Entrevista | Juliana Coelho | Líder global do Modo de Produção da Stellantis

"Ser mulher é desafiador em qualquer ambiente", diz engenheira da Stellantis

Com apenas 32 anos, engenheira de Pernambuco comanda gigante automotiva e se diz otimista em relação ao Brasil

Rosana Hessel
postado em 07/03/2022 05:59 / atualizado em 07/03/2022 18:03
Juliana Coelho, nova Global Head Stellantis Production Way -  (crédito:  Fiat/Divulgação)
Juliana Coelho, nova Global Head Stellantis Production Way - (crédito: Fiat/Divulgação)

Com apenas 32 anos, a jovem engenheira química Juliana Coelho é a nova líder global do Modo de Produção Stellantis — gigante do setor automotivo resultado da fusão da Fiat Chrysler com a PSA Group e dona de marcas renomadas europeias e norte-americanas como Alfa Romeo, Chrysler, Citroën, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia, Maserati, Opel, Peugeot e Vauxhall. Primeira mulher a ocupar cargo de liderança de Manufatura da Setellantis, a executiva pernambucana é uma referência para mulheres profissionais do setor automotivo.

Natural de Recife, Juliana Coelho formou-se pela Universidade Católica de Pernambuco e atua há nove anos na fábrica da Fiat Chrysler em Goiana (PE), onde começou como trainee e cresceu profissionalmente com a unidade da montadora no Nordeste brasileiro. Ela avalia como principal desafio no novo cargo "conciliar todas as culturas que compõem a Stellantis e criar uma sintonia, um fio condutor entre as mais de 90 fábricas espalhadas pelo mundo", e conta que foi aprendendo na prática o que sabe.

"Aprendi fazendo, e aprendi a importância de compartilhar o que se aprende. Tanto na fábrica, quanto no mundo corporativo em geral, o maior desafio é conciliar as diversas culturas presentes no mesmo ambiente, encontrar a melhor forma de se comunicar, de fazer um trabalho coletivo com eficiência", destaca.

A executiva encara o desafio com muita responsabilidade e espera contribuir para que outras mulheres e jovens consigam realizar plenamente seus potenciais e possam alcançar seus sonhos. "Vejo que o cenário corporativo está mudando, tornando-se mais inclusivo, e acredito que será cada vez maior a presença de mulheres em cargos de liderança", afirma.

Apesar de a economia brasileira estar fragilizada e 2022 ser um ano eleitoral cheio de incertezas, ela diz estar otimista com a "resiliência" do país. "O Brasil tem um potencial enorme e uma população aguerrida, capaz de colocar muita energia em tudo que faz. Todo o mundo se prepara para superar as consequências da pandemia, o que representará uma onda global de investimentos e crescimento", ressalta.

Para a engenheira, o fato de ser um ano eleitoral "é um fator que tende a contribuir para a aceleração da recuperação", mas reconhece que a guerra no Leste Europeu "é um complicador, pois torna os cenários mais instáveis e pode desestabilizar o fluxo de fatores de produção". "Mas é importante confiar que os grandes desafios serão equacionados adequadamente", diz. Ela reforça o plano de investimento da companhia de R$ 16 bilhões iniciado em 2018 e que vai até 2025, e o compromisso do carbono neutro até 2038. A seguir a entrevista ao Correio:

Como é ser mulher, jovem, à frente de uma grande corporação tão relevante? O desafio de provar que é capaz para o cargo é maior? Por quê?

Ser mulher e jovem é desafiador em qualquer ambiente corporativo, mas não deve ser um fator limitador para a nossa trajetória, nossos sonhos e objetivos. Acredito que, quando estamos focados aonde queremos chegar, encontramos os caminhos certos. Meu primeiro emprego foi na fábrica automotiva de Pernambuco, onde produzimos os modelos Jeep (Renegade, Compass e Commander) e a picape Fiat Toro. Estou na empresa há nove anos, antes mesmo da inauguração da planta. Desde o início, tive a oportunidade de trabalhar com bons gestores que me apoiaram e ajudaram a desenvolver meu potencial. Levo comigo muitas pessoas que me guiaram e acompanharam nessa trajetória, pessoas que torcem por mim e também por outras mulheres e jovens profissionais.

Nesse novo cargo que ocupo agora, o desafio maior é conciliar todas as culturas que compõem a Stellantis e criar uma sintonia, um fio condutor entre as mais de 90 fábricas espalhadas pelo mundo. Encaro isso com muita responsabilidade, e espero contribuir não só para o desenvolvimento da Stellantis, mas, também, para que outras mulheres e jovens consigam realizar plenamente seus potenciais e possam alcançar seus sonhos. Vejo que o cenário corporativo está mudando, tornando-se mais inclusivo, e acredito que será cada vez maior a presença de mulheres em cargos de liderança.

