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Modernização do transporte público esbarra na falta de recursos

Transporte público brasileiro tem veículos com idade média de seis anos, a mais elevada em pelo menos 27 anos. Renovação é dificultada pela queda no número de passageiros

Michelle Portela
postado em 14/08/2022 06:00
 (crédito: Divulgação/NTU)
(crédito: Divulgação/NTU)

Sem recursos para renovação da frota e com veículos antigos, o transporte de passageiros por ônibus enfrenta desafios. Atualmente, o usuário brasileiro de transporte público utiliza a frota com idade média de seis anos — a mais elevada desde o início do monitoramento realizado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) nos últimos 27 anos — com ônibus rodando quase que diariamente nas cidades e também interurbanos. Prefeitos e empresários ainda não sabem onde buscar recursos extratarifários para bancar a modernização necessária para o cumprimento de metas ambientais.

Os dados do Anuário da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) 2021-2022 foram levantados em nove capitais: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Entre os principais problemas apontados pelo estudo para a defasagem da frota está a perda de usuários de forma persistente, uma vez que pelo menos 10,8 milhões de viagens pagas deixaram de ser realizadas por dia por passageiros de ônibus urbanos em 2021, o que representa uma queda de 32,6% em comparação com o período da pré-pandemia.

O presidente-executivo da NTU, Francisco Christovam, explica que o setor analisa os dados para tentar reverter os resultados negativos. "De modo geral, o resultado traçado pelo desempenho operacional do setor impressiona pelo impacto negativo. Os sistemas organizados de transporte público por ônibus urbano, presentes em 2.703 municípios brasileiros, tiveram uma perda acumulada de R$ 27,8 bilhões, do início da pandemia a abril deste ano", explicou.

Negociação

O financiamento do serviço, por meio do qual seriam obtidos os recursos para a renovação da frota, é motivo de debates permanentes no setor. Para mudar esse cenário, entidades do ramo criaram uma carta documento, entregue a pelo menos 80 secretários de Mobilidade Urbana, durante o evento LatBus 2022, realizado na última semana em São Paulo (SP). A carta também foi endereçada a candidatos para o Poder Executivo.

No documento, as entidades sugerem recursos de fontes extratarifárias, ou seja, para além do valor do bilhete pago por passageiros — hoje, única fonte de recursos para o transporte em pelo menos 90% das cidades. Entre as ideias para obter recursos estão a taxação dos serviços de transporte por aplicativo; exploração de estacionamentos rotativos ou em vias públicas; multas pelo transporte irregular de passageiros; e a criação de uma Contribuição do Transporte Público Urbano, semelhante à Contribuição de Iluminação Pública.

Durante discurso no evento, o presidente da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) e prefeito de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira, demonstrou preocupação com a situação da mobilidade no país. "O sistema de transporte foi construído sem planejamento e ficou a cargo das prefeituras, que muitas vezes não se interligam. Num país continental como o Brasil, precisamos de um sistema único, claro, conversado entre todos os entes, mas com planejamento nacional", defendeu.

Outra ideia trazida para financiamento do transporte público é que as tarifas a serem cobradas por loterias municipais sirvam para esse fim. Recentemente, a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou a criação de uma loteria municipal, que está para ser licitada."Eu o carimbei [ao sancionar o projeto de lei] e disse que o dinheiro será utilizado para pagar transporte de pobres", comentou Sebastião Melo, prefeito de Porto Alegre

Renovação

Para que o Brasil promova a transição energética das frotas, algumas políticas públicas precisarão ser definidas. A descarbonização no transporte é estratégica para alcançar a redução na geração de poluição por meio dos ônibus elétricos. Algumas capitais brasileiras já iniciaram a eletrificação das frotas de ônibus, como em São Paulo (SP). A previsão no município é que 2,6 mil ônibus elétricos estarão em circulação até 2024 e, até 2030, não terá mais ônibus do transporte coletivo movido a diesel.

A norma atualmente vigente no Brasil, P-7, está em vigor desde 2012 e equivale à Euro V. Porém, em novembro de 2018, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu a norma Proconve P-8 de emissões para veículos automotores pesados novos de uso rodoviário no Brasil, válida para os novos veículos destinados ao transporte de passageiros e de carga.

Por definição, a norma P-8 especifica limites máximos de emissão para gases de escapamento, partículas e ruído, bem como requisitos de durabilidade, sistemas de diagnóstico de bordo e testes em uso, entre outras disposições. Significa também alinhamento com veículos produzidos no Brasil com países europeus, além de Índia, China e México.

Assim, a norma P-8 entrou em vigor para as homologações de novos modelos de veículos em 1º de janeiro de 2022 e será válida para todas as vendas de novos veículos e registros em 1º de janeiro de 2023. Motoristas poderão aderir de forma voluntária antecipada. "É uma mudança do perfil necessária, mas que somente vai ocorrer se houver políticas públicas compatíveis", afirma Cristovam.

Porém, Cristovam diz que os esforços do setor estão voltados para a substituição do diesel como combustível para a descarbonização da frota. Mesmo que o tema seja invisível nos discursos, agendas e programas de governo do candidatos majoritários ou proporcionais, emergências e desafios para a descarbonização da frota de ônibus no país dominaram os debates durante o seminário que a NTU, que ocorreu de 8 a 11 de agosto em São Paulo, reunindo empresários, autoridades e pesquisadores em busca de aprofundar as discussões sobre o tema.

Empresas

Outra estratégia bastante debatida no setor, a eletrificação da frota é uma das principais apostas das empresas para a transição energética. A Marcopolo anunciou, durante a Lat.Bus 2022, que iniciará, ainda em agosto, a produção em série do Attivi, o primeiro ônibus da marca com chassi próprio totalmente elétrico. A expectativa é que até o final do ano sejam produzidos 30 veículos do tipo.

A Marcopolo é uma das empresas avançadas no segmento, e já conta com mais de 350 ônibus elétricos e híbridos rodando em diversos países, como Argentina, Colômbia, Austrália e Índia, além do Brasil, com chassis de parceiros.

Já a Mercedes-Benz lançou seis modelos de ônibus com motores Euro 6, com investimentos de R$ 100 milhões, montante que faz parte dos R$ 2,4 bilhões destinados pela companhia no Brasil para o período de 2018 a 2022.

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