ALERTA

Dívida Pública: gastos do país com juros voltam a subir

Sem credibilidade, Bolsa de Valores de São Paulo apresentou o segundo pior resultado do mundo com perda acumulada de 14,4% no ano, atrás apenas da Venezuela

Rosana Hessel
postado em 05/12/2021 06:00
 (crédito: Júlio Lapagesse/CB/D.A Press)
(crédito: Júlio Lapagesse/CB/D.A Press)

A inflação que não dá trégua e a deterioração das expectativas do mercado em função do abandono das regras fiscais pelo governo com a PEC dos Precatórios estão custando caro aos brasileiros. Além da perda do poder de compra e da queda das perspectivas de crescimento do país no ano que vem, as aventuras populistas do governo Jair Bolsonaro (PL) estão refletindo no aumento do custo do endividamento público.

De acordo com especialistas, a confiança em relação ao governo piorou após a debandada de quatro integrantes da equipe econômica em outubro. Além disso, a Câmara dos Deputados incluiu na PEC a mudança antecipada na metodologia de cálculo da regra do teto, prevista para 2026, a fim de abrir um espaço fiscal maior, que agora chega a R$ 106,1 bilhões no Orçamento de 2022. Logo, o resquício de credibilidade do discurso de compromisso com a consolidação fiscal caiu por terra e, atualmente, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) perdeu mais de 8,2% apenas em novembro e, no ano, 14,4% — o segundo pior resultado do mundo, atrás apenas do IBC da Venezuela.

Economia Endividamento
Economia Endividamento (foto: Valdo Virgo)

Analistas lembram que os números de redução da dívida pública bruta apresentados pelo governo não convencem, porque a inflação tem ajudado a maquiar a realidade. O Produto Interno Bruto (PIB) nominal, que é o denominador do cálculo da dívida, será corrigido por quase o dobro do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o que reduz a relação dívida-PIB sem a necessidade de corte de gastos. E quando apresenta dados de redução das despesas em relação ao PIB deste ano e do próximo, Guedes e sua equipe esquecem de contar que a receita está sendo corrigida por uma taxa superestimada de crescimento da economia. Vale lembrar que, enquanto o governo prevê alta de 5,1% no PIB deste ano e de 2,1%, em 2022, a mediana das estimativas do mercado, computadas no último boletim Focus, do Banco Central, está em 4,78% e 0,58%, respectivamente.

Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, chama essa piora nas estimativas do mercado de "conversinha" ou "coisa de maluco" e tenta minimizar a deterioração do cenário fiscal. O último dado do PIB, de queda de 0,1% no terceiro trimestre, confirmou que o país entrou em recessão técnica.

Deterioração fiscal

Basta olhar o tamanho do aumento da Dívida Pública Federal (DPF), enquanto as projeções de inflação não param de subir. Foram R$ 363,5 bilhões entre janeiro e outubro, totalizando R$ 5,373 trilhões, o maior patamar da história.

De acordo com dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), no último Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), as despesas com juros do juros do setor público subiu pela terceira vez em setembro e as taxas de juros calculadas pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) passaram de 9%, em setembro, para 12%, em outubro.

O custo da dívida pública bruta do governo geral, incluindo governos estaduais e estatais, também acelerou em outubro. Esse indicador chegou a 82,9% do PIB e rompeu a barreira inédita de R$ 7 trilhões.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, demonstra preocupação com essa deterioração do cenário fiscal. "O gasto com juros e o custo médio das novas emissões de títulos públicos está subindo e não é pouco. É o resultado do aumento do risco, derivado, em boa medida, da incerteza sobre o teto de gastos e do preconizado calote nos precatórios", alerta.

Diante desse quadro, o mercado já trabalha com a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 7,75%, chegando a 12% no ano que vem. Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), ressalta que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central está sozinho no controle da inflação.

"O Banco Central não tem ajuda do lado fiscal e, mesmo elevando a Selic para 11% ou para 12%, ele não vai conseguir fazer com que o IPCA de 2022 fique abaixo do teto da meta pelo segundo ano consecutivo", alerta Gomes.

Pelas projeções da CNC,a inflação do ano que vem deverá encerrar o ano entre 6% e 6,5%, ou seja, acima do limite de 5% determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). A meta de inflação deste ano é de 3,75%, com limite de 5,25% e as projeções desta semana do Focus para o IPCA indicam alta de 10,15%. A mediana das estimativas do mercado para esse indicador, no fim de 2020, era de 3,40%. "Se o BC continuar subindo os juros, a certeza é que vamos ter um PIB fraco e um custo cada vez maior na dívida pública", afirma o ex-diretor do BC.

Com a Selic cada vez mais alta, a fatura de juros tende a crescer. Conforme dados do Banco Central, considerando as projeções de 12% para a Selic no início de 2022, o ciclo de aperto monetário custará para os cofres públicos, pelo menos, R$ 339 bilhões.

"Essa é mais uma razão para o Banco Central tomar cuidado no aumento dos juros, porque ao subir muito a Selic, o país poderá entrar em uma recessão profunda e ainda precisará pagar uma conta alta de juros", alerta Gomes.

Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust, também projeta a inflação acima do teto da meta no fim de 2022, em torno de 6%. "A inflação de outubro foi muito forte e os repasses já estão ocorrendo mesmo com a demanda fraca. E, no mercado externo, ainda não temos certeza de que haverá uma freada na alta dos preços", acrescenta.

Ele explica que com a inflação e a Selic em dois dígitos, o custo de emissão dos títulos públicos não deve cair tão cedo. "O Tesouro tem uma folga em caixa melhor do que no ano passado, e, por enquanto, a situação do endividamento público é administrável. Mas o problema é o crescimento do PIB, que não vai acontecer", afirma.

Segundo o economista, a melhora do quadro fiscal que o governo tenta mostrar ao mercado é meramente contábil. Ele reforça o alerta para a deterioração do quadro fiscal, que não deixa o dólar se estabilizar abaixo de R$ 5,50. Velho destaca que, para a dívida pública cair, é preciso crescimento do PIB, juro baixo e respeito às regras fiscais. Conforme dados do site World Government Bonds, o risco país medido pelos contratos de cinco anos de Credit Default Swap (CDS) para os títulos públicos do governo brasileiro saltou 68% desde janeiro até sexta-feira, quando o risco país ficou em 235,8 pontos, pouco mais do dobro da pontuação da Grécia (115,50).

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