Gestão pública

Correio Talks: Reforma administrativa é tema de debates; confira as opiniões

Participantes do Correio Talks sobre a proposta de mudanças no funcionalismo ressaltam as fragilidades da PEC 32, como atingir apenas os servidores com salários mais baixos. Medida não resolve os problemas previdenciário e fiscal urgentes

Simone Kafruni
Vera Batista
postado em 10/09/2020 06:00 / atualizado em 24/09/2020 11:35
 (crédito: MINERVINO JUNIOR                    )
(crédito: MINERVINO JUNIOR )

Ao propor o fim da estabilidade dos servidores públicos e dar ao Poder Executivo o direito de extinguir órgãos com uma canetada, entre outras medidas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020, entregue pelo governo ao Congresso Nacional na semana passada, gera polêmica entre parlamentares, especialistas e sindicalistas. Para ampliar o debate sobre o tema espinhoso, o Correio promoveu, nesta quarta-feira (9/9), um webinar com a participação de representantes de cada uma das categorias.


Durante o Correio Talks Reforma Administrativa, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, defendeu a aprovação urgente da PEC 32, considerada essencial para desinchar a máquina pública, mas admitiu que o texto enviado pelo governo, que é apenas uma primeira parte de mudanças mais amplas, precisa de reformulações.

O deputado Israel Batista (PV-DF), coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Setor Público, condenou a restrição da estabilidade a algumas carreiras de Estado, por considerar que a medida poderá ampliar o apadrinhamento e as indicações políticas no serviço público, retirando do funcionário de carreira o destemor necessário para enfrentar os inquilinos do poder.

“A estabilidade é inegociável”, argumentou o deputado Israel, endossado pelo presidente do Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, e por Sérgio Ronaldo, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal e da Federação Nacional dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef/Fenadsef). Já o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, lamentou que a proposta não apresente um diagnóstico que a fundamente. “O assunto é sério e não há dados sobre onde estão os problemas”, justificou.


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O momento é inoportuno

 (crédito: Reprodução)
crédito: Reprodução

Em meio à pandemia e sessões remotas no Congresso Nacional, o debate da reforma administrativa da PEC 32 é inoportuno, defendeu o deputado Israel Batista (PV-DF). “A discussão sobre as mudanças no serviço público vai consumir uma energia imensa e tirar fôlego de outros assuntos mais importantes para a retomada econômica, como a reforma tributária. O país está no caminho errado”, disse.

O momento, opina o parlamentar, é ruim. “O Congresso está trabalhando de forma remota. Os debates estão prejudicados. Não podemos instalar comissões especiais para debater o mérito. A sociedade está desmobilizada e grande parte dos servidores está na linha de frente da pandemia.” Para ele, a proposta do governo é uma reforma fiscalista. “Não tem por finalidade melhorar o serviço público. Os proponentes ficam satisfeitos se houver, como resultado, o corte de custos”, afirmou.

Além disso, acrescentou, o texto é baseado numa série de dados e estatísticas que “podem gerar conclusões exageradas”, no entender do deputado. “Primeiro, diz que a máquina pública está inchada. Na comparação com outros países, o Brasil tem percentual menor de servidores, de 12%. Enquanto a média entre os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é de 21%, quase o dobro”, comparou.

O ponto mais grave, de acordo com Israel, é o fim da estabilidade. “É inegociável, porque o Brasil ainda é coronelista. É o país do apadrinhamento político. Prefeitos e vereadores nomeiam 45% de professores sem concursos. Há estados em que 90% dos professores são temporários”, observou. “O governo não pode extinguir cargos. Isso tem que passar pelo Congresso, senão é absolutismo.” (SK)

Fim das castas privilegiadas

 (crédito: Reprodução)
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A reforma administrativa é essencial para fazer a máquina pública caber no bolso do cidadão e acabar com castas privilegiadas. A opinião é do coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), para quem a PEC 32 diz respeito à modernização das regras que regem o serviço público. “Ninguém quer continuar vivendo num país com qualidade de serviço público baixo, educação ruim, saúde precária e índice de criminalidade muito alto. Estamos no século 21.”

O parlamentar observou que a péssima qualidade não é culpa do servidor. “Ele é uma vítima do sistema atual. Não é reconhecido, o ambiente não é motivador”, disse. Mitraud ressaltou que a reforma administrativa não se resume à PEC, que seria apenas um primeiro passo. “Há um cronograma de três fases que vão se suceder por meses e até anos. Mas já aguardamos 22 anos. Isso deveria ter ocorrido na década de 1990. Se formos esperar mais, porque estamos em pandemia, nunca vamos enfrentar este tema com a seriedade que precisa.”

O deputado reconheceu que muitos temas ficaram de fora da PEC. “Castas privilegiadas ficaram de fora e precisam entrar, especialmente do Judiciário, que tem privilégios incompatíveis com a realidade do Brasil”, explicou. “Talvez a estabilidade não devesse ter sido o primeiro tema a ser debatido. Ela não pode ser vista como o mal do serviço público porque evita que políticos de plantão façam coerção dos servidores. Mas a estabilidade de forma geral e irrestrita como existe hoje, com ausência de mecanismos para medir resultado, acaba sendo estímulo para ineficiência.” (SK)

Sobra para o "andar de baixo"

 (crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press)
crédito: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press

A Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) representa 80% do funcionalismo. Secretário-geral da entidade, Sérgio Ronaldo da Silva afirmou durante o Correio Talks que, sempre que se fala em reforma administrativa, o mais prejudicado é “o andar de baixo”. O texto enviado pelo Executivo, segundo ele, vai na contramão do que o serviço público necessita.

