Benefício

Em meio à incerteza sobre auxílio, famílias sofrem para colocar comida na mesa

Equipe econômica estuda volta da ajuda para metade dos beneficiários. Enquanto assunto é discutido, cidadãos de baixa renda procuram por alternativas para sobreviver

Israel Medeiros*
Carinne Souza*
postado em 05/02/2021 22:28
 (crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)
(crédito: Marcello Casal JrAgência Brasil)

O fim do pagamento do auxílio emergencial, em dezembro, escancarou a desigualdade no país, que se intensificou em meio à pandemia do novo coronavírus. Criado para trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, o benefício foi a única fonte de renda para mais de 10 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza durante grande parte do ano passado.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), são 13,5 milhões de brasileiros desempregados e 13 milhões vivendo abaixo da linha da pobreza. Desses, 80% tinham apenas o valor do auxílio para comprar produtos de necessidade básica, como comida. De acordo com pesquisa realizada pelo Datafolha em agosto de 2020, 53% dos entrevistados usaram o pagamento para comprar comida. No Nordeste, o índice chegou a 65%.

Na noite da última quinta-feira (4), o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o benefício poderá retornar em 2021. Mas, desta vez, seria pago apenas para metade dos beneficiários. A declaração foi feita logo após uma reunião com o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), novo presidente do Senado Federal que recebeu o apoio do presidente Jair Bolsonaro durante a eleição. Vale lembrar, também, que Arthur Lira (PP-AL), eleito presidente da Câmara dos Deputados, também recebeu o apoio de Bolsonaro.

Isso significa que as lideranças de ambas as Casas estão alinhadas com o chefe do Poder Executivo —abrindo, assim, caminho para as pautas consideradas prioritárias para o governo, que vão desde as reformas tributária e administrativa, até medidas em busca de recuperação de popularidade, como é o caso de um novo lote de pagamentos do auxílio emergencial.

Enquanto as discussões se arrastam, aqueles que dependem do auxílio para viver já enfrentam sérios problemas financeiros. O pedagogo Pedro Henrique Gonçalves de Oliveira, de 27 anos, foi um dos beneficiários do auxílio emergencial pago em 2020. "Recebi todas as parcelas do auxílio, foram cinco de R$ 600 e quatro de R$ 300. Na época em que a pandemia começou, eu trabalhava como educador social voluntário em uma escola pública. As escolas fecharam, o projeto parou e eu fiquei à deriva, porque não tinha vínculo empregatício", revela.

Pedro conta que morava sozinho há três anos, mas que, com a redução da renda, se viu forçado a voltar à casa de sua mãe. "No começo, com o benefício, eu conseguia me virar. Mas em setembro, tive que vir para a casa da minha mãe. O auxílio diminuiu, eu não conseguiria pagar aluguel e me alimentar", afirma o pedagogo, que chegou a negociar o valor pago no aluguel no início da pandemia.

Quando soube que o auxílio duraria até o fim de 2020, Pedro estava enfrentando problemas familiares e não conseguiu guardar dinheiro. "Eu estava viajando para Minas Gerais. Meu avô está de cama porque sofreu três AVCs. Minha mãe, que mora aqui em Brasília e é técnica em enfermagem, consegue materiais e dietas para ele. Não consegui guardar dinheiro, porque eu não podia me planejar com as parcelas de R$ 300. E eu não podia depender dos meus familiares, porque eles também estavam recebendo auxílio", lembra.

Pedro diz estar desesperado na busca por um emprego, enviando currículos e procurando por vagas até fora de sua área de atuação. Segundo ele, a mãe "tem mantido a casa sozinha e tem sido complicado. Ela deixou de fazer coisas que precisava, como um tratamento dentário".

Bolsa Família

Para Raquel Medeiros, 37 anos, conseguir um emprego também está difícil. Desempregada há mais de um ano, a moradora do Setor P Sul, em Ceilândia (DF), encontra constante dificuldade de se inserir no mercado de trabalho, principalmente durante a pandemia. Durante os meses de pagamento do auxílio no último ano, o montante foi a única fonte de renda para alimentar os filhos. "Foi uma situação muito difícil. Em dezembro, ao receber a última parcela, ficamos desesperados, principalmente porque não consigo arrumar emprego e meu filho mais velho consegue apenas bicos para me ajudar", relata.

Apesar do fim do pagamento, Raquel voltou a receber o Bolsa Família, mas explica que o valor é muito baixo e não chega a durar um mês inteiro. "Eu tenho quatro filhos e uma neném. O que eu faço com R$ 260 para sustentar todos nós? Não tem condição desse dinheiro durar o mês inteiro, compro coisas básicas e, mesmo assim, muita coisa ainda falta. É uma tristeza", lamenta. Para ajudar no que falta, ela conta com a ajuda das irmãs que "trazem algumas coisas básicas de alimento, mas, ainda sim, não é muito. Elas têm compromisso e a própria família para sustentar".

Raquel conta, ainda, que há dias em que a família não tem nem pão para comer de manhã. " (A continuidade do auxílio) Seria um grande alívio. Tem muita gente passando necessidade. Não só eu, mas muitas famílias e muitas mães. Algumas tiveram até o Bolsa Família suspenso sem nem saber o motivo".

*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro

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