POLÍTICA MONETÁRIA

Apesar de pressão do governo, Banco Central não deve mudar política de juros

O consenso entre analistas ouvidos pelo Correio é de que o Banco Central manterá a Selic em 13,75% ao ano, mesmo patamar desde agosto de 2022

Rosana Hessel
postado em 13/03/2023 06:00 / atualizado em 13/03/2023 13:12

Nos próximos dias 21 e 22, ocorrerá a segunda reunião do ano do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central. As pressões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de vários integrantes do governo para uma queda forçada da taxa básica de juros (Selic) são claras sob a justificativa de que a Selic está prejudicando a atividade econômica, mas analistas do mercado, não acreditam que o Copom reduzirá a taxa básica da economia (Selic) a curto prazo.

Apesar de demonstrarem boa receptividade em relação ao novo arcabouço fiscal que vem sendo sinalizado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o momento ainda exige cautela na condução da política monetária. O ministro disse que a modelagem está pronta e ela será definida por Lula, provavelmente nesta semana. Mas, por enquanto, o governo tentando controlar as expectativas do mercado no gogó, sem mostrar números de como o novo arcabouço deverá conter o aumento do endividamento público para os próximos anos, algo inevitável diante do rombo fiscal previsto no Orçamento deste ano, de R$ 231,6 bilhões.

Logo, o consenso entre analistas ouvidos pelo Correio é de que o Banco Central manterá a Selic em 13,75% ao ano, mesmo patamar desde agosto de 2022. Eles também consideram que, na próxima reunião do Copom, em maio, será pouco provável que o ciclo de afrouxamento monetário comece, apesar da desaceleração da atividade e da restrição do crédito no mercado. Enquanto o novo arcabouço fiscal não é colocado às claras, as projeções para o início da queda da Selic estão mantidas para algo entre junho e agosto.

Na semana passada, Haddad e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, deram declarações no sentido de que o novo arcabouço deverá agradar o mercado, que espera algum mecanismo de controle de gastos do governo na nova regra que será encaminhada ao Congresso e que precisará constar no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO). O PLDO de 2024 precisará ser enviado pelo Executivo ao Legislativo até 15 de abril. Mas, a surpresa com a inflação oficial de fevereiro jogou uma pá de cal nas previsões dos que achavam que seria possível uma queda dos juros a partir de maio.

IPCA

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de fevereiro, divulgado na última sexta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acelerou de 0,53% para 0,84%, de janeiro para fevereiro, acima da mediana das estimativas do mercado, de 0,78%, medida pelo boletim Focus, do Banco Central, e ficou ainda mais espalhada, com 65% dos itens pesquisados registrando aumento de preços — acima dos 63% do mês anterior. E, apesar da desaceleração dos preços dos alimentos e dos combustíveis em fevereiro, os preços administrados estão mais pressionados, com alta de 0,86% no mês e devem continuar contribuindo para a inflação de mais persistente em março, devido à recomposição dos impostos federais e estaduais sobre a gasolina e a energia elétrica.

Não à toa, as expectativas para a inflação deste ano e de 2024 continuam desancoradas e acima da meta — um dos principais justificativas para que o Copom mantenha a Selic no patamar atual. A mediana das projeções do mercado para o IPCA deste ano está em 5,90%, acima do teto da meta de 4,75%, e superior aos 5,74% previstos há quatro semanas. E, para 2024, as estimativas para o indicador estão em 4,02%, acima dos 3,93% estimados um mês antes. A falta de um novo arcabouço fiscal e de medidas do novo governo para conter gastos desnecessários também influenciam na decisão do Copom, pois a autoridade monetária está sozinha, desde o governo anterior, na tarefa de preservar o poder de compra do real e vem falhando na função. Desde 2021, o BC não consegue entregar a inflação abaixo do teto da meta e deverá falhar pelo terceiro ano consecutivo e pela oitava vez desde o início do regime de metas, em 1999.

Marco fiscal

A falta de um arcabouço fiscal também influencia a decisão do Copom. Logo, o consenso entre os analistas é de que o novo marco fiscal precisará ser muito bom e crível para conseguir ancorar as expectativas de inflação do mercado. Até lá, será difícil uma mudança na estratégia do BC, que vinha sinalizando um novo ciclo de queda dos juros no segundo semestre do ano.

"O governo, mais do que nunca, precisa apresentar um excelente arcabouço fiscal neste ano", alerta Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele reforça que os dados do IPCA de fevereiro jogam um balde de água fria na perspectiva do Copom de alguma chance de queda da Selic neste semestre. Ele tem uma previsão levemente mais otimista para crescimento do PIB neste ano, de 1%, e lembra que o cenário externo também deverá colaborar para dificultar uma queda acentuada da Selic, que deve encerrar dezembro em 12,25%. "O cenário dos Estados Unidos também corrobora para os juros mais elevados. A única coisa que ajudará esse ano será inflação de alimentos, cujos preços tendem a cair, mas não deve ser suficiente para trazer o IPCA para a meta", afirma.

