Mercados

Após um ano marcado por perdas com alta dos juros, Ibovespa recupera fôlego

B3 recupera fôlego nas últimas semanas e fecha o ano com alta de 4,68%, após sofrer com juros elevados e incertezas políticas

Rafaela Gonçalves
postado em 30/12/2022 03:55
 (crédito: Bruno Escolastico/Estadão Conteúdo)
(crédito: Bruno Escolastico/Estadão Conteúdo)

Em uma sessão de baixa liquidez, com muitos investidores já no clima do réveillon, o Índice Bovespa (IBovespa), principal referência da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), não conseguiu se manter no patamar acima dos 110 mil pontos, encerrando o último pregão do ano com variação negativa de 0,46%, aos 109.735 pontos, com giro financeiro de pouco mais de R$ 24 bilhões. O dólar comercial, por sua vez, registrou alta de 0,47%, aos R$ 5,28 para venda.

No acumulado de dezembro, a B3 apresentou queda pelo segundo mês consecutivo, registrando baixa de 2,44% no período. Apesar de vir amargando perdas ao longo do ano, em meio à inflação global, alta dos juros e incertezas políticas, a Bolsa brasileira, que até o início do mês acumulava variação negativa, recuperou um pouco do fôlego nas últimas semanas e conseguiu encerrar 2022 com alta de 4,68%.

Mesmo assim, a valorização deverá ficar abaixo da inflação anual, estimada em 5,9%, e da Taxa Básica de Juros (Selic), atualmente em 13,75% ao ano — o que significa perda real para aplicações que seguem estritamente o Ibovespa. Entretanto, muitas ações tiveram ganhos expressivos, proporcionando lucro a quem investiu nelas, enquanto outras tiveram prejuízo ainda maior (veja quadro). A moeda norte-americana, por sua vez, avançou 1,48% neste mês, mas terminou o ano com uma desvalorização de 5,32% ante o real.

No âmbito doméstico, o mercado foi bastante guiado pela conjuntura política ao longo deste ano, sobretudo no segundo semestre. Em um cenário moldado pela eleição presidencial, os investidores se mostraram sensíveis ao noticiário nacional. A Bolsa brasileira enfrentou um pleito apertado em que venceu Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com um discurso marcado pelo viés da ampliação de gastos, pouco amigável ao mercado, na visão dos investidores, que seguem cautelosos.

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pri-3012-bolsa (foto: pri-3012-bolsa)

Equipe econômica

Para o chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, Pedro Serra, a bolsa vem amargando perdas por uma certa frustração e incerteza sobre os passos do novo governo. "A expectativa era de que Lula chegasse mais pragmático, com nomes (de ministros) atraentes para o mercado, e não foi o que aconteceu. A questão fiscal, com alta de gastos, gerou um estresse muito grande em meio a declarações que provocaram volatilidade. Isso, obviamente, aumenta a incerteza e leva os investidores a tomarem posições de aversão ao risco", afirmou.

No último pregão, os investidores repercutiram a conclusão do anúncio da equipe de ministros de Lula, com a divulgação dos 16 nomes que ainda faltavam. Também continuam no radar, a partir da próxima semana, as decisões da futura equipe econômica do governo, com destaque para as discussões sobre a desoneração dos impostos federais sobre os combustíveis.

Segundo o analista da Ouro Preto Investimentos, Bruno Kamura, as mudanças do novo governo devem ser decisivas para os negócios. "O momento é de cautela, os investidores ainda têm muita preocupação em relação ao novo governo e o que foi discutido na transição. Uma coisa que acabou animando bastante foi o discurso do futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de aproximação com o mercado e tom mais fiscalista, pensando também no controle de gastos", observou.

Juros

No cenário global, a Guerra na Ucrânia, iniciada em fevereiro, jogou os preços das commodities para cima, o que foi um ponto favorável, até então, para ações de empresas ligadas a matérias-primas. No entanto, os rumos mudaram a partir do segundo semestre, quando a economia global deu os primeiros sinais de esfriamento, a perspectiva de recessão passou a pesar no mercado e as commodities cederam.

Com a inflação atingindo seu maior patamar em décadas nas principais economias do mundo, os bancos centrais começaram a subir os juros para níveis recordes. Com isso, a Bolsa, que teve entrada forte de investidores pessoas físicas ao longo dos últimos anos, quando os juros reais — descontada a inflação — estavam negativos, tornou-se cada vez menos atrativa.

