Guerra dos juros

Relação entre Planalto e Banco Central apresenta sinais de trégua

Ministro da Fazenda fala em alinhar expectativas com o Banco Central, que continua sob bombardeio do PT e de sindicalistas

Fernanda Strickland
Ândrea Malcher
Rafaela Gonçalves
postado em 15/02/2023 03:55
 (crédito:  Rovena Rosa/Agência Brasil)
(crédito: Rovena Rosa/Agência Brasil)

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defendeu o alinhamento de expectativas com o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, para buscar reduzir a taxa de juros, em paralelo às medidas de equilíbrio fiscal do governo. Ao comentar declarações recentes do chefe da autoridade monetária, o ministro afirmou que Campos Neto reconheceu que as medidas tomadas pelo governo para reduzir o deficit fiscal e o endividamento público estão na "direção correta". Haddad informou ainda que a proposta de elevar a meta de inflação para obter uma queda mais rápida dos juros — medida sugerida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e criticada pelo presidente do BC — não está na pauta da reunião de amanhã do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Desde a semana passada, Campos Neto está no centro de um bombardeio, deflagrado por Lula ao questionar o nível da taxa básica de juros, a Selic, atualmente em 13,75% ao ano, e a autonomia conferida por lei à instituição. Lula reclamou, ainda, dos seguidos alertas do BC à "incerteza fiscal" para justificar a manutenção dos juros em patamar elevado.

Na segunda-feira à noite, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Campos Neto explicou as posições do BC (veja quadro abaixo) e demonstrou interesse em trabalhar de forma cooperativa com o governo Lula. Ontem, em evento promovido pelo banco BTG Pactual, em São Paulo, voltou a fazer acenos de paz. "Acho que o governo está na direção certa, tem tido um debate bom. Falar de juros e ter a crítica é natural. Quanto mais fortes as instituições, mais esse debate pode ser intenso sem afetar preço de mercado e expectativas", comentou, acrescentando que entende a urgência do presidente Lula em querer retomar o crescimento do país.

Ao comentar as declarações de Campos Neto, Haddad também usou um tom moderado. "Da parte do Ministério da Fazenda, nós obtivemos o reconhecimento, na entrevista, de que as medidas que estão sendo tomadas estão na direção correta. Isso é muito importante para nós, obtermos esse reconhecimento", disse Haddad, que esteve reunido com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela manhã.

Diante das recorrentes críticas de Lula à política monetária conduzida pela instituição, o ministro destacou que a atual taxa básica de juros, de 13,75% ao ano, compromete os objetivos de crescimento do país, mas disse que há certeza de que um bom entendimento será atingido na relação entre política monetária e fiscal.

"Hoje, de novo, eu ouvi uma declaração do presidente do BC dizendo que é natural as pessoas reclamarem da taxa de juros. Efetivamente, se pegar todos os países com uma meta de inflação, nós estamos em situação, do ponto de vista da inflação, mais confortável. E do ponto de vista dos juros, menos confortável. Vamos alinhar as expectativas para trazer isso em um patamar mais adequado, sem comprometer o crescimento da economia e geração de emprego", destacou Haddad.

Apesar dos acenos de parte a parte, o presidente do BC continuou sob ataque de setores aliados do governo. Ontem, sindicalistas e políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) organizaram manifestações em diversas capitais para protestar contra os juros elevados e questionar a autonomia da autoridade monetária.

Em Brasília, o presidente nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, disse que os juros altos significam menos empregos e prejudicam o desenvolvimento do país. "Esse debate foi feito na campanha eleitoral, e a posição de Campos Neto foi derrotada. Portanto, ele não tem mais o que fazer na presidência do Banco Central", afirmou, durante a manifestação.

A presidente do PT, Gleisi Hoffman, reiterou ontem a opinião de que não existe risco fiscal no Brasil que justifique o fato de a taxa básica de juros, a Selic, estar em 13,75% ao ano e disse esperar que Campo Neto vá à Câmara o mais rápido possível para explicar a política monetária.

"O Banco Central não pode aplicar o remédio errado e comprometer o crescimento do Brasil", criticou. "Esse é um debate econômico e político. Aliás, é político, a economia tem que ser discutida na política", emendou.

Os ataques ao BC e a Campos Neto povoaram também as redes sociais. O Twitter foi tomado por postagens contrárias a manutenção da taxa de juros. Com a hashtag #JurosBaixosJá, parlamentares, organizações sindicais dos bancários chegaram, até o fim da tarde de ontem, a mais de 15 mil publicações na rede. Campos Neto, por sua vez, acumulava mais de 35 mil menções.

