A queda de braço entre os peritos médicos e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) está longe de terminar. Enquanto isso, aproximadamente 800 mil pessoas dependentes de perícias para receberem seus benefícios assistem impotentes ao confronto. Ontem à noite, a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu da liminar concedida pelo juiz federal substituto da 8ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, Márcio de França Moreira, que suspendeu o retorno da categoria ao atendimento presencial nas agências do INSS, em todo o Brasil. A medida também susta os efeitos de um ofício, de 15 de setembro, que fixou as novas regras para as inspeções nas unidades do órgão. E mais: proíbe o governo de cortar o ponto e a remuneração dos servidores que não se apresentarem nas agências para trabalhar. (Veja aqui como está o funcionamento das agências no DF).
No recurso da AGU, o governo argumenta que “a decisão agravada (que suspendeu o retorno e o corte de ponto), além de não atender ao requisito da probabilidade do direito, causa irreparável prejuízo à União, ao INSS e a centenas de milhares de beneficiários da Previdência Social, parcela vulnerável da sociedade”. A ação é assinada pela advogada da União Júlia Thiebault Sacramento e pelo procurador federal Ricardo Mendes Ferreira.
A AGU salienta que documentos “comprovam o rigoroso cuidado que precede a reabertura de cada agência do INSS” que vem sendo considerada adaptada aos protocolos de funcionamento devido à pandemia da covid-19. Observa, ainda, que são “graves prejuízos causados pela não realização das perícias”.
Resistência
A ação que teve liminar concedida foi protocolada pela Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP). A entidade resiste a retomar os trabalhos presenciais sob a alegação de falta de condições sanitárias contra a covid-19, o que o governo nega.
A associação acusa o Executivo de ter flexibilizado os protocolos para declarar aptas um maior número de agências. Enquanto o INSS diz haver mais de 400 das 1,5 mil unidades adequadas às condições sanitárias, a categoria reconhecia apenas 123 de 145 vistoriadas.
“O total de inaptas até agora são 22. Os gerentes dessas agências já estão trabalhando nas melhorias necessárias para permitir a abertura do atendimento o mais breve possível. Repetimos que não há caos nem situação de emergência ou calamidade na Previdência Social. Todos os benefícios estão sendo devidamente acolhidos e tratados no que concerne à perícia médica, infelizmente agendamentos precipitados e irresponsáveis por parte do secretário de Previdência e do INSS causaram dissabor desnecessário a segurados da autarquia”, reforçou a ANMP, acrescentando que nas consideradas OK pela categoria o atendimento será normal.
A ANMP passou a cobrar a revisão da lista com os itens de segurança criada para conferir as condições das unidades e queria fazer novas inspeções, comandadas pelos próprios peritos. Um dos pontos de impasse, por exemplo, é a quantidade de pias para lavar as mãos: o governo considera adequado uma única pia, em área comum, a cada dois consultórios, mas a entidade de classe vê necessidade de uma pia em cada consultório de perícia.
Na liminar, o magistrado observou “claro retrocesso” na revisão de protocolos de segurança feitos pela União para garantir a reabertura de agências do INSS, na semana passada. As mudanças incluíram a exclusão de alguns critérios, como a demarcação para fila com distanciamento; assentos laterais sem o distanciamento mínimo de um metro; dispensa do uso de máscaras cirúrgicas fornecidas pela unidade no momento da perícia; consultórios com ventilação artificial; e pia de higienização comum a dois consultórios, e não um em cada sala.
Segundo o juiz, as mudanças no protocolo de inspeção foram “significativas e enfraqueceram as medidas de prevenção, controle e mitigação dos riscos” do novo coronavírus. A ANMP garante que os peritos “nunca estiveram em movimento paredista, mas apenas denunciaram a flagrante violação sanitária promovida pelo INSS a suposto pretexto de atender aos anseios populares”.
Os passos do confronto
• Desde 14 de setembro, o Executivo vem tentando convencer os peritos, sem sucesso. Governo e médicos peritos não chegam a um acordo sobre a adaptação das agências do INSS conforme os protocolos de higiene para a pandemia. Categoria acusa poder público de não atender às regras.
• Subsecretária da Perícia Médica Federal Substituta, Vanessa Justino, revoga unilateralmente, em 15 de setembro, ofício que havia assinado, no dia anterior, com o presidente do INSS, Leonardo Rolim, estabelecendo as orientações para as inspeções. Episódio foi visto como quebra de hierarquia e o comando da subsecretaria foi substituído.
• Ainda em 15 de setembro, o INSS e o secretário de Previdência, Narlon Gutierre, restabeleceram o ofício das inspeções que havia sido revogado pela ex-subsecretária. Este ofício teve os efeitos suspensos pela decisão da Justiça Federal.
• Após as inspeções, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho passou a publicar convocações públicas no Diário Oficial da União para os peritos retomarem as atividades presenciais. O secretário Bruno Bianco alertou publicamente que quem não voltasse teria o ponto cortado, com reflexos no salário.
• Desde 21 de setembro, a volta dos peritos vem sendo lenta. A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho e o Instituto Nacional do Seguro Social informaram que, ontem, dos 763 peritos médicos que deveriam ter retornado ao atendimento presencial, 421 compareceram –– 77% do total. No dia anterior, eram 51%, em 135 agências com perícia médica.
Ontem, o juiz ainda determinou o restabelecimento do ofício sobre inspeções que tinha apoio da ANMP e mandou o governo “realizar novas inspeções nas salas de perícia médica das APS (agências da Previdência Social) aprovadas pelo ato ora sobrestado”.
• INSS fará contato, até amanhã, com os segurados para remarcar as perícias de quem não conseguiu agendá-la –– são estimadas 8 mil pessoas nesta situação. Mas, quem quiser se antecipar, poderá tentar a reinscrição pelo número 135 ou pelo aplicativo Meu INSS.
• Mas tome cuidado: nestas ligações, o INSS não solicita dados bancários ou de benefício. A pessoa que recebe a ligação não deve passar informações pessoais. O atendimento começou ontem e já foram feitas 8 mil ligações para aqueles que procuraram o órgão, entre 14 e 22 de setembro.
• O INSS informou, ainda, que mais uma central de atendimento está em processo de contratação para o canal 135, com possibilidade de aumentar em 30% a capacidade de atender a população.
• E, em breve, beneficiário poderá ligar do celular para a central 135 sem custos. A previsão é de que, em no máximo 60 dias, as ligações de celulares sejam gratuitas. A gratuidade se aplica, por ora, somente a ligações por telefones fixos.