“Se aprovada essa reforma, e vamos fazer de tudo para que não seja, significa transferir servidores a uma situação ‘para chamar de seu’, como quiseram fazer com a Polícia Federal, ou como ‘os guardiões do Crivella’. E isso não vamos admitir. Querem voltar à mamata do passado. Nós resistiremos. Queremos a modernização do Estado, mas não essa reforma.”

Silva enfatizou, ainda, durante o debate, que todas as reformas anteriores (trabalhista, da Previdência ou até as regras da terceirização) vieram com o objetivo de alavancar emprego, incentivar a atividade econômica e o desenvolvimento. Na prática, contudo, nenhuma delas teve o resultado pretendido. Da mesma forma, ele não crê que a economia anunciada, ontem, pelo ministro Paulo Guedes, de R$ 300 bilhões, em 10 anos, seja efetiva.

“Muitos dos nossos pares são adjetivados como os barnabés do serviço público. Esse adjetivo nos incomoda bastante. Mas isso quer dizer que somos excluídos. Há de se perguntar: por que sempre que se fala em reforma, os atingidos são sempre do andar de baixo?” E reforçou: “Estão fazendo com que o servidor concursado tenha vergonha de ser servidor e de estudar para passar no concurso.” (Vera Batista)

Servidores agredidos

 (crédito: Reprodução)
crédito: Reprodução

Contrário à reforma administrativa, o presidente do Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, considerou o texto pautado em estigmas e fake news. “São tantas as mentiras que servidores públicos são agredidos, porque dizem que a máquina é ineficiente por completo. Há exemplos de excelência, veja o Banco Central (BC) lançando o PIX (sistema automático de pagamento), e os pesquisadores das universidades públicas e da FioCruz (Fundação Oswaldo Cruz), que estão no mesmo nível das melhores instituições do mundo”.


Marques criticou várias medidas da PEC 32. “A extinção de órgãos pelo Executivo é um retrocesso tão grande que não acredito que o Congresso vai levar adiante. Além do mais, as parcerias propostas com o setor privado abrem margem para apropriação do Estado”, avaliou.

O sindicalista considerou covardia o governo encaminhar a proposta neste momento, quando muitos servidores estão na linha de frente no combate à pandemia. “São médicos, enfermeiros, pesquisadores. Professores se virando no ensino a distância. Como esse contingente de trabalhadores vai parar tudo para debater um texto que, no nosso entendimento, é ruim?”

Marques afirmou que a proposta não moderniza as regras do funcionalismo. “Pelo contrário, precariza as relações de trabalho, ‘uberiza’ o serviço público. É uma reforma de RH (recursos humanos) malfeita, que não indica qualquer economia e em que medida o serviço público vai ser melhorado se for aprovada como está. Além disso, não foi discutida com as entidades de classe. Só nos deixa uma alternativa, que é rejeitá-la.” (SK)

"Maior cascata que eu já vi"

 (crédito: Janine Moraes/CB/D.A Press - 23/7/13)
crédito: Janine Moraes/CB/D.A Press - 23/7/13

Falta diagnóstico e fundamentação na reforma administrativa. O economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, disse que ficou “estarrecido” com o recente anúncio da reforma administrativa, tema que começou a ser discutido em 1998. “Não sei se estarei vivo para ver os efeitos, que só devem surgir em 20 anos ou 25 anos”, ironizou.

“É a maior cascata que eu já vi. Isso é muito estranho. Qual é o cálculo para os novos? Na minha modéstia opinião, o que está faltando na reforma é um diagnóstico que a fundamente. O assunto é sério e não tem dados sobre onde estão os problemas”, afirmou. Velloso apresentou seus cálculos e demonstrou os motivos de o rombo no Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) ter dado um salto de 2011 a 2019.

Para o economista, conhecer o comportamento do deficit ao longo do tempo é fundamental. Era da ordem de R$ 23 bilhões em 2011 e passou para R$ 111 bilhões, no ano passado. “Um pulo absurdo. E, se somarmos os servidores da União e os demais, o número sobe para quase R$ 240 bilhões. Isso é fundamental e uma peça importante sobre a questão do funcionalismo”, destacou.

Ele pegou o exemplo do estado de São Paulo, onde o rombo é mais comportado no país . “Ainda assim, está à beira do caos. Precisa de uma solução muito mais complexa, que aporte de recursos nos fundos de pensão. Quanto tempo se mantém o regime de investimentos de São Paulo sem zerar? Cinco anos. Em síntese: os orçamentos públicos (federal, estadual e municipal) vão ter o fenômeno da zeragem do investimento em muito pouco tempo. Aqui está o diagnóstico e a solução de como equacionar. É isso que o Ministério da Economia tinha que fazer.” (VB)

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