Entrevista | Daniella Marques | presidente da Caixa Econômica Federal

Daniella Marques mostra gestão com olhar atento às mulheres na Caixa

Após escândalos envolvendo denúncias de assédio dentro do banco, dirigente da instituição busca fomentar protagonismo feminino

Ana Maria Campos
Isabel Dourado*
postado em 10/09/2022 03:30
 (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A presidente da Caixa Econômica Federal, Daniella Marques, avaliou, ontem, a atuação da instituição após a saída de Pedro Guimarães do cargo devido ao envolvimento em denúncias de assédio sexual e moral. Em entrevista ao CB Poder — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília —, Daniella reforçou o compromisso de promover um programa de combate ao assédio e de estímulo ao empreendedorismo feminino. Confira na íntegra a conversa com a jornalista Ana Maria Campos.

A senhora assumiu o comando da Caixa em um momento de crise com o presidente anterior. Essa questão já está superada?

Trabalhei 20 anos no setor privado, no mercado financeiro, e me juntei, ainda na equipe de transição do ministro Paulo Guedes, a um projeto que eu acredito, de política econômica de governo. A Caixa é uma peça, um instrumento de um plano maior no governo de transição, e as diretrizes eram claras para mim. Quando houve denúncias sérias, graves e que ocasionaram no imediato afastamento do meu antecessor, cujos fatos ainda estão sendo apurados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, quis assegurar que houvesse independência e proteção das partes envolvidas no processo de apuração. Não é a situação ideal, eu gostaria de ter assumido em outro cenário, até porque a proximidade da eleição acirra muito e extrapola do próprio banco o ruído que gera e toda a gravidade da questão em si.

O que foi feito de imediato a respeito das denúncias quando assumiu o cargo?

Imediatamente foi implementada uma governança muito sólida de apuração. Eu me comprometi, ainda na minha posse, com o rigor e a independência. Também é essencial que ocorra tudo em sigilo, porque envolve a proteção às próprias denunciantes, aos denunciados, às famílias dessas pessoas e à própria Caixa, que é um banco de 161 anos de história, de quase R$ 1 trilhão em carteira de ativos, e que está presente Brasil afora. A apuração está acontecendo, tem uma equipe permanente dentro do banco, tem uma empresa independente que foi contratada. Esse grupo trabalha 24/7. Além disso, foi instalada uma comissão de supervisão, formada por um colegiado de órgãos de controle, Advocacia-Geral da União (AGU), o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), que destacou o próprio corregedor-geral, o ministro Wagner Rosário, que tem contribuído muito com a Caixa nesse processo para que essa comissão monitore os trabalhos junto ao Conselho da Administração. Uma vez concluído, o trabalho será encaminhado ao Ministério Público. Quando você tem qualquer indício de evento dessa natureza imediatamente você tem que revisar os seus próprios controles, fortalecer os canais de denúncia internos e principalmente reforçar a política de integridade, fazendo prevenção, fazendo treinamento. Criamos um canal de acolhimento para mulheres e apoio permanente que eu monitoro diretamente. Pode ser por WhatsApp, pode ser presencial, está tudo caminhando de forma muito sólida e independente.

O canal para o empregado fazer uma denúncia é importante porque, muitas vezes, ele tem receio, acredita que não vai para frente se denunciar uma pessoa poderosa da instituição. A senhora fortaleceu isso?

O canal é totalmente independente do próprio presidente. Este mês, faremos uma reunião do Conselho de Administração para trabalhar uma proposta de aprimoramento de governança. O banco entrou agora com uma vice-presidência de Sustentabilidade e Empreendedorismo.

E extinguiu outras?

Isso. Fizemos uma fusão da vice-presidência de Logística com a de Pessoas, com objetivo de integrar a gestão de pessoas e processos, e a gente melhorar a fluidez e a harmonia dos processos, uma vez que a estratégia se discute na matriz central aqui em Brasília, mas o banco tem capilaridade nacional. Com isso você fortalece a integração e as pessoas. Gera práticas modernas de gestão, criando uma vice-presidência única de gestão corporativa, que é a forma como o Banco do Brasil e outros bancos privados trabalham. Sem custo criamos uma vice-presidência dedicada a Sustentabilidade, trabalhando de forma multidisciplinar nesta pauta, seja na parte social, seja na parte ambiental, e na parte de governança. A Caixa é um banco social por vocação.

Ainda mais agora que está concentrando os principais projetos habitacionais e sociais do governo...

Exato, então o que a gente tem como objetivo singelo é ser referência em sustentabilidade no mundo, e um banco que tem o escopo e o tamanho da ampliação social como principal operador dos programas de governo. São mais de R$ 150 bilhões de reais por ano em benefícios de programas sociais do governo federal operados através da Caixa. A gente quer fortalecer. Nessa mudança de governança, então, foi dada independência para a corregedoria. Agora vamos reestruturar e fortalecer principalmente a parte de modelagem de risco de crédito e o compliance, para que atue mais preventivamente, faça um programa permanente de treinamento interno, de capacitação de lideranças femininas. Trabalhar essa pauta numa num formato mais amplo e mais enfocado.

