Tecnologia

Comissão da Câmara debate exemplo da UE em regular o poder das "big techs"

Nova legislação da União Europeia sobre serviços digitais visa regular o poder de mercado de gigantes como Google, Meta, Amazon e Microsoft, além de combater a divulgação de conteúdos ilegais na internet

Fernanda Strickland
Rafaela Gonçalves
postado em 06/07/2022 05:59 / atualizado em 06/07/2022 06:00
Em audiência na Câmara, Frances Haugen estimulou parlamentares brasileiros a aprimorar leis sobre o tema -  (crédito: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)
Em audiência na Câmara, Frances Haugen estimulou parlamentares brasileiros a aprimorar leis sobre o tema - (crédito: POOL / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP)

Em audiência pública conjunta das comissões de Legislação Participativa e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, a cientista de dados e ex-gerente de produto do Facebook Frances Haugen celebrou a aprovação, poucas horas antes, pelo Parlamento Europeu, da Lei sobre Serviços Digitais (DSA). E fez um apelo ao Congresso brasileiro para seguir pelo mesmo caminho da regulamentação europeia, que estabelece diretrizes para proteger a segurança dos internautas e controlar o poder econômico e político das gigantes tecnológicas.

“Essa medida é um passo fundamental para garantir que a mídia social viva na casa da democracia”, disse a cientista. “Encorajo o Brasil a aproveitar este momento para definir sua própria regulamentação e garantir um nível semelhante de segurança”, declarou Haugen.

A ex-funcionária do Facebook destacou a centralidade da transparência estabelecida pela DSA na garantia de um debate público saudável, com menos desinformação e discurso de ódio nas plataformas digitais. E afirmou que a plataforma não prioriza o Brasil no combate às operações coordenadas de desinformação eleitoral, e que poderia fazer muito mais do que faz atualmente.

Haugen fez menção direta ao PL 2.630/2020 (conhecido como PL das Fake News), ressaltando que o Brasil tem nele a oportunidade de estabelecer uma regulação sofisticada para a atuação das Big Techs. “Com exceção de alguns pontos mais sensíveis apontados pela sociedade civil, o projeto de lei é um início promissor”, comentou.

Em referência à integridade das eleições brasileiras, Haugen afirmou que os investimentos feitos pelo Facebook para o pleito americano (desmobilizados logo após a votação, abrindo espaço para o episódio da Invasão do Capitólio) estabeleceram camadas de proteção à desinformação nos Estados Unidos e disse que o Brasil merece, no mínimo, o mesmo nível de atenção. “O processo eleitoral brasileiro depende muito mais dos aplicativos da empresa do que o norte-americano”, afirmou.

Em setembro de 2021, Frances Haugen foi responsável pelo vazamento de uma série de documentos internos do Facebook que revelaram que a empresa priorizou repetidamente o “crescimento em detrimento da segurança” de seus usuários, privilegiando o lucro. O cuidado é especialmente importante em países de língua não inglesa, onde os poucos mecanismos de inteligência artificial adotados para reconhecerem conteúdos danosos são consideravelmente menos eficientes.

Pacote europeu visa controlar "big techs"

Por ampla maioria, o Parlamento Europeu aprovou, ontem, uma nova legislação sobre mercados e serviços digitais. O pacote é composto pela Lei de Mercados Digitais (DMA) e a Lei de Serviços Digitais (DSA), que impõe obrigações, direitos e proibições para conter o poder de mercado dos gigantes da tecnologia. O projeto deve impactar diretamente Google, Apple, Meta (ex-Facebook), Amazon e Microsoft, além de empresas como Booking, de reservas on-line, e até mesmo a rede social TikTok. A legislação também exige que as plataformas aumentem a fiscalização sobre conteúdo ilegal na internet.

O projeto havia sido apresentado em dezembro de 2020. Segundo os legisladores europeus, a ideia é pôr fim aos abusos de poder dos gigantes digitais. "Essas big techs estão adquirindo mais poder, muitas vezes, do que a maioria dos estados nacionais, inclusive da União Europeia (UE). Então, sentiu-se necessidade de regulá-las especificamente, devido à sua influência na democracia e na forma como o mercado se comporta, tanto na manipulação do gosto dos consumidores, quanto na influência política e eleitoral", explicou Tainá Aguiar Junquilho, doutora em direito digital e professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP).

A DMA deve exigir que as empresas tornem os serviços de mensagens interoperáveis e forneçam aos usuários corporativos acesso a seus dados. Esses usuários seriam capazes, assim, de promover produtos e serviços concorrentes e chegar a acordos com clientes fora das plataformas. As empresas também não poderão favorecer os próprios serviços em detrimento dos rivais ou impedir que os usuários removam softwares ou aplicativos pré-instalados, duas regras que devem afetar duramente o Google e a Apple. A norma vai instaurar a possibilidade de escolher entre várias lojas de aplicativos, o que permitirá evitar a App Store, da Apple.

Já a DSA proíbe a publicidade direcionada a crianças ou baseada em dados confidenciais, como religião, gênero, raça e opiniões políticas. Os chamados "dark patterns" (padrões obscuros), táticas que induzem as pessoas a fornecerem dados pessoais para empresas on-line, também serão proibidos.

Dúvidas

A regulação europeia só deve entrar em vigor no próximo ano, e a capacidade de execução é a maior dúvida acerca do pacote legislativo. A UE criou uma força tarefa de cerca de 80 pessoas para a aplicação e fiscalização das duas leis. "Muitos perguntam se o pacote legislativo vai ser, de fato, eficiente. Isso vai depender da UE ter braço para fiscalizar esse conjunto de leis", disse a advogada Tainá Junquilho.

Um ponto crítico para a aplicação da legislação é a definição dos critérios para classificar uma plataforma como "sistêmica", ou "guardiã", empresas de tal porte que eliminam a concorrência e atuam basicamente à margem das regulamentações vigentes. O parâmetro para classificar uma empresa como sistêmica é a existência de "mais de 45 milhões de usuários ativos" na União Europeia. As empresas que se enquadrarem nesta definição serão auditadas anualmente por órgãos independentes e permanecerão sob a supervisão da Comissão Europeia.

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