"Juros altos são ruins para o Brasil e para os mais pobres. Taxa Selic em 13,75% só interessa à Faria Lima e rentistas", criticou o deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ). Segundo o deputado federal Guilherme Boulos (PT-SP) já passou da hora dos juros caírem. "Os juros precisam cair para que o Brasil volte a crescer! #JurosBaixosJá", afirmou nas redes sociais.

Riscos

Economistas avaliaram que, da maneira emocional como está colocada, a discussão traz riscos à estabilidade econômica. "Simplesmente perguntar para a população o que deveria ser feito em assuntos que nem todo mundo domina é perigoso, porque não necessariamente a vontade da maioria vai ser a melhor decisão quando é um assunto técnico", disse Davi Lelis, sócio da Valor Investimentos.

Segundo Lelis, o maior risco ao forçar a queda dos juros é fazer com que a inflação decole. "Nós vimos ao longo da história várias medidas anticíclicas que deram errado. Mesmo que o presidente Lula defenda que não deve haver uma taxa de juros muito alta, o que tem que ser discutido não é simplesmente a taxa de juros alta ou não, mas qual medida será mais eficiente para combater a inflação, que é o que justamente pesa no bolso dos mais pobres", considerou.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) saiu em defesa de Campos Neto. O parlamentar destacou que é preciso atacar a causa do aumento de juros e encontrar uma "solução comum", e não necessariamente concentrar-se na discussão de pessoas. E voltou a descartar qualquer possibilidade de retroceder na legislação que impôs autonomia ao BC.

Bandeira Branca

Democracia

"É importante reconhecer a legitimidade do resultado das eleições; a eleição do presidente Lula que foi feita de uma forma democrática."

Relação com o governo

"O BC é uma instituição de Estado, precisa trabalhar com o governo sempre".

Governo Lula e mercado

"O investidor é muito apressado, afoito. Acho que a gente tem que ter mais boa vontade com o governo, 45 dias é pouco tempo. O ministro Haddad tem tido uma boa vontade enorme."

Reformas e arcabouço fiscal

"Acho que, à medida que os agentes econômicos entendam que as reformas vão avançar, vai se abrir espaço em algum momento para ter uma situação igual à de dezembro" (Naquele mês, havia previsões de que a inflação entraria na meta os juros começariam a baixar em junho)

Elevação da meta de inflação

O presidente do Banco Central se posicionou contra a elevação da meta de inflação para possibilitar uma queda mais rápida dos juros. Reconheceu divergências de opinião entre economistas, mas se alinhou àqueles que entendem que o reajuste da meta acabaria por elevar as expectativas de inflação e, portanto, exigir juros maiores. Desse modo, a medida teria efeito contrário ao pretendido. "Não entendemos que a meta seja um instrumento de política monetária. Existem sempre, obviamente, aprimoramentos a fazer."

Fiscal X Social

Ao explicar a manutenção da taxa básica de juros em 13,75% ao ano, disse que a autarquia está focada no bem-estar social. "A agenda toda do Banco Central é (pensando) no social. Então, a gente acredita que é possível fazer fiscal junto com o bem-estar social. Mas a gente acredita que é muito difícil ter bem-estar social e inflação descontrolada porque a inflação é um imposto que afeta muito as classes de renda mais baixa. Olhar para a inflação é também olhar para o social."

Grupos bolsonaristas

Questionado sobre sua presença em grupos de mensagens com ex-ministros de Bolsonaro, Campos Neto afirmou que apenas mandava informes. Acrescentou que fez amigos no governo anterior e que espera também fazer amigos no governo atual.

Voto com camisa amarela

Disse que voto é "um ato privado", ao ser questionado sobre o uso da camisa da seleção brasileira na eleição de 2022. "Eu acho que agora é hora da gente se unir, fazer um projeto pelo país, esquecer dessas coisas pequenas e pensar o que a gente precisa para fazer esse país crescer."

Juros mais altos do mundo

"Acho que é justo questionar os juros altos. É importante ter alguém que faça esse papel no governo. Faz parte do jogo, do equilíbrio natural", disse Campos Neto. "O BC não gosta de juros altos. No entanto, a experiência internacional mostra que permitir uma inflação mais alta para crescer mais é, normalmente, ruim. No final, esse par ordenado leva a uma inflação muito alta e um crescimento que sobe muito pouco."

Autonomia do BC

A autonomia do BC é um aperfeiçoamento institucional importante, segundo Roberto Campos Neto. Nos países e, que foi adotada, afirmou, a autonomia resultou em ganhos para a sociedade.

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