Uma mulher na direção de um grande banco é uma coisa rara no Brasil. Além disso, chegou num momento importante porque tem competência. Acha que o fato de o presidente ter escolhido uma mulher ajuda nessa transição?

Acho que sim, mas não foi o motivo. Eu estou no governo desde o início e sempre fui enquanto o braço direito do ministro Paulo Guedes, sempre fui interlocutora não só dele, mas do presidente da República. Fiz boa parte da articulação política interna de governo das medidas prioritárias do Ministério. Trabalhei muito nessa construção de bastidor e um pouco do que é a cabeça dele também é a minha, de que as pessoas estão ali num exercício de conhecimento, vocação e mérito. Cheguei onde cheguei, hoje presidente do terceiro maior banco do Brasil, se você pega os privados os dois maiores nunca tiveram presidente mulher, mas é porque eu tinha vocação para o mercado financeiro. Eu com quinze anos, com dez, queria trabalhar no mercado financeiro.

Talvez esse já fosse o seu caminho mesmo. Poderia estar na presidência de um banco privado.

Com certeza. Eu preferi empreender no mercado financeiro, então fui sócia de gestoras de recursos especializadas. Então, um business mais de atacado, mas montando do zero. Trabalhei em mesa de operações, operando bolsa, que é um ambiente muito masculino. A minha visão é assim, os direitos das mulheres já foram conquistados lá atrás. Isso vale pra mim, vale para você que é uma jornalista excepcional e está aqui por ser competente e comunicadora e não por ser mulher, é como eu vejo. Ao mesmo tempo, a gente reconhece que existem algumas carreiras, principalmente algumas sensibilidades e resistências nas lideranças que precisam ser quebradas, mas eu digo que metade da jornada é da própria mulher, de não se intimidar. Como você chegou? Eu fui lá e fiz. Não existem mecanismos de proteção a não ser a própria mudança de cultura das empresas, a partir da liderança que já vem acontecendo muito rápido e da postura das mulheres de não se intimidarem. E se tiver algum problema hoje existem canais de denúncias diversos. Essa questão já está muito bem tratada no sentido de incentivo.

A senhora tem apostado muito no apoio às mulheres com o Caixa Para Elas. Como vê essa questão da independência financeira?

Não adianta você ter um discurso em que você vitimiza, mas no final cria políticas de segurança ou econômicas que estão antagônicas à própria pessoa que você considera vítima. Para mim, mulher não é vítima, mulher é a força. Eu costumo dizer que quem tem força para parir um filho tem força para qualquer coisa, e é uma força muito subliminar.

As mulheres precisam entender que são fortes…

Tudo está dentro delas. Então, um pouco da capacitação tem mais a ver com encorajamento e com empoderamento no sentido do 'eu posso', e não da disputa de poder. Porque eu não acredito em disputa de poder entre homens e mulheres, eu acredito que times de excelência você monta a partir de complementaridade de talento, e o talento não necessariamente tem a ver com gênero, tem a ver com conhecimento, tem a ver com vocação. Quanto mais complementar é um time, mais forte e melhor ele vai jogar. Essa é a minha visão, foi assim que eu liderei, estruturei equipes e o ministro também sempre me orientou nesse sentido. Todos os dias na imprensa tem um episódio de violência contra a mulher: uma em cada quatro mulheres vítimas de violência, chegando a estatística de que metade das mulheres economicamente ativas no Brasil sofrem algum tipo de assédio no trabalho.

E chega até ao feminicídio, que é uma mulher que não consegue se desvincular do seu agressor…

Exato. Eu perguntava: quais são as dificuldades? Foi feito um plano de enfrentamento ao feminicídio, foi criado um programa Salve uma mulher, foi criada a casa da mãe brasileira e da mulher brasileira. O governo tem uma atuação e a primeira vez que se reduz feminicídios nesses últimos quatro anos por uma política dura de repressão à violência, e esse é o ciclo. Falta conscientização e prevenção. Então por que não, a Caixa além de trabalhar o tema pra dentro, que é toda essa questão de governança, porque não abraçar a causa?

De que maneiras isso vem sendo posto em prática?

A Caixa além de ser o banco de todos os brasileiros vai abraçar e ser promotora dessa redução dos obstáculos que as mulheres infelizmente ainda enfrentam. O primeiro pilar da estratégia do Caixa para Elas é justamente pegar a vocação social para atuar na prevenção, na difusão e na conscientização dos canais de denúncia, que é o ligue 180 das delegacias de repressão, da delegacia de especialidades do atendimento da mulher usando um pouco do encorajamento e usando a força da nossa rede para isso.

E a gente fez isso não só capacitando um quadro interno e criando um espaço dedicado, mas também unindo outras empresas a causa. Eu disse que eu ia construir um grande pacto nacional, e eu vou te contar um negócio em primeira mão. Eu recebi hoje uma ligação do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Isaac (Sidney) que a gente vai ser acolhido no acordo com a do trabalho para todo o sistema a causa da prevenção a violência contra a mulher. Então, o Banco do Brasil já tinha abraçado a causa junto com a Caixa, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), clubes de futebol, Flamengo, Corinthians, agora está vindo o Palmeiras, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), com uma atuação no ramo de construção que é um ramo masculino.

*Estagiária sob a supervisão de Carlos Alexandre de Souza

 

 


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