enquanto Godard brada aos colegas diretores: "o cinema não deveria nos libertar do terror de fazê-los (os filmes)". Uma cascata de nomes e referências enchem a tela.

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Entre plágios e "homenagens", o Godard do filme de ficção pesca inspirações, para si, em Samuel Füller e Ingmar Bergman. Nos bastidores da realização de Acossado, Godard tropeça em figuras como os diretores Jean-Pierre Melville e Robert Bresson, como num sonho para os cinéfilos (espectadores), trata de Otto Preminger e Roberto Rossellini e das roteiristas Suzanne Schiffman e Liliane Dreyfus (esta também atriz). "A arte e o crime carecem de lazer para prosperar", defende o fictício Godard da telona, num filme que implanta lendas e encanta pela luminosa fotografia de David Chambille.

 

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