BANCO CENTRAL

Campos Neto admite que crise hídrica afeta inflação e política monetária

De acordo com presidente do Banco Central, nova crise de energia vai aumentar preço dos alimentos e tem impacto na taxa de juros neutra e no mercado de crédito

Rosana Hessel
postado em 02/06/2021 13:55 / atualizado em 02/06/2021 17:23
 (crédito: Raphael Ribeiro/ BCB)
(crédito: Raphael Ribeiro/ BCB)

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu a preocupação do impacto da crise hídrica na política monetária, devido às pressões inflacionárias, e ainda alertou para o impacto na taxa de juros e no mercado de crédito.

“Estamos falando, de novo, de crise de energia (no Brasil), porque não está chovendo o suficiente. E isso tem efeito na inflação, no preço dos alimentos, em tudo o que fazemos, e está muito ligado ao nosso mandato”, afirmou Campos Neto, nesta quarta-feira (2/6), durante videoconferência promovida pelo Bank for International Settlements (BIS, o banco central dos bancos centrais) para discutir a economia verde e uma coordenação entre finanças e clima.

O ministro reconheceu que a crise hídrica deverá afetar a política monetária do Banco Central. "Os choques (inflacionários por conta da crise hídrica) devem ter impacto, inclusive, na taxa de juros neutra. E quando olhamos para o mercado de crédito, ele também é contaminado”, afirmou Campos Neto.

Analistas do mercado, aliás, já vêm alertando sobre esse risco de mudança na política monetária devido à pressão inflacionária cada vez mais forte tanto no Brasil quanto no exterior. E, para piorar, com a crise hídrica, o aumento do custo para o consumidor na conta de luz vai contribuir ainda mais para esse cenário em que a política de "normalização gradual" da taxa básica de juros (Selic) precisará ser revista.

Diante desse cenário inflacionário em que os preços dos alimentos já rodam em torno de 15% em 12 meses, especialistas aumentam as projeções para a inflação deste ano no mesmo ritmo em que revisam para cima as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano. E passam a admitir taxas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, perto de 6%, no acumulado em 12 meses até dezembro, acima do teto da meta deste ano estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), de 5,25% anuais.

O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), por exemplo, já vinha prevendo que o IPCA encerraria o ano em 5,8%, antes mesmo de o governo admitir o risco de crise hídrica na semana passada. Nessa terça-feira (1º), por exemplo, o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ao elevar de 3,2% para 4,1%, ajustou a previsão do IPCA para 5,8% no fim do ano, “por conta do impacto mais recente em energia e pela continuidade da alta dos preços das commodities”.

Vale reajustou de 5,5% para 6,5% a previsão para a taxa básica de juros (Selic) no fim do ano. “Passamos a considerar que o BC poderá ter que subir a Selic acima de 6,5%, com a inflação gradativamente, começando a descolar da meta ano que vem (de 3,5%)”, acrescentou. Esse percentual de 6,5% é considerado pelo mercado como o limite da taxa de juros estimulativa, ou seja, quando ela passa a ajudar a travar o crescimento. 

Durante a introdução no evento do BIS, Campos Neto disse que o Banco Central criou um departamento voltado para assuntos relacionados à economia verde, mas que o grande desafio está sendo fazer essa unidade ganhar uma dimensão institucional. "É preciso sair do papel do departamento, e transformar a cultura, o que é mais difícil", disse. "Se queremos realmente mudar a cultura não podemos ser só um departamento, porque esse assunto precisa estar na cabeça de todo mundo", destacou o presidente do BC.

Agenda verde e reservas internacionais

Ao ser questionado durante o evento sobre a agenda de sustentabilidade do Banco Central, Campos Neto disse que essa programa “é muito amplo”, mas desafiador, porque é preciso explicar "muito bem" para o Congresso Nacional essa agenda verde em meio à pandemia. 

Como exemplo, disse que o BC adota medidas voltadas para a sustentabilidade financeira, avaliando os instrumentos disponíveis e as análises de riscos. E, nesse sentido, defendeu mudanças na gestão das reservas internacionais do país, de mais de US$ 300 bilhões, porque, segundo ele, está em um “volume muito elevado”. “Precisamos mudar o jeito como gerenciamentos as nossas reservas”, afirmou, sem dar muitos detalhes de como seria feita essa mudança.

Na sequência, o ministro mencionou parcerias para o desenvolvimento do mercado de carbono — um tema que começou a ser discutidos antes da crise financeira global de 2009, mas que foi abandonado e está sendo retomado, segundo ele —, e ainda reforçou que o BC está desenvolvendo um “bureau de crédito verde” no qual as instituições financeiras poderão verificar critérios socioambientais para a concessão de financiamentos no setor agrícola em tempo real.

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