Qual foi a maior dificuldade na sua trajetória e como os obstáculos foram superados?

Quando iniciei como trainee, a fábrica em Pernambuco ainda estava em construção. Tivemos que aprender ao mesmo tempo em que nascia uma das mais modernas plantas automotivas do mundo, que trouxe para o Nordeste as melhores práticas globais e profissionais excelentes, que vieram compartilhar as suas expertises. Aprendi fazendo, e aprendi a importância de compartilhar o que se aprende. Tanto na fábrica, quanto no mundo corporativo em geral, o maior desafio é conciliar as diversas culturas presentes no mesmo ambiente, encontrar a melhor forma de se comunicar, de fazer um trabalho coletivo com eficiência. Para superar desafios, esse e tantos outros que aparecem, é importante manter o foco no resultado que se espera alcançar. É preciso manter-se sempre aberta ao diálogo e ter clareza nas interações e seus objetivos. Estes dois aspectos foram fundamentais para que eu pudesse me colocar como profissional nesse ambiente.

É possível ser otimista com a economia brasileira em um ano eleitoral e com uma guerra no caminho?

O Brasil é um país resiliente, e nossa economia já se recuperou de problemas ainda mais severos. Por isso, estou confiante — esta é a palavra: confiante — de que o país vai superar as consequências da pandemia sobre a sociedade e a economia. O fato de ser um ano eleitoral é um fator que tende a contribuir para a aceleração da recuperação. O julgamento do eleitor passa muito pela avaliação da economia. Por isso, o bom desempenho econômico torna-se uma prioridade de todas as forças políticas. A guerra é um complicador, pois torna os cenários mais instáveis e pode desestabilizar o fluxo de fatores de produção — capital, logística, matérias-primas, insumos e energia. Mas é importante confiar que os grandes desafios serão equacionados adequadamente.

Quais os maiores desafios, na sua avaliação, para o Brasil neste ano?

O Brasil e também o mundo estão superando gradualmente dois anos muito atípicos, marcados pela pandemia e suas consequências sobre a saúde, a organização social e a economia. O grande desafio do momento é reorganizar as rotinas da vida social e econômica, aplicando as lições aprendidas e ajustando aquilo que se desorganizou neste período. As cadeias produtivas foram muito afetadas pelas fortes oscilações da demanda e, agora, temos problemas de suprimentos em todo o mundo. É uma questão de tempo e de foco na reorganização. O grande desafio é fazer isto com espírito inclusivo, trazendo toda a sociedade para este esforço de reorganização.

Como estão as perspectivas para a empresa no Brasil? Há previsão de investimentos e de crescimento?

Somos otimistas com o futuro. A Stellantis está num ciclo de investimentos, iniciado em 2018, que prevê R$ 16 bilhões para o Brasil até 2025. Acreditamos no mercado brasileiro, e o primeiro ano de operação da Stellantis nos mostrou que estamos certos. Nossas marcas se destacaram em seus segmentos e a Fiat foi a marca mais vendida no país. Além disso, recentemente, foi divulgado o plano de longo prazo da Stellantis e nele está o compromisso de nos tornarmos Carbono Neutro globalmente até 2038. Aqui, no Brasil, o nosso Polo Automotivo de Pernambuco já alcançou este objetivo e foi o primeiro complexo industrial neutro em carbono na América Latina. Esta é uma demonstração do nosso foco: avançar para liderar a mobilidade sustentável no país.

Como a senhora vê a atual conjuntura econômica nacional e internacional?

O cenário econômico ainda é marcado pelos reflexos da pandemia sobre a economia. A forte retração da demanda que observamos em 2020 afetou as cadeias produtivas, que ainda estão se reorganizando, mas não voltaram ainda aos patamares normais de oferta. As consequências que observamos em todo o mundo são escassez de insumos e inflação de custos. Mas os mercados estão se reorganizando e esperamos que a normalidade sanitária seja plenamente restaurada, para que a economia se reequilibre.

É possível ser otimista com a economia brasileira, já que ela cresce tão pouco há mais de uma década? Por quê?

Como já disse, estou muito confiante nas perspectivas da economia brasileira. O Brasil tem um potencial enorme e uma população aguerrida, capaz de colocar muita energia em tudo que faz. Todo o mundo se prepara para superar as consequências da pandemia, o que representará uma onda global de investimentos e crescimento. O Brasil pode se beneficiar desse movimento na condição de fornecedor de matérias-primas essenciais, mas também fazendo parte das cadeias globais de produção. Acredito que um período sustentado de crescimento se aproxima.

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