Conjuntura

O custo Bolsonaro: como crise institucional detonada pelo presidente complica o cenário econômico

Risco fiscal volta a preocupar analistas, que até então monitoravam apenas a pressão inflacionária. Projeções preveem juro básico de 8% até o fim de 2021

As bravatas do presidente Jair Bolsonaro estão custando caro para os brasileiros. A cada fala polêmica do chefe do Executivo, cresce a insegurança política e econômica no país. Consequentemente, o dólar sobe e pressiona a inflação, que já está alta em razão da crise hídrica e da retomada global. O apetite do dragão, por sua vez, aumenta o trabalho do Banco Central, que também sinalizou maior preocupação com a piora nas contas públicas.

O “custo Bolsonaro” é um dos fatores que contribui para o BC a ampliar o ritmo de alta da taxa básica da economia (Selic). Na última quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, elevou a Selic em 1,0 ponto percentual, para 5,25% ao ano. Na ocasião, a autoridade monetária mudou o discurso e reconheceu que a inflação não é temporária. Reforçou, ainda, os temores de aumento do risco fiscal por conta do aumento das incertezas domésticas.

Para cada ponto percentual a mais na Selic, o custo da dívida pública bruta cresce em R$ 30,8 bilhões no acumulado em 12 meses, segundo dados do BC. Logo, essa fatura já está em R$ 130,9 bilhões, considerando as altas da Selic desde março, e deverá continuar subindo. O colegiado ainda sinalizou que continuará a aumentar os juros para acima do patamar neutro, ou seja, de 6,5% a 7% ao ano. Essa medida retardará o processo de recuperação da economia em meio a um cenário de dólar valorizado neste ano e no próximo, pelas projeções do mercado.

Após a decisão do Copom, as apostas de especialistas para a Selic no fim do ano passaram para 7,5% e 8%, com a possibilidade de os juros básicos subirem para 8,5% ao ano em 2022. Algumas previsões para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), já ultrapassam 7% para este ano, bem acima do teto da meta, de 5,25%. E, para 2022, também tendem a se aproximar do teto da meta no ano que vem, de 5%.

A decisão do BC reforça o cenário de preocupação com as ameaças do governo partir para o descontrole fiscal, com medidas inconstitucionais, como o adiamento do pagamento de precatórios — dívidas judiciais da União — e a burla do teto de gastos. Sergio Vale, economista da MB Associados, avalia como correta a decisão do BC em apertar o ciclo monetário diante da piora do cenário macroeconômico. “Mesmo a inflação sendo de oferta, a contaminação das expectativas para os meses seguintes tende a aumentar. A inflação mais elevada pode aumentar a inércia e o BC precisa evitar uma inflação mais elevada em 2022”, afirma. Em relação à piora no cenário por conta da nova crise institucional, ele considera que o BC só atuará indiretamente. “Ele não tem como entrar em questões políticas. O limite é dado pela inflação e pelo fiscal. Se a política fiscal sair do controle, os juros teriam que subir muito mais. Mas é um risco mais para quem entrar em 2023”, complementa.

Crise política
Há outros fatores preocupantes. O governo prepara um pacote de medidas que deve aumentar os gastos públicos e ameaçar o teto de gastos. Entram na cesta de bondades o novo Bolsa Família, subsídios para o gás e para o diesel e outras medidas que têm deixado os agentes financeiros e especialistas apreensivos. Para piorar, o Congresso aprovou o novo Refis, que extrapolou as expectativas da equipe econômica e complicou a situação fiscal do governo. Não bastassem os desafios econômicos, há uma crise política grave.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, destaca que o mercado está ancorado na regra do teto e na trajetória do deficit primário. O risco fiscal havia sido deixado de lado por conta da inflação. “A inflação mais alta eliminou o risco de descumprimento do teto. Ela ajudou a melhorar a arrecadação, e o risco acabou saindo do radar do mercado. Agora, ele voltou, porque começou a olhar para 2022, quando a arrecadação não deverá ser tão boa. Para piorar, entrou nesse cenário mais uma crise institucional”, alerta. De acordo com ele, mesmo com a manutenção do ministro da Economia, Paulo Guedes, até o fim do governo, “o clima político está pior do que o de agosto do ano passado”, quando o chefe da equipe econômica ameaçou deixar o governo.

“A crise política que estamos enfrentando, sem dúvida, exerce uma influência sobre as decisões da autoridade monetária. Até certo modo ou certo ponto, essa crise política também aumenta o risco fiscal do país, que nunca desapareceu do radar totalmente. Quem analisa com cuidado a economia brasileira sabe que isso é uma questão fundamental e complexa”, explica o economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

O especialista também reconhece que o BC acerta ao priorizar o combate à inflação, mesmo com o risco de comprometer a retomada da atividade com a elevação da Selic acima do patamar de juros neutros. “A inflação é o que há de pior para a economia. O Brasil já tem um histórico muito ruim de inflação, e, portanto, não pode brincar com ela. Se ela voltar de forma permanentemente alta, será um horror”, alerta o ex-diretor do BC.

Contudo, ele reconhece que o processo inflacionário atual é global e diferente de todos os outros, e, por conta disso, não é possível criticar as ações do BC. “É indiscutível que o processo inflacionário tem surpreendido todo mundo pela persistência. E no Brasil, esse risco é maior, pelo histórico e pelo desequilíbrio fiscal, que são muito sensíveis pelo que acontece no dia a dia. Mesmo que seja temporária, a inflação está demorando para ceder e está afetando as expectativas futuras, e elas precisam ser ancoradas”, explica Senna.

