Estatais

OCDE alerta Brasil: Governo não pode interferir em estatais

Para a OCDE, o comando das empresas públicas não deve ser indicado de forma política pelos governantes, mas de forma técnico pelos Conselhos de Administração dessas companhias

Marina Barbosa
postado em 02/03/2021 14:25 / atualizado em 02/03/2021 14:26
 (crédito: MAURO PIMENTEL)
(crédito: MAURO PIMENTEL)

O governo brasileiro não pode interferir de "maneira cotidiana" nas estatais, nem tirar do Conselho de Administração dessas empresas a responsabilidade de nomear, de forma técnica, a sua diretoria executiva. A recomendação é da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

"O Conselho de Administração é um ponto extremamente importante, porque o conselho precisa ser profissionalizado e deve ser independente dos poderes públicos. Não é possível que o Estado interfira de maneira cotidiana nessas empresas. Ele deve levar a sério seu papel", declarou o economista-sênior da OCDE, Hans Christiansen, que apresentou nesta terça-feira (2/3) um relatório da OCDE sobre a governança das estatais brasileiras.

O alerta da OCDE vem poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro anunciar a demissão de Roberto Castello Branco e a nomeação do general Joaquim Silva e Luna para o comando da Petrobras. A manobra foi classificada como uma interferência política pelo mercado, que agora teme novas mudanças na estatal. Por isso, derrubou em mais de R$ 100 bilhões o valor de mercado da Petrobras.

Christiansen não comentou o caso específico da Petrobras, mas admitiu que "vemos isso nos jornais" ao apresentar as recomendações da OCDE para a melhoria da gestão das estatais brasileiras. E o analista de políticas da OCDE, Caio Oliveira, foi categórico sobre o assunto. "O Conselho de Administração deve ser o único com poder de destituir ou nomear o comandante das estatais. Não deve ser uma prerrogativa de ministros ou chefes de governo nomear ou destituir chefes de estatais", afirmou Oliveira.

O analista de políticas da OCDE explicou que o "Conselho de Administração é um filtro de indicações políticas, não técnicas, para estatais, como acontece nas companhias privadas, que escutam o acionista controladir, mas a decisão final deve ser do Conselho de Administração". E Christiansen alertou que "os casos mais horrorosos que vimos na OCDE" envolvem governos que "interferem diretamente nas empresas".

Ele explicou que, se não for indicado de forma técnica pelo Conselho de Administração, o presidente da estatal entenderá que não precisa seguir as regras de governança da empresa. "É assim que as coisas começam a não funcionar muito bem", alertou. Como mostrou o Correio, um terço das 46 estatais que são dependentes do Tesouro é comandado por militares hoje em dia no Brasil.

Recomendações

Para evitar problemas como esse, a OCDE desenhou um modelo de gestão para as estatais que passa pela separação de poderes. A ideia é que o governo, enquanto proprietário ou acionista majoritário da empresa, determine as regras e a forma de execução da propriedade das estatais, mas que a regulação dessas regras e empresas ocorra de forma paralela e independente, pelos órgãos de controle e pelo Conselho de Administração das estatais.

A OCDE ainda fez série de recomendações específicas para o Brasil no relatório "Revisão da OCDE sobre a governança corporativa de empresas estatais", que conta com 204 páginas. Entre as recomendações estão a definição clara das metas das estatais, o reforço da função de propriedade, a garantia da concorrência e o tratamento justo dos acionistas dessas empresas.

Christiansen explicou que "as estatais devem operar e estar sujeitas a metas financeiras e não-financeiras completamente transparentes", "a administração do Estado deve exercer a sua propriedade de maneira plena, mas essa função deve ser separada da função regulatória para evitar conflitos de interesse", "se estão no mercado, elas [as estatais] devem estar sujetias às mesmas regras e regulações de outras empresas" e "o Estado não deve usar essas empresas para obter vantagens indevidas com relação aos outros investidores".

"Estatais podem, sim, ter objetivos que não só o lucro, mas esses objetivos precisam ser definidos claramente. Se o governo intervir constantemente, não é possível que as estatais sejam eficientes e atinjam suas medidas públicas", reforçou o analista de políticas da OCDE, Caio Oliveira. Ele também insistiu na necessidade de profissionalizar a escolha dos presidentes das estatais, recomendando, inclusive, a contratação de consultorias que possam ajudar nesse processo.

Representes do BID Invest e da Embaixada do Reino Unido reforçaram que o Brasil precisa aperfeiçoar o processo de escolha do comando das estatais e a supervisão das regras de governança desas empresas, além de tornar mais claras as metas das estatais, caso queira passar mais confiança para os investidores externos.

Presente no evento da OCDE, o secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados da pasta, Diogo Mac Cord, disse que o Ministério da Economia está disposto a caminhar junto com a OCDE para implementar essas ações de melhoria da governança. Ele também garantiu que algumas ações já em curso nesse sentido, sobretudo com o intuito de dar mais transparência aos resultados das estatais, medir as boas práticas de governança e os custos dessas empresas. Mac Cord lembrou também que o governo brasileiro pretende avançar com a desestatização da Eletrobras e dos Correios neste ano.

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