Bolsa de valores

23 empresas desistiram de estrear na Bolsa de SP apenas em 2022

Em meio a incertezas internas e externas, investimentos devem ser graduais este ano. Apoiadores do governo, como o Madero, decidiram adiar os planos

Rosana Hessel
postado em 11/04/2022 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Apesar da perspectiva do governo das centenas de bilhões de investimentos contratados com as concessões em infraestrutura, os empresários estão colocando o pé no freio. Mesmo esses investimentos devem ser graduais diante das incertezas internas e externas. Conforme dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), 23 empresas desistiram de estrear o capital na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) no primeiro trimestre do ano, incluindo apoiadores do atual governo, como o Madero. O órgão tem apenas cinco pedidos em análise. Em 2021, conforme dados da Bolsa, o volume de lançamentos de ações (IPOs, na sigla em inglês) somou R$ 65,7 bilhões, sem incluir as emissões secundárias (follow-on). É o maior volume da série iniciada em 2004.


Igor Rocha, economista da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), também reconhece que, diante dos choques inflacionários, 2022 será um ano difícil para o Brasil e para o mundo. “Em 2021, o PIB teve um crescimento forte, de 4,6%, mas impulsionado pelo carregamento estatístico da atividade no fim de 2020”, aponta ele, em referência ao carry over entre 3,5% e 3,6%, pelas estimativas de analistas, no PIB do ano passado, que resulta em um crescimento efetivo modesto em torno de 1%. Neste ano, as estimativas da Fiesp indicam recuo de 1,5%, que, se confirmado, será a sexta queda anual em 10 anos. “A participação da indústria da transformação no PIB vem encolhendo desde a década de 1980 e, com os juros em alta, ficando em patamares superiores às taxas de retorno, o empresário reduz os investimentos”, ressalta.


De acordo com Rocha, o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), utilizada nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é outro impedimento para investimentos produtivos em tempos de taxa Selic acima de 13%. Para os contratos assinados em abril, os juros cobrados nos empréstimos indexados à TLP, implementada em 2018, são de IPCA mais 4,94% ao ano.


“A TLP era interessante quando a economia vivia um processo de deflação e o país chegou a ter taxa de juros negativas. Agora, ela acompanha a NTN-B (títulos públicos indexados à inflação), e, com os juros e a inflação subindo, os empréstimos indexados à TLP ficaram proibitivos para a tomada de crédito de longo prazo em um ambiente adverso”, afirma. Para ele, o prometido “crowding in” não está ocorrendo pela ausência de atratividade dos financiamentos do BNDES.


Encolhimento


Questionado sobre o volume de empréstimos pela TLP, o BNDES informou que, em todo o ano passado, eles somaram R$ 25,1 bilhões. O número mostra encolhimento das contratações dessa modalidade, porque ficou 33,1% abaixo dos R$ 37,5 bilhões de 2020. O montante ainda é 42,4% abaixo dos R$ 43,6 bilhões registrados no primeiro ano de vigência da TLP.


“Cabe reforçar que após a criação da TLP, como pode ser visto na planilha, o banco vem diversificando o seu portfólio de opções de financiamento, o que tem gerado uma maior distribuição entre operações contratadas, além de uma maior abertura para demais instituições financeiras entrarem neste mercado”, informa a assessoria do BNDES, em nota. Contudo, os empréstimos totais em 2021 encolheram 7,6% em relação a 2020, somando R$ 71,5 bilhões, dado 15,4% abaixo do total de R$ 84,5 bilhões.



Três perguntas para


Ricardo Mourinho Félix, vice-presidente do Banco Europeu de Investimento (BEI)

Os europeus estão mais reticentes em financiar os projetos no Brasil? Há resistência dos países membros para o país que bate recordes sucessivos nos desmatamentos da Amazônia…


O financiamento que estamos fazendo no Brasil tem a ver com a qualidade e o interesse dos projetos. São projetos assinados com governos estaduais e empresas privadas. O banco é da União Europeia e, como tal, a missão que temos é de fazer a ação dentro, mas também fora da União Europeia, aliado com os objetivos do bloco. Os objetivos políticos são claros e são públicos, como o combate às mudanças climáticas e, portanto, para a transição para uma economia de baixa emissão de carbono e da digitalização das economias.

Na sua avaliação, como o senhor está vendo essa crise global com a guerra na Ucrânia?


Com preocupação, naturalmente, porque ela deverá afetar todos em pleno Século 21. Em termos dos impactos econômicos e financeiros, os bancos de desenvolvimento e os governos estão olhando para os impactos dos preços da energia com bastante preocupação. E olhando para a questão das cadeias de distribuição, assim como para a alta dos preços da própria oferta de bens alimentares e de fertilizantes, que têm impacto muito significativo. Torcemos para uma solução rápida, mas ainda não sabemos quando esse conflito deve acabar. Quando falamos da resiliência que houve durante a pandemia, é preciso que essa resistência ocorra em várias dimensões, como na geopolítica. E para termos essa resiliência e estabilidade geopolítica, é preciso reduzir a dependência do petróleo e derivados e do abastecimento de fertilizantes da Rússia e da Ucrânia. E essa é a forma como o mundo deve mostrar a resiliência, com ninguém sendo muito dependente de ninguém. Dito isso, esse é um caminho no qual o banco está empenhado. Desde logo, está financiando projetos em energias renováveis e em projetos industriais, focando em investimentos voltados para a sustentabilidade ambiental.

Nesse sentido, a América Latina é estratégica para Europa diante dessa guerra na Ucrânia?


Cada vez mais temos que pensar a sustentabilidade em diversas dimensões e a autonomia em diversas dimensões. E com todas as carências, temos que sempre aprender com elas. E para a Europa, assim como todos os países que dependem da Rússia, quer da Bielorussia e quer da Ucrânia, temos que diversificar nossas fontes de oferta. Para Europa, a América Latina é obviamente uma dessas formas de diversificação. Se projetos, por exemplo, na produção do desenvolvimento do hidrogênio, forem bem sucedidos, o Brasil tem condições fantásticas para produzir e, se conseguir fazer com escala, o país pode ser um grande fornecedor da Europa. Isso depende de o país ter boas condições para produzir energias renováveis e, uma vez transformado o hidrogênio em líquido, é possível regaseificá-lo e transportá-lo para onde quer que seja. Tendo condições e viabilidade financeira, o Banco Europeu de Investimento terá muito interesse em financiar.

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