Ritmo lento

Na avaliação de Vale, o novo arcabouço fiscal certamente vai ter um papel para o Banco Central começar a sinalizar alguma redução da Selic, mas os juros só devem cair a partir do terceiro trimestre do ano. Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV, também vê dificuldade para o BC reduzir a Selic após os dados do IPCA, pois os núcleos da inflação de fevereiro continuam elevados. "Isso mostra que a desinflação vai acontecer, mas em um ritmo lento. É bem difícil derrubar sem inflação", alerta. Ele elevou de 0,60% para 0,65% a previsão para o IPCA de março e espera uma leve aceleração do indicador em abril, para 0,70%.

O cenário é de desinflação ao longo do ano, segundo Padovani, "mas uma desinflação lenta", e o resultado do IPCA dificulta um corte de juros agora, mesmo com o governo antecipando a entrega do arcabouço fiscal. "Não há espaço, neste momento, para redução da Selic. Tem a questão do arcabouço fiscal, que o mercado está animado com o discurso das autoridades, mas todo mundo sabe que, na prática, vamos ver mais aumento de despesas, e, portanto, mais endividamento. Na prática, acho que tem muito discurso político e o arcabouço fiscal deve contribuir pouco para a desinflação. Mas vamos esperar", afirma.

Padovani reforça as apostas de corte da Selic apenas na segunda metade do ano. "A inflação de fevereiro foi muito ruim, muito acima das expectativas. Existe um processo de queda da inflação à frente, mas é um processo lento e é muito distante ainda do alcance de metas. Então, algo assim neste momento é muito difícil você ter qualquer espaço para corte. Eu acho que fica mais claro o corte no segundo semestre, quando o Banco Central olhar para 2024. E aí, realmente, ele fica de calibrar os juros com o nível nominal mais baixo", explica.

As perspectivas de aceleração da inflação nos próximos meses também não estão totalmente descartadas, de acordo com André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Apesar de prever 0,80% de alta do IPCA em março, ele reconhece que o indicador pode chegar a 1% devido aos reajustes dos combustíveis e da energia elétrica que devem acontecer ao longo deste mês, o que vai dificultar uma queda da Selic agora ou mesmo neste semestre. "Sabemos que a energia elétrica é outra variável que impactou no IPCA de fevereiro e pode continuar influenciando em março. Combustíveis e energia elétrica são fundamentais para a grande indústria e para prestação de serviços. Não há segmento que se sustente sem consumir esses insumos. Se eles ficam mais caros, eles pressionam um custo e eles podem ajudar a espalhar as pressões inflacionárias, indo em direção oposta ao que a autoridade monetária espera quando sustenta juros nesse patamar de transição", alerta.

Novo arcabouço fiscal

Após os comentários do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, sobre o novo arcabouço fiscal, o mercado reagiu positivamente, mas analistas reforçam a necessidade de um arcabouço crível para abrir espaço para queda dos juros de forma sustentável e não forçada, como ocorreu no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

"O mercado está acreditando que haverá algum controle de gastos. Os anúncios de Haddad e Tebet sobre o adiantado do andamento da proposta de novo arcabouço fiscal reduziram os juros futuros de modo relevante na semana. Principalmente, com a possibilidade de encaminhamento da proposta ao Congresso antes da próxima reunião do Copom", destaca o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

A expectativa é de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidirá sobre o assunto ainda nesta semana. "Os participantes do mercado estão sendo discretos; cobram o teto mas tiram o pé dos juros. Nesse cenário, o Comitê teria que se manifestar de algum modo sobre a sequência PEC da transição, pacote de janeiro e reoneração dos combustíveis", defende. As taxas de contratos com vencimento em 2027, por exemplo, passaram de 12,86% para 12,40%, entre os dias 6 e 10 deste mês. Enquanto isso, a inflação implícita para 2026 cedeu de 6,47% para 6,24%, no mesmo período. "Na semana de queda dos juros futuros, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) jogou contra as expectativas", frisa o economista do Fator.

Equilíbrio

De acordo com Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o Banco Central vem citando a preocupação com o equilíbrio fiscal há bastante tempo. Para ele, apesar das críticas de Lula aos juros e ao Banco Central, não deve surtir efeito para uma queda da Selic na reunião do Copom. "A Selic não vai cair, mas pode haver uma sinalização do Copom de que poderá reduzir os juros mais à frente", frisa. Para ele, uma queda dos juros a partir de maio vai depender do modelo das novas regras fiscais que Haddad pretende apresentar ao Congresso.

O especialista em contas públicas Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Renascença, reforça o argumento de que a nova regra fiscal precisará ser crível para indicar estabilização da trajetória dívida/PIB em "um determinado horizonte". "O mercado aceitará bem e estará aberta uma avenida de possibilidades para a política monetária. Com a atividade econômica no chão, os juros podem diminuir. É só retirar o bode fiscal do meio da sala." Contudo, reconhece que o novo arcabouço não será suficiente para uma queda, a curto prazo, dos juros.

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