Entrevista | TIJANA JANKOVIC | CEO DA RAPPI NO BRASIL

"Consumidor brasileiro não tem opções", afirma a CEO da Rappi

Com mercado dominado pelo iFood, concorrente se vê sem espaço para crescer e questiona acordos entre plataformas e restaurantes

Raphael Pati*
postado em 15/08/2022 06:00
 (crédito:  Divulgação/@Vagner_medeiros_photo)
(crédito: Divulgação/@Vagner_medeiros_photo)

De acordo com dados da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), o setor de delivery e foodservice no Brasil é dominado pelo iFood, que possui 80% de participação no mercado brasileiro. Concorrentes da empresa denunciam que a significativa participação foi alavancada, dentre outros fatores, pela elaboração de contratos com cláusulas de exclusividade com diversos restaurantes, que impedem que esses estabelecimentos utilizem outras plataformas para comercializar seus produtos.

O imbróglio se intensificou com a saída da Uber Eats, em março deste ano. Na época, a companhia enviou uma manifestação ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) atribuindo ao "monopólio" do Ifood a sua desistência. Com a pressão do mercado, o Cade proibiu o Ifood de utilizar cláusulas dessa natureza, até que as investigações sobre acordos anteriores cheguem ao fim.

Líder no Brasil da startup de entrega sob demanda Rappi, a executiva sérvia Tijana Jankovic concedeu entrevista ao Correio para falar sobre a situação do segmento. Tijana relatou que a empresa é favorável à extinção de todos os acordos de exclusividade anteriores à medida que ainda continuem valendo e argumenta que a saída da Uber Eats é um sinal de que há falta de competitividade no segmento no Brasil. Confira a entrevista.

O que a saída da Uber Eats significou para o mercado de delivery no Brasil?

É um sinal do quão grave está a situação, porque não é uma empresa qualquer, é uma marca extremamente presente no Brasil. A Uber, nas caronas, é a maior do país e jamais teve problema de usuários. Em um mercado equilibrado, a saída de um player, por qualquer que seja o motivo, o esperado é que os demais players peguem uma fatia desse espaço que se abriu. Não foi o que aconteceu, porque a Uber, apesar de ter tido a força de usuários e de logística, não teve a força de expansão, por, também, não ter conseguido trabalhar com nenhuma marca relevante.

As medidas definidas pelo Cade para abrir espaço para a competitividade no mercado são suficientes?

Não é suficiente para dizermos que vai impactar de forma significativa a posição do iFood no mercado. Além disso, eles encontram maneiras de burlar essa regra, através de algumas estratégias comerciais e outras jurídicas, que vão contra a medida preventiva do Cade. Uma das formas utilizadas é a inclusão de novas lojas e até novas marcas nos contratos de exclusividade através de 'puxadinhos' jurídicos. Por exemplo, se temos um grupo de restaurantes e um deles tem faturamento significativo e não tem exclusividade, mas tem um outro restaurante muito pequeno, que tem exclusividade, e que é irrelevante em comparação com a força do primeiro, eles fazem a renovação de exclusividade desse pequeno e conseguem embutir o CNPJ do restaurante grande, dentro do mesmo contrato.

Quais são os principais problemas vivenciados hoje nesse mercado?

Há presença exagerada desses contratos de exclusividade, que também são pesados para os próprios restaurantes. Houve desenvolvimento impulsionado pela pandemia, no qual a dependência do delivery pelos restaurantes não é mais 10% ou 15% do mercado, como era antes, e sim, é 40% ou 50%. Os restaurantes sentem que essa situação é extremamente ruim para eles no médio prazo, que eles já estão pagando a conta. Porém, no curtíssimo prazo, eles estão reféns disso e com extremo receio de se manifestar publicamente, por medo de retaliação e de perda de vendas. Nosso pleito é ter um mercado que permite que vários players — o Rappi sendo um deles — possam competir de igual para igual, para que os próprios restaurantes tenham ofertas competitivas e possam se beneficiar disso. Quem oferece a melhor taxa, quem oferece as melhores condições.

Como funcionam os contratos no mercado de delivery?

Hoje não existe nenhum tipo de limitação sobre a natureza do que se pode colocar nesse tipo de contrato. São 100% bilaterais, não seguem nenhum tipo de padronização. Além dessas multas exorbitantes, que às vezes comprometem o próprio equilíbrio econômico do contrato, você pode também ter uma série de cláusulas que resultam em efeitos financeiros comerciais extremamente agravantes para o parceiro.

Do ponto de vista do restaurante, quais seriam as vantagens em assinar um contrato de exclusividade?

Tente pensar como um dono de restaurante que saiu de dois anos de pandemia. Provavelmente passa o dia olhando a sua planilha, para saber se vai quebrar ou não. Essa é a realidade do mercado, efetivamente. Aí você tem na sua frente esses dois contratos e você fala o seguinte: 'eu sei que se eu for exclusivo, o iFood vai começar a dominar 50%, 60% das minhas vendas. Sei que vou ser engolido. Vão me dar algumas vantagens, mas se no dia seguinte, eles não quiserem mais, eu não tenho nada a fazer.' No final é sempre a marca do iFood, não é o restaurante que tem destaque. Eles olham e falam: 'Eu sei o que é certo para o meu negócio estrategicamente, mas se eu simplesmente não aderir a um contrato de exclusividade com alguém que representa parte importante das minhas vendas, eu quebro. Não consigo esperar o mercado se desenvolver, não vou viver para ver o mercado mais saudável'. Então essa é exatamente a trava na qual a gente está hoje.

Em quais mercados a empresa é bem-sucedida, e que podem servir de inspiração?

Normalmente se compara o Brasil, a nível de América Latina, ou com México ou com a Argentina. No México somos relevantes. A própria Uber Eats é relevante, praticamente com a mesma estratégia, que no México deu certo, e no Brasil tiveram que sair. Então, quando a gente compara o desenvolvimento desses dois mercados, que têm uma dinâmica parecida do ponto de vista de organização urbana do país e de poder aquisitivo, você vê que lá houve vários players competindo, no Brasil isso simplesmente não aconteceu. No final você sabe qual é a fatia que você ocupa e, como em qualquer outra indústria, você fica de olhos abertos nos seus competidores e vê se você tem oportunidade de se posicionar de forma mais vantajosa. O mercado segue crescendo e cada um participa desse crescimento, o usuário tem várias opções. Já o usuário brasileiro hoje, que consome das cadeias principais, não tem outra opção. Ele precisa consumir no iFood.

*Estagiário sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza 

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