Na avaliação de Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa, o BC precisa impor um viés de alta nas projeções de alta da Selic devido à deterioração fiscal. “O próprio BC diz isso no comunicado quando fala que o balanço de riscos é assimétrico para cima por conta da questão fiscal”, avalia. Para ele, o risco Bolsonaro já está precificado pelo mercado. “O problema é que, com a necessidade dessa PEC dos precatórios, abriu-se uma Caixa de Pandora perigosa”, conta.

Fatura cara

Questão fiscal volta para o radar do mercado com nova crise institucional e sinalização populista do presidente Jair Bolsonaro, que reflete negativamente no câmbio, acaba ajudando a pressionar ainda mais a inflação e pressiona os juros

Evolução da taxa Selic
Reunião Copom Taxa em % ao ano
Dez/18 6,50
Set/19 5,50
Out/19 5,00
Dez/19 4,50
Fev/20 4,25
Mar/20 3,75
Mai/20 3,00
Jun/20 2,25
Ago/20 2,00
Set/20 2,00
Out/20 2,00
Dez/20 2,00
Jan21 2,00
Mar/21 2,75
Mai/21 3,50
Jun/21 4,25
Ago/215,25*
Dez/21 7,75**
Dez/22 7,75**

*Decisão do Copom da última
quarta-feira (4/8)
**previsão da MB Associados

Dívida avança

Dados acumulados no ano mostra que, em valores, endividamento do país continua aumentando
Evolução da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG)
Mês R$ trilhões % do PIB
Dez20 6,615 88,8
Jan21 6,670 89,4
Fev21 6,744 90,0
Mar21 6,721 89,1
Abr21 6,665 85,6
Mai21 6,696 84,6
Jun21 6,729 84,0
Crescimento acumulado no ano R$ 114 bilhões

Cenários

Veja algumas projeções da MB Associados dos principais indicadores macroeconômicos no último relatório quinzenal
Item 2020 2021* 2022*
PIB (em%) -4,1 4,7 1,8
IPCA (em%) 4,5 7,0 4,0
Selic (em%) 2,0 7,75 7,75
Câmbio R$/
US$ fim do ano 5,15 5,20 5,60
Taxa de desemprego
média (em %) 13,5 14,3 12,0
2020 5,15
2021 5,20
2022 5,60


Investimento estrangeiro
na Bolsa

Saldo líquido de compras e vendas de ações ao longo do ano por investidores residentes no exterior, incluindo IPOs, ficou negativo em julho pela segunda vez no ano
Mês Saldo Em R$ bilhões
Jan 25,297
Fev 1,93
Mar -4,612
Abr 12,572
Mai 17,063
Jun 17,249
Jul -8,250
Ago 0,927
Saldo em 2021 62,185

Risco país

Prêmios de risco voltaram a subir e indicador da capacidade de pagamento do país piora, voltando a patamares próximos aos de março
ClassificaçãoPaísRating S&PCDS/5 anos
1Suécia AAA 8,50
2Reino Unido AA 9,35
3Estados Unidos AA+ 9,52
6Alemanha AAA 9,90
19China A+ 38,69
22Grécia BB 72,20
23Indonésia BBB 78,74
24Rússia BBB- 84,20
25México BBB 95,07
26Brasil BB- 181,90
27Turquia B+ 377,69
Fontes: Banco Central, MB Associados, B3 e World Government Bonds

 

Saiba Mais

 

Efeito nas contas públicas

Toda alta na taxa básica de juros (Selic) tem um custo, e ele se reflete diretamente no aumento do endividamento do governo. Segundo dados do Banco Central, cada ponto percentual de alta na Selic significa R$ 30,8 bilhões a mais na dívida pública bruta a cada 12 meses. Desde março, quando antecipou o início do ciclo de alta dos juros em razão do aumento das pressões inflacionárias, a taxa básica subiu 3,25 pontos percentuais. Isso significa que o custo do endividamento já aumentou R$ 100,1 bilhões e passará para R$ 130,9 bilhões com a alta deste mês.

Com esses recursos, seria possível mais do que dobrar os R$ 127,5 bilhões de gastos emergenciais previstos pelo governo para este ano. Desse total, R$ 64,9 bilhões são referentes ao auxílio emergencial médio de R$ 250 aos mais vulneráveis, considerando a prorrogação do benefício até outubro.

Em meio ao aumento das incertezas políticas no Brasil e à expectativa de mudança na política monetária dos Estados Unidos, especuladores estrangeiros estão reposicionando investimentos em mercados emergentes. Apenas em julho, a retirada de investidores não residentes da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) somou R$ 8,2 bilhões. Foi o primeiro mês negativo desde março, quando saíram R$ 4,6 bilhões em meio à segunda onda da covid-19.

A expectativa, daqui para frente, é de piora no quadro fiscal. É preciso considerar, avaliam analistas, que a dívida pública bruta do Brasil é quase o dobro da média dos países emergentes e as contas públicas estão no vermelho desde 2014. Logo, quando o governo não consegue registrar superavit primário, a dívida pública tende a crescer e pode ficar insustentável se não houver medidas fiscais responsáveis. (RH)

“A crise política exerce influência sobre as decisões da autoridade monetária. Também aumenta o risco fiscal, que nunca desapareceu do radar totalmente”

José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central