O sócio da Valor Investimentos, Davi Lelis, avaliou o cenário, que tem feito muitos dos novos investidores migrarem para a renda fixa. "Quando os juros estão mais altos, como vimos nos sucessivos aumentos ao longo deste ano, a tendência, naturalmente, é de que a bolsa caia. Isso acaba chamando atenção de investidores mais moderados ou conservadores, que vão olhar a renda fixa pagando 14% ao ano de maneira garantida, e não vão querer tomar risco na Bolsa", afirmou. Além disso, para os analistas, há indícios de que o aperto monetário já começa a desacelerar a atividade econômica, o que traz preocupações acerca das perspectivas para o próximo ano.

Destaques

Apesar do cenário, algumas empresas conseguiram se destacar com ganhos relevantes no Ibovespa. No topo do ranking estão os papéis da Dommo Energia (DOMMO3) registrando a maior rentabilidade do ano (269,23%). Em seguida aparece a Cielo (CIEL3), com 142,09%, e a construtora Cury S/A (CURY3), com acumulado de 94,53%. No lado das perdas, a Espacolaser (ESPA3) teve a maior desvalorização (83,56%). Em seguida aparecem a Aeris (AERI3), com perda de 82,69%, e a seguradora IRB Brasil Re (IRBR3), menos 78,61% (confira o ranking completo).

Outras exceções são as ações que pagam bons dividendos. De acordo com um levantamento feito pela TradeMap, as empresas cotadas como as mais generosas na distribuição de proventos no próximo ano já estavam na lista de 2022. Dentre elas, estão nomes ligados a commodities metálicas e ao petróleo, as tradicionais companhias que atuam na distribuição de energia elétrica e os bancos. Vale (VALE3), Gerdau (GGBR4), Petrobras (PETR4), Itaú (ITUB4) e Engie (EGIE3) estão entre as companhias mais mencionadas da lista.

De olho no novo governo

Após um ano extremamente volátil, a expectativa de analistas é de um cenário difícil para ativos de risco no próximo ano, diante da ambiguidade política e o ambiente macroeconômico global ainda mais incerto. Com Lula no comando do país, muitos acreditam que deve haver uma mudança de perspectiva para os investimentos, tirando o foco de estatais e impulsionando papéis de empresas de setores voltados para o público de mais baixa renda.

A afirmação do presidente eleito de que irá turbinar o programa habitacional, que voltaria a se chamar Minha Casa Minha Vida, com mais recursos e taxas de juros menores, tende a impulsionar o setor de construção. "Há um um olhar voltado para as empresas do setor de educação e construtoras, por exemplo, além de empresas direcionadas ao público de mais baixa renda, que seriam favorecidas por possíveis programas sociais. Esses papéis devem se destacar", avaliou a economista e professora de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Carla Beni. Segundo ela, ações de varejistas também devem acelerar ganhos, segundo as projeções.

Estatais

Empresas públicas, por outro lado, devem enfrentar um cenário de forte volatilidade nos próximos anos, devido ao caráter intervencionista do novo governo, além de declarações controversas sobre a política de preços da Petrobras e a discussão sobre a Lei das Estatais. Segundo analistas, as ações da Petrobras (PETR3; PETR4) e do Banco do Brasil (BBAS3), estão no radar com expectativas de maiores perdas.

Baseado no histórico de Lula e nas políticas anunciadas até o momento, a Toro Investimentos divulgou relatório indicando estratégias de alocação de investimentos para 2023 e o próximo ciclo político do Brasil. Os economistas acreditam que os anos à frente serão marcados por medidas fiscais expansionistas, que podem beneficiar alguns setores, mas trazer pressão sobre as taxas de juros futuras.

"Com o teto de gastos mais flexível, ou extinto, é possível esperar que o panorama fiscal passe por algum nível de deterioração, possivelmente aumentando os spreads dos títulos de renda fixa prefixados e atrelados à inflação", destaca o relatório. A depender dos impactos dessas medidas sobre a inflação, pode ser necessário manter a taxa de juros em patamares mais elevados no país, apesar da posição já avançada no que diz respeito aos juros básicos brasileiros atuais quando comparados aos de outras economias.

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