Em um ano em que a economia mundial sofre para se recuperar dos prejuízos da pandemia, o Prêmio Nobel de Economia de 2021 foi atribuído ontem ao trio de economistas David Card, Joshua D. Angrist e Guido W. Imbens, por estudos relacionados ao mercado de trabalho e às políticas de desenvolvimento social.
O canadense David Card, professor da Universidade da Califórnia, é reconhecido pelo seu trabalho sobre os efeitos do salário mínimo, da imigração e da educação no mercado de trabalho. Suas pesquisas mostraram que o aumento do salário mínimo não necessariamente diminui a oferta de empregos — ao contrário do que sustentam correntes mais ortodoxas, Além disso, a renda de pessoas nascidas em outros países pode melhorar com a imigração, enquanto pessoas que imigraram mais novas correm o risco de serem afetadas negativamente.
Já os americanos Joshua Angrist (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e Guido Imbens (Universidade de Stanford) mostraram quais conclusões sobre causa e efeito podem ser tiradas de experimentos naturais (estudos com base em dados observados na economia real, e não num experimento controlado).
O canadense David Card tem bons conhecimentos sobre a economia brasileira. Ele fez parte de um grupo de quatro pesquisadores que analisou recentemente os salários e a desigualdade racial no Brasil — e chegaram a conclusões bastante negativas.
De acordo com os pesquisadores, no Brasil, negros e pardos, geralmente, são empregados de empresas que pagam salários menores. E, dentro das companhias, têm renda mais baixa que a de funcionários brancos que executam as mesmas funções. As conclusões constam do estudo “Combinação sortida ou contratação excludente? O impacto das políticas empresariais nas diferenças raciais dos salários no Brasil”, publicado em 2018 pelo Bureau Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos (NBER).
Umas das formas de resolver esse problema, segundo os pesquisadores, é reduzir as disparidades educacionais no país. Além de Card, assinam o trabalho os pesquisadores da Universidade de Columbia François Gerard e Lorenzo Lagos, e Edson Severnini, da Universidade Carnegie Mellon.
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Pandemia
“Os laureados deste ano demonstraram que muitas das grandes questões da sociedade podem ser respondidas. A solução deles é usar experimentos naturais — situações surgidas na vida real que se assemelham a experimentos aleatórios”, afirmou a Real Academia de Ciências da Suécia, ao anunciar o resultado.
O economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, observa que o economista David Card, um dos ganhadores do Nobel, é muito influente e tem vários estudos empíricos sobre o mercado de trabalho. “Ele é muito grande na área”, afirmou. Na sua opinião, talvez o estudo mais famoso seja a contribuição da educação para o mercado de trabalho, um ponto que ganha relevância neste momento de pandemia.
O estudo, somado à metodologia desenvolvida por Joshua Angrist e Guido Imbens, deve ajudar, na opinião de Barbosa Filho, a responder a uma pergunta crucial: o quanto a pandemia vai afetar o mercado de trabalho no futuro. “Estamos falando dos efeitos sobre um grupo de pessoas que não só ficou dois anos sem estudar, mas também perdeu conhecimento no período”, disse.
Sergio Firpo, economista do Insper e professor de econometria para avaliação de políticas públicas, considera que o trio de especialistas trouxe contribuições metodológicas relevantes. “O que eles têm feito é criar uma metodologia que, a partir de certas premissas, consegue extrair da realidade as informações necessárias para avaliar o impacto de políticas públicas, sem precisar fazer experimentos”, observou.
Hélio Zylberstajn, professor sênior da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, nota que as duas metades do prêmio são importantes. “As contribuições deles inspiram economistas desde que foram publicadas, nos anos 1990, a usar novos métodos de estudo.”
O professor disse que David Card é muito criativo e conseguiu trazer para a economia o que os médicos já fazem há muito tempo: testar algum remédio — no caso da economia, alguma política pública nova, comparando com outro grupo que não recebe esse mesmo benefício. A novidade é identificar esses grupos na vida real. “Essa ideia de fazer os economistas procurarem experimentos naturais que estão aí, só não são percebidos, tem um resultado inquestionável”, disse Zylberstajn.
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