COMBUSTÍVEIS

Alternativa? Produção de etanol tem grandes obstáculos no país

Considerado uma alternativa ambientalmente mais saudável e eficiente aos derivados de petróleo, cujos preços dispararam no mundo todo, álcool produzido a partir da cana-de-açúcar enfrenta obstáculos para se consolidar no país

Taísa Medeiros
Victor Correia
postado em 04/04/2022 06:00
Apesar da queda, o preço do etanol ainda pesa no bolso do consumidor -
Apesar da queda, o preço do etanol ainda pesa no bolso do consumidor -

O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, mas ainda tem dificuldade de aumentar o consumo e a produção do combustível. Com a alta das cotações do barril do petróleo, que eleva o preço da gasolina e do diesel nas bombas, as alternativas aos combustíveis fósseis, como o etanol, voltam à pauta.

Na semana passada, o preço médio do litro da gasolina recuou 0,11% nos postos de revenda do país, segundo levantamento divulgado na última sexta-feira pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). O litro do combustível foi de R$ 7,210 para R$ 7,202.

Apesar da queda, o preço ainda pesa no bolso do consumidor, e torna o álcool vantajoso em boa parte dos estados brasileiros. Em pelo menos sete unidades da Federação, os donos de carros flex que optarem pelo uso do etanol vão gastar menos dinheiro a cada quilômetro rodado. A conta vale para Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Piauí. O levantamento é da empresa de logística e gestão de frotas Ticket Log.

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PRI-0404-Etanol.jpg (foto: Valdo Virgo)

O Brasil é um grande produtor de etanol. No entanto, com as baixas temperaturas e a estiagem ocorridas no ano passado, a produção teve queda: na safra 2021/2022, o país atingiu 27,2 bilhões de litros produzidos, uma redução de 8,83% em relação à colheita anterior. Os dados foram divulgados pela União da Indústria de Cana-de-Açúcar, a Unica, que representa os principais produtores de açúcar, etanol e biocombustíveis da região Centro-Sul.

De acordo com a entidade, o que impede a consolidação do etanol como alternativa aos derivados de petróleo são as mudanças constantes na legislação que rege o combustível, que dificultam a estabilidade necessária para atrair investidores ao setor.

"Quando você escuta que vão desonerar o combustível fóssil, sem dúvida, você traz insegurança para os investimentos de empresários que querem produzir etanol", afirma o diretor técnico da Unica, Antônio de Pádua, mencionando a redução recente nos impostos sobre o diesel sancionada pelo governo federal.

Para o representante da união de produtores, é preciso haver transparência e visibilidade no setor — que é ainda novo, mas está em crescimento. "O etanol vai continuar em paridade com a gasolina no mercado internacional? É fundamental que essa regra seja conhecida. Vamos manter uma política que valorize o combustível fóssil?", questiona.

Segundo o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), uma das maiores dificuldades para ampliar o uso do etanol no país se deve ao fato de o combustível chegar ao posto de gasolina acompanhando a variação do preço da gasolina.

"Como o mercado é livre, o produtor de etanol e a distribuidora jogam o preço para cima. Ter mais produção de etanol não vai aliviar muita coisa. O Brasil é um dos poucos países que produz etanol em quantidade. Já temos uma matriz maior de produção", explicou o deputado.

Falta de incentivos

Além da falta de transparência e planejamento para gerar segurança na produção e no uso do etanol, a falta de incentivos governamentais à pauta também preocupa. A questão foi levantada, inclusive, pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao comentar o Projeto de Lei nº 1.472, aprovado no Senado e pendente na Câmara, que estabelece a conta de estabilização para os preços dos combustíveis.

"Nós temos que ter também responsabilidade ambiental e, com todas essas discussões que estamos fazendo, incentivar combustíveis renováveis, de energia limpa. É algo a que o Brasil também tem que se adequar, até porque tem compromissos a cumprir muito sérios com a comunidade internacional e, obviamente, com toda a população", afirma o presidente do Senado.

Para o senador Otto Alencar (PSD-BA), se houvesse estímulo à produção e ao plantio da cana-de-açúcar, benefícios tributários ou financiamentos voltados para os produtores, seria até possível substituir a utilização de combustíveis fósseis no futuro.

"Não existe essa política de confiança, de segurança jurídica, sobretudo na questão da produção e consumo do etanol. É uma atividade muito intensa em mão de obra, e o governo poderia estimular isso. O pólo sucroalcooleiro sempre tem problemas", diz Alencar.

A opinião do deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP) é a mesma. O parlamentar afirma que o Ministério da Economia, pasta chefiada por Paulo Guedes, é contra qualquer tipo de subsídio. "Para elevar a produção de etanol, precisa aumentar a quantidade de usinas. Precisaria de um incentivo governamental, se (o governo) entendesse que esse é um setor estratégico. O Brasil não tem feito novos investimentos. Tem anos que, inclusive pela falta de incentivo e pelo preço da gasolina, tem compensado mais exportar açúcar, em vez de transformar a cana em combustível", comenta.

Estabilidade

A importância da estabilidade no setor é destacada também pelo professor de Economia do Ibmec Brasília Jackson de Toni. Ele avalia que o país tem um histórico positivo na adoção do etanol como combustível, inclusive com o desenvolvimento de novas tecnologias, mas que os problemas atuais envolvem a competição com combustíveis fósseis e a falta de incentivos.

"Essa crise vem demonstrando, de fato, que a gente precisa revisitar nossos programas de produção de etanol, talvez até a mistura na gasolina, e construir uma política de longo prazo com estabilidade", explica o professor. "É preciso fornecer crédito, disponibilizar instrumentos de comercialização para a distribuidora, para o produtor, para os postos de gasolina. É preciso ver a cadeia produtiva como um todo", diz.

Em meio ao debate sobre combustíveis, e possíveis soluções para a alta dos preços, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) conta que foi levantada a possibilidade de se diminuir o percentual de etanol na gasolina. "Isso, que era um erro, não ocorreu. Os fatos deixaram muito claros: o etanol em vez de encarecer a gasolina, é um fator de barateamento. Não fosse o etanol, a gasolina hoje seria mais cara", alerta o parlamentar, que é coordenador da Frente Parlamentar de Apoio ao Setor Sucroenergético.

Apesar dos percalços que o setor ainda deve enfrentar, o parlamentar avalia que o mercado de etanol "tem se sofistificado" no Brasil. "Cada vez mais tem o critério de previsibilidade. A utilização larga dos Cbios (créditos de descarbonização) colaborou nesse sentido. Nós temos aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética metas para a emissão de Cbios, o que significa o reconhecimento da externalidade e o incentivo à produção do etanol. Isso dá um horizonte positivo", ressalta.

Referência em pesquisa

Apesar das dificuldades na produção e da falta de investimentos atuais, o Brasil se tornou referência mundial desde o começo do desenvolvimento do setor sucroalcooleiro, em 1975, com o programa Proálcool. O setor acadêmico teve um papel importante nessa consolidação.

"Estamos bem posicionados em matéria-prima. Temos produzido algo em torno de 30 bilhões de litros de etanol", observa o chefe-geral da Embrapa Agroenergia, Alexandre Alonso. Segundo ele, o trabalho desenvolvido por pesquisadores foi essencial para estabelecer a produção do combustível.

"Temos 43 centros de pesquisa da Embrapa que atuam nesse setor, inclusive estudando o processo de produção de etanol", conta Alonso. "Desenvolvemos tecnologias na área genética, variantes da cana mais resistentes, mas também métodos de manejo e controle. Todas as tecnologias e conhecimento produzidos são difundidos para os atores da produção."

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