Planalto x BC

Lula pressiona política monetária do BC; Mercadante tenta apaziguar críticas

Presidente diz que o Senado deve fiscalizar a política monetária. Fernando Haddad vê a última ata do Copom como "amigável"

Rosana Hessel
Rafaela Gonçalves
postado em 08/02/2023 03:55
 (crédito: MAURO PIMENTEL / AFP)
(crédito: MAURO PIMENTEL / AFP)

Em um novo capítulo do embate entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Banco Central, o chefe do Executivo baixou o tom das críticas a fim de não criar mais "confusão" com o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Contudo, incentivou a vigilância por parte dos ministros e de parlamentares da base aliada. Representantes do Senado e da Câmara já protocolaram pedidos para que o chefe do BC explique o atual patamar da taxa básica da economia (Selic) nas duas Casas.

"Eu estou muito tranquilo, eu não quero confusão. A única coisa que eu quero é que esse país volte à normalidade, que este país volte a crescer, gerar emprego, distribuir renda", disse o chefe do Executivo, ontem, a jornalistas independentes. A proximidade de Jair Bolsonaro (PL) com Campos Neto tem incomodado Lula e seu entorno petista. Não à toa, as críticas ao BC pipocam desde o início do governo e ficaram mais duras, na semana passada, quando o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva, na primeira reunião do ano.

O presidente pontuou que, com a autonomia, é possível culpar o Banco Central pelo patamar elevado dos juros, e que "o Senado que pode trocar o presidente do Banco Central". Ele espera que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, "estejam acompanhando a situação do Brasil". Tebet e Haddad, integram, com Campos Neto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) — órgão que pode encaminhar ao presidente da República o pedido de destituição do chefe do BC em caso de "comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos" da autarquia, conforme a lei que criou a autonomia do BC, em 2021. Já ao Senado, cabe aprovar essa troca de nomes.

Em resposta às críticas do governo, Campos Neto voltou a defender a autonomia do órgão. "Acho que é muito importante por diferentes razões. A principal razão, no caso da autonomia do BC, é desconectar o ciclo de política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses. Quanto mais independente você é, mais efetivo você é, e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício da política monetária", disse em palestra em Miami, nos Estados Unidos.

Haddad, por sua vez, tentou amenizar a tensão com o Banco Central, elogiou a ata do Copom, divulgada ontem, e disse que considerou "mais amigável" do que o comunicado emitido após a decisão de manutenção da Selic. Na véspera, criticou o comunicado do BC e disse que o órgão não considerou as medidas anunciadas por ele em janeiro para reduzir o rombo fiscal deste ano, de R$ 231,6 bilhões. Na avaliação de especialistas, o plano tem impacto duvidoso, em grande maioria, especialmente porque há novas despesas surgindo sem perspectivas de cortes de gastos.

"A ata veio melhor do que o comunicado. Veio mais extensa, mais analítica, colocando pontos importantes sobre o trabalho do ministério da Fazenda. É uma ata, vamos dizer, mais amigável em relação aos próximos passos a serem comunicados", declarou o ministro da Fazenda. No documento divulgado ontem, contudo, o Copom usou a palavra risco 20 vezes, mais do que as 15 vezes na ata anterior, de dezembro de 2022, e manteve a janela aberta para novas altas de juros.

Prêmio de risco

O mercado financeiro tem reagido mal aos atritos, temendo tentativas de intervenção do Executivo na autonomia da autoridade monetária. A cada ataque, o dólar e a curva de juros sobem, e a Bolsa cai, como reflexo do mau humor dos agentes financeiros — que cobram mais prêmio de risco para os títulos da dívida do governo federal. Além disso, lembram os analistas, a retórica ofensiva de Lula contra o BC tem efeito contrário do que o governo espera, pois piora as expectativas de inflação, aumentando a projeção para os juros futuros.

Economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack destacou que o momento é de muita incerteza em relação à coordenação entre a política monetária e política fiscal. "Já temos uma série de incertezas sobre a orientação da política econômica ao longo de 2023, isso acaba exigindo um prêmio de risco maior para o investidor colocar o seu dinheiro aqui", disse. Segundo Abdelmalack, para baixar a tão criticada taxa básica de juros, o presidente deveria estar mais preocupado em trabalhar por uma reforma tributária eficiente e um arcabouço fiscal razoável e mais crível do que o teto de gastos.

O analista da Ouro Preto Investimentos, Bruno Kamura, reforçou que esse tipo de conflito entre o governo e o BC acaba deteriorando as expectativas. "Esses ruídos são bastante prejudiciais, ainda mais porque o governo vai tentar estimular a economia por meio de política fiscal, o que reforça a necessidade de uma política monetária mais dura", frisou.

Na avaliação do economista e consultor André Perfeito, ex-Necton Investimentos, essa disputa é "falsa", porque Lula não gastará o capital político para afastar Campos Neto, cujo mandato vence em 2024, e, muito menos, tentar derrubar a autonomia do BC. Ele aposta que o BC reduzirá a Selic ao longo do ano, já que a mediana das estimativas do mercado do boletim Focus, do BC, para a taxa básica em dezembro está em 12,50%.

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