solidariedade

ONGs atuam em carências do Estado, afirmam especialistas

Diante da crise, grupos e Organizações Não-Governamentais (ONGs) fazem a diferença na missão que, segundo os especialistas, deveria ser do Estado, especialmente, com a pandemia da covid-19 no país

Bernardo Lima*
postado em 17/10/2021 06:00 / atualizado em 17/10/2021 16:28
 (crédito: Reprodução )
(crédito: Reprodução )

Um desses grupos que vai aonde o governo federal não toma conhecimento é a Pastoral do Povo da Rua, em São Paulo, referência no combate à pobreza e à fome na maior cidade do Brasil, coordenada pelo padre Júlio Lancellotti. Aos 72 anos, faça chuva ou faça sol, todos os dias, Lancellotti distribui alimentos e máscaras para centenas de pessoas em situação de rua, geralmente no Centro São Martinho, no bairro da Mooca, na Zona Leste de São Paulo.

Com jaleco branco e máscara de respiração com filtro embutido, o padre, que virou referência de caridade por meio das redes sociais, fala sobre o momento difícil que os mais pobres enfrentam e descreve o sentimento “agridoce” que experimenta em sua rotina diária de ajuda aos necessitados. “Tem um momento de dureza muito grande de ver a agudeza da fome e o aumento da necessidade. E, também, tem o momento de relacionamento com as pessoas e de descobrir junto com eles os caminhos que podemos construir”, diz o padre, que mantém a esperança de que esse cenário mudará.

De acordo com um estudo feito pelo economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), apenas três estados (Acre, Pará e Tocantins) não registraram aumento da pobreza na pandemia, entre novembro de 2019 e janeiro de 2021. Em São Paulo, onde o padre Lancellotti atua, a população pobre chegou a 19,7%, alta de 5,9 pontos percentuais em relação aos 13,8% do final de 2019. O missionário acredita que vai levar tempo para o Brasil reverter a situação calamitosa que a cidade e o país vivem. Ele conta, ainda, que as iniciativas de ajuda da pastoral não contam com apoio de prefeituras ou governos, e que são sustentadas por meio de doações que chegam diariamente à sua paróquia, a de São Miguel Arcanjo. Segundo o religioso, o suporte das autoridades vem sempre com discursos e palavras, e não por meio de ações concretas. “Não tem apoio, a pessoa pode sorrir, ser simpática, te receber, tomar um café com você, mas isso não muda nada. Não existem políticas transformadoras no Brasil. Quem está no poder não quer mudança”, lamenta.

Representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, Rafael Zavala relata que somente durante a pandemia, cerca de 100 milhões de pessoas em todo o mundo começaram a passar fome. O número total é de aproximadamente 800 milhões, sendo que 20 milhões moram no Brasil. No Distrito Federal, a população pobre foi de 12,9% para 20,8% neste período.

O aumento da fome e da miséria durante a pandemia assusta Lancellotti que, há mais de 30 anos, se dedica ao trabalho missionário de levar comida, cobertores e itens de higiene à população de rua. O padre, porém, parece não acreditar em uma atitude positiva dos governos, sem pressão popular. Para ele, sem uma mobilização da sociedade, o país pode chegar a uma situação ainda pior. “Já estamos vivendo esse processo histórico. Ainda não chegamos no fundo do poço, mas é capaz de chegarmos”, alerta o padre, que o atual modelo econômico como o grande culpado pelo aumento da pobreza. “A fome é resultado sem dúvida do sistema neoliberal. É a lógica desse sistema, que é o descarte e a fome”, critica.

Questionado pelo Correio sobre qual a melhor forma de mudar essa situação, o padre diz que não há fórmula mágica, a não ser com a população resistindo e lutando por uma transformação social. “Todos nós temos que fazer nosso papel para que essa mudança aconteça. Devemos resistir e lutar por um processo histórico de transformação. Agora, como essa mudança vai se dar, não tem nenhuma receita pronta”, conclui. 

*Estagiário sob a supervisão de Rosana Hessel

 

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