BALANÇA COMERCIAL

Apesar do superavit em 2020, Brasil sofre com queda de exportações

Superavit da balança de 2020, de US$ 51 bilhões, foi o maior desde 2018, mas não reflete a melhora da competitividade do Brasil no mercado internacional, porque houve queda nas exportações e nas importações. País tem muitos desafios pela frente

Rosana Hessel
postado em 05/01/2021 06:00
 (crédito: AFP / CLEMENT MAHOUDEAU)
(crédito: AFP / CLEMENT MAHOUDEAU)

A pandemia da covid-19 colocou o mundo em recessão e fez estragos no comércio internacional em 2020. Pelas estimativas da Organização Mundial do Comércio (OMC), o intercâmbio global deverá crescer 7,2%, em 2021, depois de desabar 9,2% no ano passado. E, no Brasil, o avanço deverá ser mais modesto pelas projeções da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia, que estima alta de 5,5% na corrente de comércio — resultado da soma dos embarques e desembarques —, para US$ 389,2 bilhões. Segundo analistas, há muitos desafios para o país ser mais competitivo.

Conforme dados da Secex divulgados, ontem, após as quedas de 6,1%, nas exportações, e de 9,7% nas importações, a balança comercial brasileira registrou superavit de US$ 51 bilhões, o terceiro melhor da série histórica iniciada em 1989, e o maior desde 2018. O resultado, no entanto, ficou levemente abaixo das estimativas do mercado devido, principalmente, ao aumento de quase 40% nas importações de dezembro, fruto de um artifício contábil da nacionalização de cinco plataformas de petróleo, pelo regime especial Repetro, que somou US$ 4,7 bilhões.

Em 2020, a corrente de comércio do país somou US$ 368,8 bilhões, dado 8,4% inferior aos US$ 402,7 bilhões contabilizados em 2019. Para este ano, as projeções da Secex indicam crescimento de 5,3% nas exportações e de 5,8% nas importações, resultando em um superavit de US$ 53 bilhões.

Apesar do saldo positivo na balança comercial em 2020, o Brasil não tem muito o que comemorar, na avaliação de José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “As importações e as importações tiveram queda. O superavit foi uma mera consequência desse quadro que ainda mostra o comércio brasileiro cada vez mais dependente das exportações de commodities e pouco competitivo no mercado de produtos manufaturados e de maior valor agregado”, avalia.

Castro destaca que o país perdeu mercado junto a importantes parceiros comerciais, como Estados Unidos, Argentina e União Europeia e o crescimento das exportações brasileiras deste ano será mais um efeito estatístico sobre uma base muito ruim. “Voltamos ao patamar de 2010, com quase US$ 210 bilhões embarcados, ou seja, não houve avanços nessa década”, destaca.

A última previsão da AEB estimava saldo positivo de US$ 51,9 bilhões em 2020, e, para 2021, a entidade está mais otimista do que o governo, pois espera um superavit comercial recorde de US$ 69 bilhões, puxado pela alta das exportações, principalmente, para a China, maior parceiro comercial do Brasil. Soja e minério de ferro, principais itens da pauta brasileira, não colocam o país como protagonista no cenário externo. “O Brasil não consegue aumentar sua participação no comércio global há várias décadas. Reforma tributária e mais investimentos em infraestrutura, que ajudariam a melhorar a competitividade, não avançaram”, lamenta. Castro lembra que a ineficiência da logística e a elevada carga tributária pesam em 30% no preço final dos produtos nacionais lá fora, o chamado Custo Brasil.

Na avaliação de Wagner Parente, especialista em relações internacionais e CEO da BMJ Consultores Associados, “o que tinha de notícia boa para o agronegócio, que foi o destaque da pauta exportadora brasileira em 2020, já aconteceu”.

Diplomacia abandonada

Graças ao abandono da tradicional diplomacia e aos retrocessos na área ambiental de integrantes do governo Jair Bolsonaro, o país deverá sentir as consequências tanto nos investimentos quanto no comércio, de acordo com analistas ouvidos pelo Correio. Para eles, será preciso mudanças no rumo nessas duas agendas e troca de ministros.

Em meio ao aumento recorde dos números de desmatamentos e queimadas do país, a ratificação do tratado de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, assinado em junho de 2019, está parada nos parlamentos dos países-membros enquanto o governo brasileiro afrouxa as regras e sucateia órgãos fiscalizadores do Meio Ambiente. E o país continua isolado na área comercial, apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, assim que tomou posse, garantir que a abertura comercial era uma das prioridades.

“Um dos maiores problemas para a abertura é o Custo Brasil. É uma tarefa enorme reduzi-lo para tornar o país competitivo”, destaca o diplomata Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil na China, na Alemanha e nos Estados Unidos. Na avaliação do diplomata, o mérito do acordo entre UE e Mercosul não é do atual governo, mas da diplomacia brasileira, porque foi negociado nos últimos 20 anos e assinado com a condicionante de respeito ao Acordo de Paris.

Ratificação parada

“A ratificação do acordo UE-Mercosul está paralisada, e não digo que de todo inviabilizada, por conta das políticas regressivas na gestão ambiental e no desrespeito aos povos indígenas”, explica Abdenur. Ele acredita que a diplomacia brasileira sofreu um retrocesso ao permitir que o país se tornasse um vilão internacional, algo muito ruim para imagem, que é difícil reverter. Para piorar, com a expectativa de uma ação mais conjugada entre UE e os Estados Unidos, sob o comando do democrata Joe Biden, defensor da causa ambiental, a partir de 20 de janeiro, o diplomata reconhece que é provável que o acordo UE-Mercosul sofra retrocessos, “pois os europeus estarão mais interessados em se aproximar da maior economia do planeta do que do Brasil”.

Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que a pandemia acelerou uma mudança na percepção global sobre a importância da preservação ambiental e o Brasil está à margem dessa nova tendência, podendo perder mais um bonde da história. “Essa é uma agenda moderna e o custo da preservação ambiental entra nos balanços de riscos dos investidores. Se o Brasil ficar de fora, os riscos de sofrer as consequências por não estar alinhado com as tendências do mundo aumentam. É uma questão de negócios. Não é uma questão ideológica. E, futuramente, haverá punições para quem não preservar”, alerta.

Para Wagner Parente, CEO da BMJ Consultores Associados, Bolsonaro poderá dar uma boa sinalização de mudanças na diplomacia e na área ambiental na próxima reforma ministerial, prevista para fevereiro. “O Brasil está isolado do mundo e tende a ficar ainda mais isolado enquanto mantiver figuras da ala ideológica do Itamaraty e do Meio Ambiente atrapalhando a economia”, critica.

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